Mexia entra no radar para a liderança do BES
CRISTINA FERREIRA 17/01/2014 – in Público
Com o desinvestimento do BES na EDP, José Maria Ricciardi,
de quem António Mexia (ex-BESI) é próximo, poderá deixar o Conselho Superior da
eléctrica.
A pouco mais de um ano de terminar o seu primeiro mandato da
era chinesa à frente da EDP, onde está há oito anos, o nome do gestor
profissional António Mexia está a circular em meios financeiros restritos como
estando na corrida à liderança do BES, que, no final de 2013, abriu o processo
de sucessão de Ricardo Salgado.
Com 57 anos, economista de formação, Mexia é considerado
“uma figura” próxima de José Maria Ricciardi, o banqueiro do BESI que
protagoniza o braço-de-ferro com o seu primo direito Ricardo Salgado, com quem
o presidente da EDP também se relaciona.
A informação de que Mexia é candidato a ocupar a cadeira de
Ricardo Salgado, deixando para trás outro gestor profissional - Amílcar Morais
Pires (um homem da esfera de Salgado), o actual CFO do banco e arguido em
processos abertos pelo Ministério Público - começou a rolar nas últimas semanas
com insistência no sector bancário, mas também no universo da família Espírito
Santo que debate, neste momento, o seu futuro empresarial. Um dado que é
considerado, por alguns elementos do núcleo alargado do GES, como um “rumor
espontâneo”.
Fontes próximas do presidente da EDP garantiram ao PÚBLICO
que “a solução BES, para além de não estar neste momento em cima da mesa,
também não faz parte dos planos” de Mexia. E garantiram que o gestor “está
muito empenhado no projecto EDP”, ainda que reconheçam que a mais de um ano de
distância “muita coisa possa mudar”. Já o BES optou por não responder às
perguntas colocadas pelo PÚBLICO.
Se a hipótese de António Mexia poder vir a substituir
Ricardo Salgado à frente do BES está realmente a ser equacionada por ramos do
GES, ou se foi lançada como parte integrante da guerra accionista que se trava
na cúpula da família, ou como parte de uma estratégia de valorização pessoal do
gestor da EDP, ou se resulta antes de um problema não assumido entre o
presidente da produtora de electricidade e o seu principal accionista, a
empresa estatal chinesa Three Gorges, é o que não se sabe.
Solução exterior
Mas dentro do GES há quem defenda que a escolha do próximo
líder deve privilegiar um gestor profissional extra família (do grupo ou
externo), o que permitirá respeitar as mais recentes orientações e regras de
governação bancária europeias, e ainda colmatar a ausência de entendimento
interno sobre a matéria.
Outros acreditam que Salgado pode prolongar o seu mandato,
com o compromisso de que aceitará dar o lugar a Ricciardi, numa altura em que
este já tenha a sua situação legal regularizada. Isto, por ser arguido no
âmbito de uma investigação do Ministério Público iniciada pela CMVM
relativamente a transacções de acções da EDP, em 2008, entre o BES e a BES
Vida.
Mas também há quem aposte numa opção que recaia no seio da
família, o que limita o espaço de recrutamento. Ricardo Abecassis, presidente
do BES Investimento no Brasil, e Bernardo Espírito Santo, da área das empresas
do BES, são os mais mencionados. O tema existe e as movimentações estão em
curso.
Aliás, a abertura do processo de sucessão de Salgado foi
anunciada pela família em Novembro de 2013, no contexto de um dos episódios da
disputa accionista protagonizada por José Maria Ricciardi que, no início
daquele mês, surgiu na comunicação social a contestar a governação de Salgado,
hoje com 69 anos. Um gesto que oficializou as hostilidades entre os dois primos
direitos (pela parte das mães) e deu expressão pública ao diferendo que tem no
epicentro a questão: Quem será o próximo comandante do BES, o activo mais
emblemático do GES, e que, nos últimos 20 anos, se tornou um núcleo relevante
do poder empresarial português, com ramificações a zonas nevrálgicas do Estado
e da política nacional.
As guerras accionistas são propícias a que se delineiem
estratégias de pressão e se fabriquem rumores que alimentam debates. No
pressuposto de que Salgado e Ricciardi deixaram de ter condições para “ganhar”
a batalha da liderança, multiplicam-se elaborações à volta de terceiras
figuras.
Ligações ao BES
O presidente da EDP é um nome familiar dos cinco ramos
Espírito Santo, pois trabalhou como administrador do BESI, entre 1990 e 1998,
período que antecedeu a aceitação do convite para presidir (entre 2001 e 2004)
à Galp (onde o BES tinha posição), funções que deixou para integrar o governo
de Pedro Santana Lopes, com a pasta de ministro dos Transportes e das Obras
Públicas e Comunicações. Só depois ingressou na EDP, uma das maiores empresa
portuguesas e onde, até há poucas semanas, o BES era accionista de referência
com presença no Conselho Superior onde José Maria Ricciardi está sentado. Por
força do desinvestimento, é previsível que Ricciardi deixe as funções na
próxima assembleia-geral da EDP agendada para Abril.
São muitas as incógnitas que, na pior das hipóteses, ficarão
esclarecidas no final de 2015, quando termina o mandato de Salgado. Mas em
Abril desse ano, (novamente se os prazos forem respeitados) haverá, por sua
vez, eleições para os orgãos sociais da EDP, concluindo-se o mandato de três
anos de Mexia à frente da eléctrica, onde está desde 2005.
Incógnita chinesa
Recorde-se que nas semanas que se seguiram à privatização da
EDP, a comunicação social deu conta de que Mexia podia deixar a EDP, um sinal
de que não foi a primeira escolha da Three Gorges. A sua recondução como
presidente da empresa produtora de electricidade no início de 2012, após a
privatização, acabou por acontecer mas só depois de uma negociação política
travada ao mais alto nível e que terá envolvido Passos Coelho e José Maria
Ricciardi, alguém muito próximo do primeiro-ministro. Daí haverem incertezas em
relação às reais intenções chinesas sobre a continuidade de Mexia no próximo
mandato. Este será um momento importante para se perceber até que ponto a
decisão do governo de Passos Coelho (que negociou a venda do controlo da EDP à
Three Gorges) de aplicar uma nova contribuição extraordinária ao sector da
energia (produtores) gerou mau estar no grupo estatal chinês. A Three Gorges já
alegou que este encargo “inesperado”, que obriga a EDP a desembolsar 45
milhões, constitui uma alteração às condições contratuais da privatização.
O valor de António Mexia enquanto gestor de topo é
reconhecido pelos investidores e pelos analistas, o que não tem evitado
“críticas”. Uma frequente diz respeito à dimensão da dívida líquida da EDP, de
cerca de 20 mil milhões de euros, uma realidade que foi, aliás, dada a conhecer
integralmente à Three Gorges no processo que antecedeu a compra da empresa
portuguesa.
Outro tema controverso prende-se com os investimentos da EDP
fora do negócio da energia, nomeadamente, os relacionados com a Fundação EDP e
o centro de arte, duas iniciativas classificadas por quem as contesta “como
bombas relógio”. Para além do “custo” associado à decisão, Mexia é acusado de
ter criado para a EDP um custo fixo permanente: ambas as estruturas dificilmente
podem ser encerradas (custo mediático), nem mantidas em banho-maria (para
poderem continuar a funcionar). Os elevados salários da equipa de gestão do
grupo EDP (segundo a comunicação social Mexia recebe por ano o equivalente a
6391 salários mínimos nacionais) são temas polémicos.
Sobre as possíveis alterações nas lideranças de dois maiores
grupos portugueses, a EDP e o BES, ainda não se ouviu António Mexia dizer
publicamente uma única palavra, mas o mais provável é que no seu círculo
próximo haja quem não pense noutra coisa.
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