OPINIÃO
O sonho evanescente de um jornalismo independente
JOSÉ VÍTOR MALHEIROS 14/01/2014 – in Público
Quem quiser saber quais são
os impactos desta ou daquela política tem hoje de se dedicar a um trabalho
insano.
Uma piada que corre há uns anos nos EUA diz que os
americanos vêem programas de humor como o “Daily Show” do humorista Jon Stewart
para ficarem informados e programas de informação como os da Fox News para se
rirem. É verdade que os programas de Jon Stewart são particularmente informativos
e fazem uma atenta leitura crítica da realidade poilítica americana e que os
programas da reaccionária Fox News são particularmente manipuladores e
desonestos, mas o aforismo é verdade em geral e não apenas para os EUA.
Humoristas como os americanos Jon Stewart e George Carlin,
como os britânicos Monty Python ou Ricky Gervais, como o francês Coluche ou
como os portugueses Mário Viegas, Bruno Nogueira ou Ricardo Araújo Pereira
tiveram ou têm um papel mais importante na visão crítica da sociedade e na
denúncia de injustiças ou de absurdos do que a esmagadora maioria dos media de
informação e dos jornalistas profissionais.
Mas não se trata só dos humoristas. Uma das grandes
alterações do panorama mediático dos últimos anos, em Portugal e não só, foi a
relevância conquistada pelos artigos de opinião. Hoje em dia, uma percentagem
elevada de leitores de jornais e sites começa a sua leitura diária pela secção
de Opinião e dedica a estes textos um tempo muito superior ao que dedica aos
textos noticiosos. O êxito dos blogs na primeira década do século ou das redes
sociais nesta década é aliás um reflexo desta valorização da opinião, ainda que
produzida por autores muitas vezes comprometidos ou mesmo fortemente sectários.
Porque é que essa parcialidade dos pontos de vista não reduz de forma dramática
a audiência e a credibilidade dos opinadores? Porque a parcialidade é
compensada pela enorme riqueza e variedade de pontos de vista disponível na
Internet e pelo controlo que o sistema de comentários consegue fazer,
corrigindo erros e compensando exageros.
Nada disto seria um problema se não se desse o facto de que
estes cidadãos procuram cada vez mais as crónicas humorísticas e os artigos de
Opinião não só para saber o que os seus autores pensam mas principalmente para
“saber o que aconteceu”, ou “o que aconteceu de importante” ou “o que quer
dizer aquilo que aconteceu” - num cenário onde essa informação já não pode, ou
quase não pode, ser extraída da actividade jornalística e das notícias em
particular.
De facto, assistimos nos últimos trinta anos (desde o
consulado de Margaret Thatcher, também conhecida pelo petit nom “TINA”, de
“There Is No Alternative”) a uma investida da agenda neoliberal que se tem
traduzido não só na imposição de visões ideológicas da extrema-direita
económica pela propaganda partidária mas também numa captura da actividade
jornalística, de forma a censurar de facto qualquer veleidade de discurso
independente. Este cerco e subsequente conquista do jornalismo (com raras
excepções pontuais) foi possível devido ao uso combinado de diferentes armas e
ao concurso de algumas circunstâncias fortuitas, mas hoje está quase
completamente concluído. Quem quiser saber o que se passa de facto na política
portuguesa ou europeia, quais serão os impactos desta ou daquela política, tem
hoje de dedicar um tempo insano à leitura de blogs de especialistas e
comentadores independentes, de textos de organizações partidárias e
profissionais, de estudos académicos. O jornalismo costumava fazer-nos poupar
tempo mas deixou de o fazer. O que o grosso do jornalismo hoje nos oferece (e a
televisão tem aqui o principal papel) não é mais do que a repetição de um
discurso hegemónico, de carácter propagandístico, de direita (defensor da
desigualdade), que nos repete que não há alternativa (TINA) ao crescimento da
pobreza, à desigualdade, ao enriquecimento dos mais ricos, à destruição do
estado social, à degradação do trabalho, à exclusão dos pobres.
Isto não significa que a função de fact checking do discurso
do poder não seja feita (esporadicamente) por alguns jornalistas e órgãos de
imprensa, mas significa que essa função é silenciada por uma enxurrada de
propaganda, que os media repetem, com a desculpa de que estão “a citar o
primeiro-ministro” ou outra semelhante e com o argumento (verdadeiro) de que
não possuem meios para verificar tudo o que o homem diz.
Veja-se o que se passa com a invenção do “aumento do
emprego” do discurso de Passos Coelho, ou com a aldrabice da “retoma económica”
que o Governo tem vindo a repetir, ou com a ficção do “programa cautelar”
delicodoce que Cavaco Silva elogia ou com a abjecção da “insustentabilidade das
pensões” que PSD e CDS apregoam. Não há pessoas a denunciar estas e outras
aldrabices? Há, e há-as da esquerda radical à direita democrata-cristã (a
sério) e as vozes que o dizem são reconhecidamente competentes e respeitadas.
Mas são vozes singulares num mar de discurso propagandístico avassalador que
repete a voz do dono e onde as televisões ocupam a parte de leão. Este é o
cancro que se encontra no centro do problema político das sociedades actuais.
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