quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

3 OPINIÕES sobre a NOVA ESQUERDA. Oliveira.Raposo.Tavares.


Esquerda: to be or not to be
Daniel Oliveira
8:00 Quarta feira, 29 de janeiro de 2014 in EXPRESSO online


Se nada for feito a direita acabará, contra todas as previsões, por vencer as próximas eleições legislativas ou, mais provável, o PS governará com ela. Porquê? Porque o PS não tem que se preocupar com o seu flanco esquerdo, que se encarrega de se boicotar a si próprio. Pode continuar a desculpar-se com a impossibilidade de fazer alianças com aquele lado.

Que não haja confusão: acredito que, se depender apenas da vontade das suas direções, o PS está disposto a fazer, talvez com menos estardalhaço e dureza, o mesmo que este governo. E que a razão pela qual o fará não resulta apenas ou especialmente da falta de aliados à esquerda mas por ser para isso que o poder, o poder que conta, o empurra. Se não for por convicção, será por inércia. E a inércia é hoje o que sobra aos partidos socialistas e social-democratas da Europa.

É verdade que a cultura de cedência socialista não é propriamente nova. Ela teve, aliás, fortíssimas responsabilidades na desregulação financeira e na desastrosa arquitetura do euro e da atual União, dois factores fundamentais para explicar esta crise. Não eram todos iguais. Os socialistas lá iam distribuindo a riqueza de forma um pouco menos forreta. Só que agora, ao contrário do que acontecia no tempo das vacas gordas, para garantir os direitos dos de baixo será mesmo preciso aborrecer os de cima. E o que está a acontecer é, de forma pornográfica, o contrário. Não foi a direita que usou um décimo do que a Europa produz para salvar os bancos. Foi a direita e foi a esquerda. Não foi a direita que trouxe a troika e assinou um memorando que é um programa ideológico escrito por fanáticos. Foi a direita e foi a esquerda. Não foi a direita que aprovou um Tratado Orçamental que ilegaliza políticas keynesianas. Foi a direita e foi a esquerda. E este consenso na desgraça só terá um fim quando a extrema-direita puser em perigo as democracias europeias (risco que dispenso correr) ou quando a esquerda que não acompanha a "hollandização" dos socialistas os assustar a sério. Ou há uma força à esquerda dos socialistas capaz de os assustar - e capaz de assustar aqueles que vivem desta crise - ou estamos tramados. Seja porque seremos engolidos pela crise, seja porque os salvadores que vão surgir nos levarão para um inferno ainda pior.

A política trata do poder. E eu quero uma esquerda mais firme que chegue ao poder, sozinha se alguma vez isso for possível (o que não me parece) ou aliada aos socialistas (se tiver que ser). Não porque essa esquerda agrade às direções socialistas mas sim porque agrada ao eleitorado socialista e, desse modo, assusta as suas direções. Eu quero uma esquerda que a direção do PS tema, porque entra bem fundo na sua base de apoio. Não quero uma esquerda que permita ao PS esvaziar o que está à sua esquerda para poder governar com um amigo dócil. Não quero uma esquerda que o PS apadrinhe porque lhe anda a preparar uma bengala. Quero uma esquerda que obrigue o PS a governar à esquerda e com a esquerda, caso contrário pagará por isso. E a verdade, hoje, é esta: ao contrário do que julgam PCP e BE, ao PS saem de borla as viragens à direita. Porque nenhum eleitor do PS acredita que PCP e BE alguma vez queiram realmente governar. E faz muitíssimo bem em não acreditar. Só que é exatamente isso que a maioria dos eleitores quer saber: quem quer governar e para quê? Quem não quer, ou só o quer daqui a umas décadas, não conta. Serve apenas de escape do sistema. Tem a sua utilidade. Mas parece-me que precisamos de mais.

Quando e se chegar ao governo, o PS só travará as privatizações, só baterá o pé à troika, só mudará de posição em relação ao Tratado Orçamental, só quererá renegociar a dívida, só travará a destruição do Estado Social que ajudou a construir se tiver medo. Na realidade, tem mesmo de ter muito medo. E se mesmo com medo não resistir aos apetites de quem quer ficar com os despojos desta tragédia económica e social, que ao menos haja uma força credível, representativa, socialista, reformista e realista em relação à reduzida capacidade de regeneração da União Europeia, para lhe ser alternativa, caso aconteça o que está a acontecer aos socialistas gregos e franceses. Mas não haja confusões: em Portugal não haverá um Syriza. Mais depressa os portugueses saltam para a abstenção do que radicalizam o seu voto e o levam para as margens. O que faz falta é uma força política que ocupe o espaço ideológico que os socialistas estão a deixar vago. E não uma força política que compita com o espaço que o PCP já ocupa.

Tenho escrito muito sobre o suicídio dos partidos socialistas e social-democratas europeus. Mas não tem sido menos perturbante ver o suicídio dos que estão à sua esquerda, em Portugal. Não o PCP, que continuará a crescer, com a sua estratégia inteligente e sem percalços, para depois festejar vitórias, gritar que "assim vê a força do PC" e pendurar tudo na parede para não a estragar com o uso. O que perturba é a outra esquerda, que supostamente tinha outros objectivos (teria?). Teve recentemente a oportunidade de encontrar aliados e fazer parte duma coisa maior. Não quis aproveitar. Nos meandros e responsabilidades neste desfecho não entrarei, por lealdade com todos e por não me querer envolver em polémicas inúteis. Mas sei que acabou por ficar na cabeça das pessoas, ainda mais do que antes, a ideia de que "não há como esta gente se entender".  É a repetição da cena de "A Vida de Brian", dos Monty Python, em que os membros da Frente do Povo da Judeia explicam a um novo militantes que, pior do que os romanos, só a Frente Judaica do Povo, a Frente Popular do Povo da Judeia e a Frente Popular da Judeia (esta apenas com um membro). Todos divisionistas, claro. Como disse Ana Drago, numa entrevista à SIC Notícias, isto há de parecer "uma conversa bizantina" para a maioria das pessoas.

Acho bem que toda a gente seja paciente. Que todos fiquem à espera para ver se, depois das próximas eleições europeias, alguém acorda. Mas se ninguém acordar parece-me que a postura que resta para quem quer construir uma alternativa política credível e representativa, à esquerda, terá de ser a de arregaçar as mangas e meter mãos à obra. Não dá para continuar a esperar que a esquerda vença os seus mais mesquinhos sectarismos, os seus ódios a hordas de traidores e proscritos, enquanto este país se afunda. Não dá para repetir tentativas falhadas de vencer esta cultura e que acabam em frustração e descrédito, motivo natural de chacota e piada. De uma coisa não tenho dúvidas: basta aparecer à esquerda uma força digna de algum respeito e credibilidade para que aconteça um terramoto político em Portugal. E quem não estiver disposto a ser apenas uma parte de uma coisa maior deixará provavelmente de ter existência política digna de nota.


O fim do Bloco é má notícia
Henrique Raposo
8:00 Quarta feira, 29 de janeiro de 2014 in EXPRESSO online

 Sim, o Bloco de Esquerda é o meu negativo, a minha negação política e social - uma agremiação de betinhos de esquerda. Contudo, a sua implosão não me dá grandes alegrias. Ao contrário de Louçã e afins, vejo a política como um jogo civilizado dentro de um espaço comum que promove o compromisso e as alianças entre diferentes actores. Ao contrário dos louçanetes, não vejo o outro lado como um inimigo interno que deve ser despachado com epítetos que lhe retiram à partida qualquer legitimidade ("neoliberal", "fascista", "salazarista", etc). Ao contrário destes revolucionários de cadeirão, não vejo os outros como seres intrinsecamente maus, acho apenas que estão errados.

É por isso que o fim do Bloco é uma má notícia. Apesar de todos os seus defeitos, um Bloco pós-Louçã era o único caminho para chegarmos a algo novo e necessário na nossa democracia: a coligação de esquerda assente no princípio-chave de qualquer democracia madura, o compromisso, o fim do culto da pureza ideológica, a noção de que a cedência não é um acto de cobardia ou maldade. Durante anos e anos, defendi que a única saída para o Bloco era uma aliança governativa com o PS. Seria normal. Seria democrático. Seria europeu. Seria o fim da herança de Cunhal . Quando confrontados com esta hipótese, Francisco Louçã, os jornalistas que levavam Louçã ao colo e os cérebros da ciência política televisionada diziam que "não senhor, se o BE for para o governo perde a sua base de apoio, cai nas sondagens", etc. Ora, sucedeu exactamente o contrário. O Bloco caiu a pique a partir do momento em que recusou negociar com a troika, isto é, a partir do momento em que colocou a sua pureza de donzela acima da governação concreta do país no momento-chave da década. Louçã e os seus amiguinhos não perceberam uma coisa: o fumador de ganza dos anos 90 que achava piada à agenda pós-materialista do Bloco enquanto batia cartadas comigo no pátio da faculdade é agora um designer desempregado com filhos para sustentar. Neste sentido, este eleitor gostava de ver o Bloco a colocar as mãos na governação. Como não viu esse acto de coragem, abandonou o partido.

Este foi o pecado original do Bloco. A sua fragmentação em diversos movimentos esquerdistas nasceu naquele momento. E agora estamos a assistir à velha guerra civil da nossa esquerda. De um lado, temos os radicais centrados na figura de Louçã, uma personagem que mantém em 2014 o velho facho de Cunhal . Do outro lado, temos gente que percebe a importância ou necessidade de uma aliança de esquerda. E eu dava tudo para ver a vitória destas pessoas, dava tudo para ver a derrota da intransigência de Louçã. Até era capaz de dar um voto. Sim, um voto. Se me garantisse que formaria uma AD de esquerda com o PS, votaria no BE ou em qualquer outra agremiação que tivesse a coragem para romper com 200 anos de ódio sectário. Desde 1820, os radicais venceram sempre. Os arsenalistas de 1836, os republicanos e os cunhalistas impuseram sempre a sua marca: não há compromisso, não há concessões ao inimigo interno, um inimigo que começava em Passos Manuel (esquerda da monarquia), nos republicanos moderados e, claro, no PS. Já chega.

OPINIÃO
O Bloco ficou Livre do 3D
JOÃO MIGUEL TAVARES 30/01/2014 in Público

Nos últimos tempos tenho-me fartado de defender um dos meus colegas desta última página. E não, não estou a falar de Vasco Pulido Valente. Estou a falar de Rui Tavares, o que não é necessariamente bom para ele, já que para o seu eleitorado eu serei com certeza má companhia. Mas tendo em conta o estado em que se encontra o triunvirato Bloco-3D-Livre e a sua convergência divergente, deixem-me explicar por que é que ando a votar Tavares em todas as tertúlias informais em que tenho participado sobre o estado da esquerda portuguesa. Traços gerais, a minha posição não tem a ver com uma questão de programa – tem, isso sim, a ver com uma questão de método e de transparência.

E tem a ver com uma outra coisa: com a dicotomia clássica entre o político habilidoso e cerebral, supostamente aquele que vinga no mundo sujo da política, e o político idealista e voluntarista, que – pobrezinho – está condenado a uma vida de entalanços e facadas nas costas. Eu bem sei que a política não é o terreno ideal para virgens impolutas. Mas contesto efusivamente que o tipo superinteligente e superesquemático, que faz muitas contas de cabeça antes de mover um pé e se especializa em jogadas de antecipação por achar que o mundo é um tabuleiro de xadrez, esteja necessariamente mais bem municiado para ter grande sucesso na política. Poderia falar aqui de eternas promessas adiadas do PS, como António Vitorino ou o próprio António Costa, todos eles detentores de um QI tão generoso e reflexivo que nunca conseguem decidir-se sobre o momento certo para tomar o poder. Mas prefiro antes comparar Rui Tavares, o idealista do Livre, a Daniel Oliveira, o pragmático do 3D.

Quando aquela coisa chamada 3D surgiu, apresentando-se como um “manifesto”, um “pólo” ou um “novo sujeito político” – tudo, menos um partido –, os analistas políticos que se dão comigo (não são muitos) concluíram de imediato que Rui Tavares tinha sido atropelado pela betoneira conduzida por Daniel Oliveira, com Carvalho da Silva escondido no lugar de pendura. Porquê? Porque – lá está – Daniel Oliveira era o pragmático calculista e Rui Tavares o ingénuo idealista. E o pragmático-esquemático-mediático iria invariavelmente triturar o ingénuo idealista. Ora, nessas discussões eu comentava com muita humildade que 1) ninguém sabia o que era um pólo, e que 2) o pólo estava condenado a perder o norte assim que levasse uma tampa do Bloco.


Hoje já todos sabemos o que aconteceu. O 3D ficou sem o Bloco para as eleições europeias, Ana Drago bateu com a porta e as divergências aprofundaram-se na insana procura da convergência. Enquanto isso, o Livre, pelo menos, vai ter o seu congresso fundador no próximo fim-de-semana e parece ter reunido as assinaturas necessárias para se formalizar como partido. Rui Tavares disse ao que vinha, fez o que prometeu, e mesmo sem apoios de peso está a fazer uma caminhada coerente. Já Daniel Oliveira, apenas 40 dias depois de ter lançado o seu manifesto dos 65 nomes sonantes, estava a escrever ontem no Expresso online: “Não dá para repetir tentativas falhadas de vencer esta cultura, que acabam em frustração e descrédito, motivo natural de chacota e piada.” Foi um bonito momento de autocrítica, no meio de um parágrafo onde está escrito “criação de um novo partido” em cada entrelinha. Oh, tanta energia e tanta inteligência desperdiçadas. Os tempos mudaram, senhores. Num mundo virado do avesso, sem um pouco de ingenuidade e idealismo não se vai a lugar algum.

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