A rede de financiamentos montada pela Espírito Santo Internacional chegou também ao banco controlado pelo Estado |
EDITORIAL / PÚBLICO / 12-7-2014
O que falta dizer no Grupo
Espírito Santo
Na quarta-feira, Portugal regressa aos mercados. Mas a crise no GES pode
comprometer a operação
Depois da
turbulência de quinta-feira nos mercados provocada pela crise no grupo Espírito
Santo, ontem o dia foi de maior acalmia. Quer o governador do Banco de
Portugal, quer o primeiro-ministro tentaram acalmar os clientes do banco para
evitar uma corrida aos depósitos. Até porque as contas que o banco divulgou e
as garantias dadas pelo regulador mostram que o BES está sólido, apesar das
dificuldades sentidas pelas empresas ligadas à família Espírito Santo.
Mas isso não
chega. Prova disso é que já ao final do dia as maiores agências vieram cortar o
rating do banco, sinal de que ainda há alguma coisa por explicar. E a incerteza
é a pior inimiga dos mercados. A classificação de dívida do banco, tal como
acontece com a República, já estava num nível de “lixo”, mas agora ainda está
pior, depois de ter sido colocada num grau altamente especulativo. E vão
continuar a subsistir dúvidas, enquanto a família não apresentar um plano de
reestruturação para as holdings do grupo e se souber com precisão em que perda
é que o BES pode incorrer em caso de incumprimento. E o grupo também ainda não
explicou se os problemas que enfrenta em Angola podem de alguma forma afectar o
banco.
Isto tudo devia
ser dito e explicado no máximo até ao início da próxima semana. Até porque já
se percebeu que o grupo Espírito Santo tem um efeito altamente contagioso nos
mercados financeiros. É preciso ver que Portugal regressa aos mercados na
quarta-feira para vender 1250 milhões de dívida a curto prazo e, pela reacção
esta semana dos juros das Obrigações do Tesouro à instabilidade no grupo
Espírito Santo, é possível que a coisa não corra muito bem.
Depois de três
anos de resgate da troika, e muita austeridade pelo meio, o que o país
dispensava nesta altura era de ficar novamente arredado dos mercados porque os
credores desconfiam de nós.
Caixa Geral de Depósitos tem
exposição de 300 milhões ao GES
Banco público recebeu acções da Espírito Santo Financial Group como
garantia apresentada pela Espírito Santo Internacional e, também, activos
imobiliários no âmbito do projecto da Comporta
Cristina Ferreira
/ 12 jul 2014 / PÚBLICO
A exposição da Caixa Geral de Depósitos (CGD)
a sociedades detidas pelo Grupo Espírito Santo ronda os 300 milhões de euros,
mas todos os créditos têm garantias reais, como acções ou imobiliário. Entre as
empresas que se foram financiar junto da CGD está a Espírito Santo
Internacional, que controla o Espírito Santo Financial Group (ESFG), o maior
accionista do BES, e que pode vir a pedir a protecção de credores.
O PÚBLICO apurou
que a ESI terá entregue como aval do empréstimo que contraiu junto da CGD, por
exemplo, acções da ESFG — que anteontem pediu à CMVM a suspensão da negociação
na bolsa de Lisboa. A decisão da holding, com sede no Luxemburgo, terá tido a
ver com a possibilidade de o seu controlador, a ESI, avançar com um pedido de
insolvência com protecção judicial.
Caso se confirme
esta intenção, a CGD poderá ter de encaixar uma perda total ou parcial. Isto,
dependendo do contrato que celebrou e que prevê que, sempre que o título caia
abaixo de um certo valor, o credor possa exigir ou o reforço de garantias ou a
venda das acções. A execução dos títulos da ESFG é outra opção, o que tornará a
CGD accionista do BES. A Caixa pode exigir, ainda, que as acções sejam
vendidas.
Para além do
apoio financeiro dado à ESI, a CGD tem também créditos junto da Comporta,
empresa onde a família Espírito Santo agrega várias propriedades. Neste caso,
recebeu como garantia activos imobiliários.
O Expresso Diário
noticiou ontem que a família Espírito Santo “pediu um crédito” de mais de 100
milhões de euros ao banco Nomura para acorrer ao último aumento de capital do
BES [1045 milhões de euros] e “deu como garantia as próprias acções do BES”. Uma
decisão que possibilitou à ESFG reduzir a sua presença no BES de 27% para
apenas 25%, e não para 22%, como era expectável. O Nomura activou a cláusula
que visa regularizar a garantia e, com a venda dos títulos para pagar o
crédito, a ESFG verá baixar a sua posição no BES. Mas deve ficar com cerca de
20%.
Os títulos do
banco voltaram ontem ao mercado, depois de a comissão executiva ter revelado o
grau de exposição directa e indirecta ao GES, mas os analistas apontam para a
probabilidade de necessidade de um novo aumento de capital, o que pode exigir o
recurso à linha de recapitalização pública (que tem livres cerca de 6000
milhões de euros). O Citigroup, que há um mês adquiriu acções do BES, estima
que, no pior dos cenários, o reforço seja de 4300 milhões de euros.
Na origem da
turbulência dos mercados em torno do sistema GES/BES/PT (a operadora está
exposta à Rioforte em 900 milhões a GES) está não só a eventualidade de o Estado
poder ter de socorrer o BES, como a informação de que a ESI terá de declarar a
insolvência. As conta da holding foram manipuladas com a ocultação de 1300
milhões de perdas. Uma entre várias transacções polémicas relacionadas com
sociedades e gestores do GES e que estão no centro de uma investigação do Banco
de Portugal, que envolve, por exemplo, a actuação de Ricardo Salgado enquanto
banqueiro.
No meio das
averiguações está também o contabilista do GES que fez declarações
contradizendo Ricardo Salgado — que veio dizer nada saber das irregularidades. Depois
de ter garantido por escrito (segundo o relatado pelo Expresso) que Ricardo
Salgado não só fora informado do buraco de 1300 milhões na ESI, como
participara na decisão de o ocultar das autoridades, Francisco Machado da Cruz
passou a estar incontactável, o que aconteceu após ter auferido uma
indemnização que já foi classificada de “choruda”.
O PÚBLICO apurou
que o Brasil, país sem acordo de extradição com Portugal, terá sido o local
escolhido pelo contabilista para fazer umas férias de silêncio. Em entrevista
ao Jornal de Negócios, Salgado remeteu as culpas para o commissaire aux
comptes, Machado da Cruz, que alegou ser na prática o único funcionário da
holding. E quem decidiu avançar com a denúncia das irregularidades, tese que o
banqueiro replicou ao Banco de Portugal. Só que Machado da Cruz tinha dito aos
advogados contratados pelo GES que desde 2008 que Salgado sabia que as contas
da ESI não reflectiam a verdade financeira. E que nada fazia sem conhecimento
da administração da ESI, de que faz parte o ainda presidente do BES que vai
sair do banco a 31 de Julho (para entrar Vítor Bento).
O contabilista,
hoje em parte incerta, confessou que, em 2008, retirou 180 milhões de euros do
passivo da ESI, verba que devia ser registada como prejuízo. Sublinhe-se que
Salgado declarou ter sido surpreendido quando soube que parte do passivo não
estava reflectido nas contas da ESI. Apesar das revelações de Machado da Cruz a
contrariar as de Ricardo Salgado, o contabilista declarou-se responsável, mas
salienta que o objectivo da ocultação do passivo da ESI destinou-se a salvar o
BES.
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