A herança de Teixeira da Cruz
Por Luís Rosa
publicado em 14
Nov 2014 in
(Jornal) i online
Uma justiça livre e independente, que investiga até ao fim, doa a quem doer
O mandato de
Paula Teixeira da Cruz pode ficar marcado pelo apagão informático do novo mapa
judiciário (e pela péssima gestão de todo o processo), a ministra da Justiça
pode não conseguir levar o mandato até ao fim, mas há uma coisa que ninguém
pode tirar-lhe: o discurso arrojado contra a impunidade e a corrupção e o apoio
ao Ministério Público (MP) e à Polícia Judiciária (PJ) para investigarem o que
entenderem. O discurso não teve muita repercussão financeira devido à forte
contenção orçamental dos últimos quatro anos, mas existiu sempre ao longo do
mandato.
É fundamental que
o peso e a força simbólica da palavra do titular da Justiça se faça sentir - o
que raramente os seus antecessores fizeram. Não apenas nos discursos de
abertura do ano judicial, mas sempre que existem acções públicas relevantes da
justiça. Foi isso que Teixeira da Cruz fez ontem ao reafirmar, no âmbito do
caso dos vistos gold, que "o tempo da impunidade chegou ao fim", que
"ninguém está acima da lei" e que "respeita a separação de
poderes". E, o mais importante, convidou os dois altos dirigentes do seu
ministério (um deles da confiança pessoal da ministra) a apresentarem a
demissão por terem sido detidos no âmbito de um processo em que se investigam
crimes graves, como corrupção, branqueamento de capitais ou tráfico de
influências em relação a uma das medidas emblemáticas do seu governo: os vistos
gold. Não é a primeira vez que Teixeira da Cruz tem este tipo de desassombro. Aconteceu
o mesmo, por exemplo, no caso da licenciatura de Miguel Relvas, seu colega de
governo, ou na investigação do caso BES (quando ainda ninguém se atrevia a
criticar Ricardo Salgado).
Pode parecer
pouco, mas raramente esta atitude existiu no Ministério da Justiça. Basta falar
com magistrados do MP e inspectores da PJ para sabermos de todas as
dificuldades e pressões recebidas durante investigações a dirigentes políticos
dos partidos de governo (PS, PSD e CDS) durante casos como, entre outros, os
Submarinos, Face Oculta ou Casa Pia - nem vale a pena falar de processos dos
anos 80 ou 90. Sempre foi essa a regra. Era costume os gabinetes da Justiça na
Praça do Comércio terem uns assessores especializados em comunicar com o MP ou
a Judiciária durante as investigações mais mediáticas para passar recados ou
para recolher informação sobre o conteúdo das investigações. Não há indicações
de que isso tenha acontecido nestes últimos quatro anos - o que é bastante
relevante tendo em conta que foram abertas ou continuaram normalmente
investigações importantes contra diversos membros do governo ou altos
dirigentes da administração pública.
Essa é
precisamente a grande herança que Paula Teixeira da Cruz deixará: uma justiça
livre e independente, que investiga até ao fim, doa a quem doer. A mesma que
arquivou as suspeitas de sabotagem do Citius.
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