OPINIÃO
A direita deixou de ser
patriótica (2)
JOSÉ PACHECO
PEREIRA 12/07/2014 - PÚBLICO
No fundo, a questão da Pátria resume-se a uma posição simples: o que não
fizermos por nós, ninguém o fará.
Mesmo falando de
Pátria na sua forma mais minimalista – quase só a defesa dos interesses dos
portugueses como portugueses e não como cidadãos da Europa, a defesa da
comunidade nacional como história, língua e cultura –, provoca uma enorme
irritação nos círculos do poder, PSD e CDS e também no PS.
Este nervoso é,
em muitos casos, sentimento de culpa, noutros medo de que uma certa desfaçatez
no que se está a fazer não seja aceite pela maioria dos portugueses, se for
apresentado sem disfarces, usando os nomes que as coisas têm e falando delas
sem as vestes do engano. Querem os portugueses ser uma região da Europa com
menos poderes que um länder alemão, com uma política externa, uma política de
defesa (Portugal aceitou que aspectos da sua política das Forças Armadas
viessem no memorando), e a sua política interna, a começar pelo orçamento e a
continuar por uma governação que pouco mais faz do que aplicar “directivas”
europeias, seja definida em Bruxelas e em Berlim? Uma parte importante da direita
portuguesa que antes enchia o peito com o patriotismo responde sim, nalguns
casos por necessidade, noutras por vontade, noutras por serviço.
Há dois aspectos
em que este abandono do patriotismo por parte do actual poder político é muito
evidente. Um, é o modo como se actua em relação às Forças Armadas, que é mais
um sintoma do que uma causa; outra, a política tão deliberada como dolosa de
cedência de soberania a instâncias internacionais em que Portugal não tem
nenhuma voz, entra mudo e sai calado, como o primeiro-ministro em muitos
Conselhos Europeus.
Não vou perder
tempo com duas questões que aparecem sempre como justificações, mas que não
estão no cerne daquilo que quero discutir. Uma, no que concerne às Forças
Armadas, é a denúncia do corporativismo dos militares, que os leva a quererem
manter privilégios e estatuto, inaceitáveis no actual (des)equilíbrio social.
Sim, é verdade, há corporativismo nas Forças Armadas, mas isso não legitima o
que o actual poder está a fazer com elas, independentemente daquilo que possam
ser resistências corporativas. A outra é a combinação de uma espécie de
realismo cínico, que diz que Portugal nunca foi independente nos últimos
quatrocentos anos (as datas variam) e por isso é hipocrisia estar agora a achar
anormal aquilo que sempre existiu.
É o argumento de
que se Portugal é dependente de facto, por que razão se preocupar por o ser de
jure? Até é mais “verdade”, mais transparente que se assuma que os portugueses
não mandam nada e que por isso qual é problema que o Parlamento português perca
poderes para a Europa? Um subproduto deste raciocínio é que hoje a natureza das
nações europeias é partilharem soberania nas instituições da União Europeia,
pelo que é um modo de pensar arcaizante, para não dizer antiquado, considerar
que as “velhas” ideias de soberania possam ter qualquer papel nos dias de hoje.
Seriam, aliás, apenas manifestações de um nacionalismo vulgar e perigoso.
A questão das
Forças Armadas é que, estando como estão e como vão estar daqui a uns anos da
mesma política, elas não servem mesmo para nada. Não será difícil então
apontá-las a dedo como um peso inútil no orçamento. Já o escrevi e repito: os
actuais governantes, a começar pelo ministro da Defesa, fechariam o exército, a
marinha e a aviação, amanhã se pudessem e iria o Conselho de Ministros
vangloriar-se da grande reforma que fez e do dinheiro que poupou. Mas como não
pode fazer isso, estraga.
O PSD e o PS têm
grande responsabilidade no caminho de progressiva destruição das nossas Forças
Armadas. Foi por pressão das “jotas”, com relevo para a JSD, que acabou o
Serviço Militar Obrigatório, abrindo caminho para umas Forças Armadas
profissionais, que eram mais caras e que rapidamente se tornaram a primeira
vítima de cortes, sempre que havia necessidade. As Forças Armadas eram e são,
para o actual poder, expendable mesmo quando os governantes se passeiam de
peito cheio nas paradas e se dizem umas fases muito patrióticas nos discursos.
No fundo, a
questão da Pátria resume-se a uma posição simples: o que não fizermos por nós,
ninguém o fará. Podem ajudar-nos, como é suposto ajudarmos os nossos vizinhos,
mas o zelo e a dedicação que vem daquele “nós” só nós o temos, ou deveríamos
ter. Basta um exemplo. Num falso arroubo de patriotismo, o Governo patrocinou
um mapa de Portugal que enchia meio mundo no hemisfério Norte, dominando o
Oceano Atlântico a enorme área ocupada pelas ilhas e a sua zona económica
exclusiva. Portugal seria assim a grande potência do Atlântico Norte, da costa
africana junto de Marrocos, passando pelo pequeno enclave das Canárias, até
junto da costa americana. E, na verdade, esse é o nosso território, mas a outra
verdade é que só a muito custo conseguimos manter responsabilidades
internacionais pela busca e salvamento, pela segurança das importantes rotas
marítimas que o atravessam, ou proteger os nossos bens. Estamos por um fio no
quadro dos mínimos dos mínimos das nossas obrigações. Uma avaria num
helicóptero, uma avaria num avião, um problema de tripulação e um salvamento
pode não ser feito, já para não falar do controlo eficaz dessa parte de mar que
enche o mapa oficial, em termos de segurança, em termos de exploração de
recursos, em termos de defesa do nosso património estratégico. Talvez se
pudesse vender, como as praias e as ilhas gregas?
Mas o desprezo
pelas Forças Armadas é apenas um sintoma, onde se centra a verdadeira doença, a
perda efectiva da Pátria e com ela do autogoverno e da democracia, é no actual
curso europeu que está a mudar um projecto comunitário e de coesão, por um
império imperfeito, incoerente, desigual e hierárquico, em que Portugal ocupa o
downstairs. Serve para passar férias e está em prisão domiciliária por dívida.
Portugal é hoje
uma província desse império, por submissão dos nossos governantes, que
aceitaram tudo o que lhes exigiram e fugiram e fogem de obter legitimação
popular e democrática, para a transformação de Portugal numa região falida e
com má fama que é necessário governar com mão de ferro, sem dar veleidade aos
súbditos de escolherem ou decidirem alguma coisa, dada sua propensão para viver
do dinheiro alheio.
A ideologia desta
submissão é múltipla. Há um aspecto de progressismo e de engenharia utópica,
modernista e modernaço, e há a vontade de usar um poder exógeno para impor uma
tutela endógena a favor de interesses de uma pequena minoria de portuguesas,
como diriam os marxistas um “poder de classe”. Comecemos pela primeira: o nosso
actual europeísmo não é muito diferente do iberismo do passado. Representa uma
ideia progressista, iluminista, cosmopolita, contra os pacóvios das fronteiras.
Trará o reino da razão aos ignaros rurais que pensam à dimensão da sua quinta e
só se preocupam em manter os marcos no sítio, ou até, aos escondidos, em
movê-los um pouco mais para dentro do terreno do vizinho. Para eles, só há ou
nacionalismo identitário, ou internacionalismo europeísta.
A isto se junta a
ideia de que quem não tem dinheiro não tem vícios, logo, um país em bancarrota
não pode queixar-se dos credores mandarem nele. Coisa aliás que até não é má de
todo, porque a pressão externa “impõe” políticas “responsáveis” aos portugueses
irresponsáveis, obrigando-os a viver de acordo com as suas necessidades. Quero
lá saber da Pátria, dizem alguns, se a troika (com a prestimosa e dedicada
ajuda do Governo) está a fazer aquilo que nenhum governante português seria
capaz: baixar salários, reformas e pensões, acabar com o Estado como
instrumento social, correr com os funcionários públicos, e destruir os direitos
do trabalho. O colaboracionismo com o poder de fora faz-se por afinidade
ideológica e, claro, com vantagem própria.
É na direita que
estas ideias hoje fazem mais estragos porque encontrou nas posições da troika e
dos “protectores” alemães um instrumento precioso para obter ganhos “sociais”
em Portugal. Porém, ainda há um pequeno problema, ainda há eleições. Por isso, mesmo
que se deixe de falar em Pátria e patriotismo, pode-se sempre colocar a questão
em termos democráticos: que sentido tem a democracia portuguesa se os eleitores
portugueses vão deixar de poder escolher quase tudo que é decisivo para o seu
país e para as suas vidas?
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