Sócrates,
Aquele-Cujo-Nome-Não-Pode-Ser-Pronunciado
RITA DINIS/ 30/11/2014,
OBSERVADOR
Ausente,
mas presente. Nos corredores e no palco do congresso socialista, José Sócrates
esteve presente, mas inominável. Entre os militantes que falaram no assunto,
nenhum ousou pronunciar o nome.
Como se
esperava, José Sócrates foi a sombra do primeiro dia do congresso socialista
Como o vilão da
saga Harry Potter, José Sócrates apareceu neste primeiro dia de congresso
socialista como Aquele-Cujo-Nome-Não-Deve-Ser-Pronunciado. No palco, o nome do
ex-primeiro-ministro nunca chegou a ser ouvido. Nos corredores, e entre os
congressistas menos conhecidos do grande público, o nome pairava em cada
esquina, mas também nem por isso se pronunciava com à vontade. Referiam-se à
prisão de José Sócrates como “isso” ou “aquilo”, ou como “os acontecimentos
recentes”. Sócrates, o inominável ou o Quem-Nós-Sabemos.
Na história do
feiticeiro de Hogwarts, se o nome de Voldemort fosse pronunciado significava
que algo de muito mau podia acontecer. Pelo sim pelo não, foi mais ou menos
assim que o congresso socialista geriu a situação da prisão do ex-governante
socialista. Com controlo e precaução. E a estratégia parece ter corrido bem a
António Costa, já que não houve ninguém que tivesse fugido muito à linha
traçada e o nome nunca chegou a ser pronunciado. Mais: poucos foram os que se
aventuraram em elogios ao governo do partido socialista, ou mesmo referir-se a
medidas lançadas por José Sócrates. E esta é uma diferença para anteriores
congressos, mesmo durante a liderança de António José Seguro. Houve quem
falasse da “herança” ou que o partido “tinha memória” e que não renegava o
“passado”. Mas o passado, a memória e a herança nunca ganharam nome.
Entre os
militantes ouvidos pelo Observador a opinião que reinou foi de que se falou
pouco no assunto, “mas sentiu-se”. Para Isilda Lemos, militante socialista há
cerca de oito anos, “Sócrates ficou lá fora” e assim deve continuar, mas não
por o PS querer pôr o passado para trás das costas (ou para debaixo do tapete),
apenas porque o congresso “não serve para pensar no passado, mas sim para
planear o futuro”, defendeu ao Observador a militante vinda de Viseu.
“Obviamente que [Sócrates] está presente na preocupação dos militantes mas não
é um assunto que diga respeito a este congresso, que aliás já estava marcado
antes de se saber disto”, diz. Disto, leia-se, da detenção de José Sócrates.
Houve mesmo quem
dissesse que o congresso esteve “muito chocho”. Um militante de Felgueiras, que
não quis ser identificado, disse ao Observador que já viu congressos “bem mais
animados” nos seus mais de dez anos de militância. E arriscou mesmo dois
motivos para o pouco entusiasmo que diz reinar entre os congressistas este ano:
primeiro, “os acontecimentos recentes” (isto é, a detenção de José Sócrates).
Depois, outro fantasma, o da “substituição” – “para não dizer outra coisa” – de
Costa por Seguro nas primárias de setembro, uma ferida que pelos vistos ainda
continua aberta entre alguns socialistas.
Aos microfones ou
fora deles, o tópico tem sido gerido com cuidado. Pelo menos até ao momento,
mas nunca se sabe. Até ao lavar dos cestos é vindima. “A militância é livre,
pode haver militantes a falar disso, mas até agora ainda ninguém o fez muito
abertamente, e ainda bem”, disse ao Observador Tiago Barbosa Ribeiro, um dos
delegados eleitos pela concelhia do PS Porto. Para este delegado, António Costa
conseguiu mobilizar o congresso e unir os congressistas. E isso vê-se desde
logo na obediência dos militantes ao pedido do secretário-geral para separarem
as águas. “À justiça o que é da justiça”, disse Isilda Lemos, sublinhando a
máxima repetida até à exaustão nos últimos dias pelos dirigentes socialistas.
Ainda assim, há
entre os delegados quem preferisse que Sócrates tivesse sido convidado a
entrar. “Está-se a falar pouco disso, devia-se falar mais”, afirmou Teresa
Oliveira, uma militante de Gondomar que defende que a prisão do ex-governante é
uma “injustiça” e uma questão meramente política.
O elefante no
meio da sala
Com o avançar da
noite, os congressistas ficaram mais arrojados e alguns subiram ao palco para
encarar o “elefante no meio da sala”, como lhe chamou o presidente de Caminha,
Miguel Alves. A ex-ministra Gabriela Canavilhas foi quem arriscou mais, e foi a
única que tentou pedir uma salva de palmas para o ex-primeiro-ministro. “Peço
uma saudação para os ausentes, os que gostariam de estar cá e não estão”,
disse. Chamou-lhe ausente, não José Sócrates. Mas as palmas vieram.
Antes, na sua
intervenção inicial, António Costa tentou arrumar o assunto falando dele, mas
dizendo para não se falar mais. Chamou-lhe “choque brutal”, não José Sócrates.
Nem os amigos mais chegados ousaram pronunciar o seu nome. Pedro Silva Pereira,
que era número dois no governo de Sócrates, iniciou a sua intervenção
dirigindo-se diretamente ao assunto, mas rematou propositadamente à barra. Disse
que a prioridade do PS era fazer oposição ao Governo e construir uma
alternativa – “é para isso e para mais nada que estamos aqui”. Chamou-lhe “mais
nada”. O histórico socialista Manuel Alegre repetiu o número. Chamou-lhe
“choque emocional” e disse que o PS não tinha medo de “fantasmas”. O nome
pairou, mas mais uma vez, temendo a maldição, ficou por pronunciar.
Enquanto isso, em
Évora, alguns congressistas quiseram ir visitar o ex-primeiro-ministro ao
Estabelecimento Prisional precisamente neste dia de reunião socialista. Foi o
caso de Renato Sampaio, André Figueiredo e Isabel Santos. No regresso a Lisboa
trouxeram com eles o nome impronunciável para dizerem que “está bem e está
determinado em defender-se”, mas quando subiram ao palco, nem Renato Sampaio
ousou quebrar a regra de ouro. Outros, como Sérgio Sousa Pinto, José Lello e
Francisco Assis, ainda não foram a Évora mas disseram aos jornalistas que
tencionam ir. Por estima pessoal, por o “trazer no coração”, como disse Lello.
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