Europa precisa de milhares de milhões de abelhas
9 de Janeiro, 2014
Muitos países na Europa estão a enfrentar uma preocupante
falta de abelhas para a polinização das culturas, um problema causado
principalmente por uma mudança de política da União Europeia favorável aos
biocombustíveis, alertaram cientistas em estudo hoje divulgado.
"A Europa, enquanto tal, só tem dois terços das abelhas
de que precisa, com um défice superior a 13,4 milhões de colónias, o que
corresponde a cerca de 07 mil milhões de abelhas", quantificaram.
Os cientistas, da Universidade de Reading, no sul do Reino
Unido, compararam o número de abelhas domésticas em 41 países europeus com a
necessidade de polinização entre 2005 e 2010.
Apuraram que em 22 países, as abelhas foram incapazes de
responder às necessidades, o que forçou os agricultores a recorrerem a vespas e
a outros insectos selvagens.
A situação era melhor na Turquia e na Grécia e nos Balcãs,
onde há uma forte tradição de apicultura e a oferta preencheu 90% da procura.
Mas era pior nas antigas repúblicas da União Soviética e no
Reino Unido, com menos de 25, e na Alemanha e França, com uma satisfação da
procura entre 25 e 50%.
Em resultado, os agricultores dependem cada vez mais de
polinizadores selvagens, em vez das abelhas domesticadas, cujos serviços alugam
durante o tempo da polinização.
Esta dependência crescente é preocupante, dadas as
flutuações nas populações de insectos selvagens e a sua vulnerabilidade à
agricultura intensiva e caracterizada pela monocultura, com menos plantas com
floração para oferecer alimentação ou protecção, alerta-se no estudo.
"Enfrentamos uma catástrofe no futuro, a não ser que
ajamos agora", afirmou o investigador que liderou a equipa, Simon Potts.
"Os polinizadores selvagens requerem uma grande
protecção. Eles são os heróis desconhecidos do campo, ao constituírem uma
ligação crítica na cadeia alimentar para os humanos e fazerem o trabalho de
graça", acrescentou.
Uma estimativa datada de 2009 estimou que o contributo da
polinização dos insectos para o valor global das colheitas é de 153 mil milhões
de euros.
A nova investigação, publicada na revista científica
norte-americana PLOS ONE, associa o défice de abelhas ao aumento em 38% na área
afectada a plantações de oleaginosas, como soja, girassol ou colza.
Este número compara com um aumento de 07% no stock de
abelhas domésticas, entre 2005 e 2010, de 22,5 milhões de colónias para 24,1
milhões.
A expansão da área das oleaginosas resultou de uma directiva
da União Europeia, de 2003, que determinou o aumento do consumo de
biocombustíveis na Europa para 5,75% dos combustíveis consumidos pelos
transportes em 2010.
A União Europeia estabeleceu um objectivo de 10% para 2020,
o que suscitou um debate sobre a limitação da quota das colheitas alimentares
para evitar um efeito negativo nos mercados alimentares mundiais e regionais.
O estudo nota ainda que as abelhas domésticas ocidentais
(Apis mellifera), usadas na Europa, têm sido vítimas nos últimos anos de
pestes, bem como da exposição a pesticidas.
Lusa/SOL
Honeybee shortage threatens crop pollination in Europe
Matt McGrath
By Matt McGrath / 9 January 2014
Environment correspondent, BBC News / http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-25656283
In more than half of European countries, there are not
enough honeybees to pollinate crops, according to new research.
Scientists believe that a boom in biofuels has sparked a
massive increase in the need for pollination.
The shortage is particularly acute in Britain which has only
a quarter of the honeybees required.
Researchers believe that wild pollinators including
bumblebees and hoverflies are making up the shortfall.
The study is published in the journal Plos One./ http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0082996
Food for fuel
The number of honeybees in the UK and elsewhere has been in
decline in recent years, with both pesticide use and disease being blamed for
losses.
Across Europe though, overall numbers of honeybee colonies
increased by 7% across 41 countries between 2005 and 2010.
But in the same period, the area of biofuel feed crops, like
oilseed rape, sunflowers and soybeans, increased by almost a third.
"There have been big increases in lots of countries
with oilseed rape," said lead author Dr Tom Breeze from the University of
Reading.
"In Greece in 2005, there were a few hundred hectares
grown, but since then it has exploded because they can get biofuel subsidies
for it."
The scientist say that the deficit across Europe now amounts
to 13.4 million colonies or around seven billion honeybees.
The research suggests that much of the work is now being
done by wild pollinators including bumblebees, solitary bees and hoverflies.
Britain is one of the countries with the biggest shortfall -
only Moldova, with an economy 300 times smaller than the UK, has a bigger
honeybee shortage.
Little is known about the number of wild pollinating species
as they are not being monitored in the UK. The researchers believe this
reliance on them could be hampering yields and putting UK crops at risk.
"We face a catastrophe in future years unless we act
now," said Prof Simon Potts, from the University of Reading, a co-author
on the paper.
"Wild pollinators need greater protection. They are the
unsung heroes of the countryside, providing a critical link in the food chain
for humans and doing work for free that would otherwise cost British farmers
£1.8b to replace."
While steps have been taken at the EU level to protect bees
by introducing a moratorium on neonicotinoid pesticides, the researchers say
other European legislation is exacerbating the pollinator shortage.
Under the EU renewable fuel directive, 10% of transport fuel
must come from renewable sources by 2020, though the final figure is still
being negotiated.
Whatever the ultimate target, the directive has seen large
increases in the planting of oil crops including soybeans, oil palm as well as
oilseed rape.
"There is a growing disconnection between agricultural
and environmental policies across Europe," said Prof Potts.
"Farmers are encouraged to grow oil crops, yet there is
not enough joined-up thinking about how to help the insects that will pollinate
them.
"We need a proper strategy across Europe to conserve
wild bees and pollinators through habitat protection, agricultural policy and
farming methods - or we risk big financial losses to the farming sector and a
potential food security crisis."
"SE AS ABELHAS DESAPARECEREM DA FACE DA TERRA, A HUMANIDADE
TERÁ APENAS MAIS QUATRO ANOS DE EXISTÊNCIA. SEM ABELHAS NÃO HÁ POLINIZAÇÃO, NÃO
HÁ REPRODUÇÃO DA FLORA, SEM FLORA NÃO HÁ ANIMAIS, SEM ANIMAIS NÃO HAVERÁ RAÇA
HUMANA"
Albert Einstein
São protagonistas de um documentário que se estreou ontem em Lisboa. O realizador suíço andou pelo mundo atrás das abelhas e mostra-nos como elas prestam um serviço insubstituível na natureza, que se traduz em valor económico
"A maneira como a colónia funciona causa-me um fascínio sem limite, a inteligência do enxame, o papel da rainha e da colónia, a cooperação não hierárquica...", confessa o realizador. Para aprender mais sobre a misteriosa vida social destas colónias que podem ter 50 mil indivíduos, o filme está disponível para sessões públicas e escolares em Portugal, bastando contactar a sua distribuidora, a Alambique.
O fascínio mantém-se enquanto voamos com as abelhas ou temos a rara oportunidade de ver um acasalamento, que acontece sempre em voo. Em nenhum momento se usa um robô em forma de abelha, como o produtor ainda sugeriu para reduzir os custos de um orçamento de dois milhões de euros. "[Assim] nunca poderíamos imaginar como voa uma abelha real", frisa o realizador. "Trabalhámos com muitos aromas para comunicar na linguagem das abelhas e conquistá-las. Mas o truque mais eficiente foi a paciência. Até tivemos um "encantador de abelhas" a viajar connosco", conta.
"Para filmar as abelhas, usámos câmaras de vídeo de alta velocidade e lentes endoscópicas, como as utilizadas nas cirurgias em humanos. Por vezes tivemos de usar mini-helicópteros." As abelhas movem-se três vezes mais depressa do que os humanos, por isso as imagens do filme estão, na realidade, em câmara lenta. Um segundo na vida real (das abelhas) corresponde a 12 segundos de filme. O esforço para filmar as abelhas nos segundos certos resultou em 205 horas de filmagens, durante dois anos.
Tendo como protagonistas as abelhas e uma série de pessoas intimamente ligadas a elas, embora de formas distintas e em vários locais do planeta, o documentário foi realizado ao longo de cinco anos e já recebeu em 2013 vários prémios de melhor documentário em países como a Suíça, a Áustria e os EUA.
A história familiar de Markus Imhoof teve influência na escolha do tema. As abelhas têm estado presentes na sua família, desde os tempos do negócio de conservas de fruta do avô na Suíça até às investigações científicas que a sua filha e genro estão a fazer na Austrália. "Mas foi quando as abelhas começaram a morrer por todo o mundo a ritmos alarmantes que, de repente, se tornou um assunto de máxima importância."
A história do documentário começa nos Alpes suíços, com um apicultor que "podia ser o avô da Heidi dos livros infantis", como caricatura Imhoof. Fred Jaggi está empenhado em manter uma produção tradicional com as abelhas pretas locais, que picam muito mas dão um óptimo mel. À medida que avançamos no filme, viajamos para trás e para a frente pelo mundo, da China para os Estados Unidos, da Suíça para a Austrália, de personagem em personagem. Um vaivém bem mais moderado do que o que acontece numa colónia de abelhas, que, para produzir um quilo de mel, terá de dar o equivalente a três voltas ao mundo.
O documentário leva-nos dos produtores tradicionais com poucas colmeias e poucos recursos, mas apaixonados pelas suas abelhas, até à produção industrial de mel e à importância que as abelhas têm na agricultura em larga escala. John Miller, um dos produtores, imagina o que lhe diria o seu avô se o visse agora: "Desumanizaste a apicultura! Perdeste a compaixão a lidar com a colmeia!" O produtor norte-americano admite: "Com os produtores de amêndoas, fizemos um pacto com o Diabo. Pagam-nos muito dinheiro."
Enquanto apicultor migrante, John Miller viaja milhares de quilómetros todos os anos para levar as suas abelhas a polinizar as amendoeiras na Califórnia em Fevereiro, as macieiras em Washington em Março, a Dakota vai no Verão, e só no Inverno as abelhas podem finalmente regressar a casa. Durante este período morrem milhares e muitas transportam doenças de um lado para o outro. "Antes das filmagens no amendoal, desejámos secretamente poder filmar um dos veículos com pesticidas. No final, o difícil foi não estar sempre a filmá-los", lamenta o realizador.
Num momento perturbador, vemos como uma empresa familiar, a Carnica-Singer, na Áustria, exporta abelhas para todo o mundo: as rainhas seguem em envelopes almofadados dos correios, as "pseudocolónias" vão em caixas de madeira. Outro momento impressionante passa-se na China, onde são as pessoas que têm de polinizar as plantas, evidenciando o desequilíbrio que o homem causa nos ecossistemas.
Em 1957, o então Presidente da China, Mao Tsetung, considerando que os pardais comiam demasiadas sementes nos campos de cultivo, mandou eliminá-los. O resultado foi uma praga de insectos difícil de controlar. Recorreu-se então aos químicos, que por sua vez levaram à morte das abelhas. Já se imaginou a ter de desempenhar o papel delas?
Actualmente, para obterem frutos nas suas macieiras, há agricultores, como Zhang Zao, que têm de percorrer mais de 4000 quilómetros, para irem do Norte ao Sul do país comprar pólen das flores que desabrocham mais cedo, e voltar a casa para polinizar as árvores de fruto. Zhang Zao, que no início colaborou com a equipa de filmagens, depois achou que estava a trair o seu país e ameaçou denunciá-los às autoridades. "Foi muito perigoso para todos nós. Tínhamos entrado na China com um visto de turistas", diz Imhoof.
Mas a história das abelhas domésticas está repleta de exemplos da influência humana e desequilíbrios: a introdução das abelhas na América e na Austrália pelos colonos europeus; a fuga de um laboratório no Brasil de abelhas africanizadas (cruzamento de abelhas europeias com africanas, conhecidas como "abelhas assassinas" por terem matado várias pessoas nos EUA); o cruzamento de diferentes tipos de abelhas que leva à perda de diversidade genética; ou a sua domesticação para ficarem menos agressivas e que as tornou mais susceptíveis às ameaças externas. "O que fazemos é realmente crueldade com os animais", admite John Miller.
Em declínio mundial
É inegável que a importância das abelhas na nossa vida vai muito além da produção do mel, que roubamos às abelhas enquanto as enganamos com água açucarada. "Um terço do que comemos não existiria sem elas", afirmava o avô do realizador, referindo-se à produção agrícola dependente da polinização por abelhas. Também muitas plantas selvagens dependem delas: a polinização é vital para a manutenção da biodiversidade, porque origina plantas diferentes das progenitoras. E quanto maior a biodiversidade, melhor a qualidade de vida das populações humanas. Portanto, o declínio mundial das abelhas, domésticas ou selvagens, terá impactos graves nos ecossistemas e na economia. Apontam-se já alguns culpados.
Um parasita externo, o ácaro Varroa destructor, é o que tem causado mais danos nas colmeias domésticas de todo o mundo. Ataca tanto larvas como adultos, sugando-lhes a hemolinfa, o "sangue" dos insectos, e abrindo caminho a infecções por vírus que, de outra forma, seriam menos graves. Um dos netos de Imhoof encontrou uma solução criativa para combater o ácaro: "Nas bandas desenhadas que faz, as abelhas têm armaduras de cavaleiros e os seus ferrões protegem as colmeias."
Também há duas espécies de fungos que infectam as abelhas, quando ingerem os seus esporos presentes nos pólenes. Elas morrem da infecção sem sinais exteriores evidentes. Há ainda duas bactérias que causam doenças, mas só atacam as larvas e são transmitidas quando as obreiras as alimentam. Uma destas bactérias obrigou Fred Jaggi a incinerar as suas colónias, levando às lágrimas um homem habituado às ferroadas das abelhas e à dureza do clima alpino.
Outros factores de ameaça são as alterações climáticas, o uso de químicos nas culturas (a União Europeia está a proibir o uso de alguns pesticidas para proteger as abelhas) e até o incesto entre elas. A cópula da rainha com os zangões da sua colónia, que são assim seus filhos, reduz a diversidade genética e leva ao desaparecimento da colónia.
A introdução de espécies exóticas junta-se às ameaças, como está a ocorrer em Portugal com a vespa asiática, detectada em 2011. Caça as abelhas à chegada à colmeia, para as comer, e impede-as de sair da colmeia, matando-as de fome.
As abelhas já deram um prémio Nobel. O austríaco Karl von Frisch ganhou o da Fisiologia ou Medicina em 1973, por ter decifrado a linguagem dançada das abelhas: usam a dança para indicar a direcção e a distância de um campo de flores ou de um novo local para a colónia. Quase 40 anos depois deste Nobel, muito há ainda para descobrir sobre estes insectos essenciais à saúde do planeta, a começar pela forma como as podemos proteger.
Albert Einstein
Abelhas. Já se imaginou a levar pólen de flor em flor?
São protagonistas de um documentário que se estreou ontem em Lisboa. O realizador suíço andou pelo mundo atrás das abelhas e mostra-nos como elas prestam um serviço insubstituível na natureza, que se traduz em valor económico
Sentimo-nos intrusos a observar os pormenores
secretos da sua vida, inebriados pelas suas danças, invejosos das suas viagens,
zonzos com o zumbido. Durante 90 minutos, o realizador suíço Markus Imhoof e o
seu filme Abelhas e Homens levam-nos à descoberta da vida das abelhas, das suas
venturas e desventuras, e daqueles que convivem com elas. "Estou sempre à
procura de maneiras de ilustrar o que está escondido", diz, no site oficial do
filme, o realizador, que já fez documentários sobre cavalos no exército ou a
vida na prisão.
Somos inundados de sensações durante o documentário, que ontem teve estreia
exclusiva no Cinema City Alvalade, em Lisboa, mas parecemos pouco sensitivos ao
descobrir que as abelhas têm 60 mil receptores de cheiro em cada antena e
numerosos pêlos gustativos nas patas. "[O documentário] quer criar uma
experiência visual e sensorial, enquanto revela um quadro mais amplo sobre as
pequenas abelhas", elucida Imhoof."A maneira como a colónia funciona causa-me um fascínio sem limite, a inteligência do enxame, o papel da rainha e da colónia, a cooperação não hierárquica...", confessa o realizador. Para aprender mais sobre a misteriosa vida social destas colónias que podem ter 50 mil indivíduos, o filme está disponível para sessões públicas e escolares em Portugal, bastando contactar a sua distribuidora, a Alambique.
O fascínio mantém-se enquanto voamos com as abelhas ou temos a rara oportunidade de ver um acasalamento, que acontece sempre em voo. Em nenhum momento se usa um robô em forma de abelha, como o produtor ainda sugeriu para reduzir os custos de um orçamento de dois milhões de euros. "[Assim] nunca poderíamos imaginar como voa uma abelha real", frisa o realizador. "Trabalhámos com muitos aromas para comunicar na linguagem das abelhas e conquistá-las. Mas o truque mais eficiente foi a paciência. Até tivemos um "encantador de abelhas" a viajar connosco", conta.
"Para filmar as abelhas, usámos câmaras de vídeo de alta velocidade e lentes endoscópicas, como as utilizadas nas cirurgias em humanos. Por vezes tivemos de usar mini-helicópteros." As abelhas movem-se três vezes mais depressa do que os humanos, por isso as imagens do filme estão, na realidade, em câmara lenta. Um segundo na vida real (das abelhas) corresponde a 12 segundos de filme. O esforço para filmar as abelhas nos segundos certos resultou em 205 horas de filmagens, durante dois anos.
Tendo como protagonistas as abelhas e uma série de pessoas intimamente ligadas a elas, embora de formas distintas e em vários locais do planeta, o documentário foi realizado ao longo de cinco anos e já recebeu em 2013 vários prémios de melhor documentário em países como a Suíça, a Áustria e os EUA.
A história familiar de Markus Imhoof teve influência na escolha do tema. As abelhas têm estado presentes na sua família, desde os tempos do negócio de conservas de fruta do avô na Suíça até às investigações científicas que a sua filha e genro estão a fazer na Austrália. "Mas foi quando as abelhas começaram a morrer por todo o mundo a ritmos alarmantes que, de repente, se tornou um assunto de máxima importância."
A história do documentário começa nos Alpes suíços, com um apicultor que "podia ser o avô da Heidi dos livros infantis", como caricatura Imhoof. Fred Jaggi está empenhado em manter uma produção tradicional com as abelhas pretas locais, que picam muito mas dão um óptimo mel. À medida que avançamos no filme, viajamos para trás e para a frente pelo mundo, da China para os Estados Unidos, da Suíça para a Austrália, de personagem em personagem. Um vaivém bem mais moderado do que o que acontece numa colónia de abelhas, que, para produzir um quilo de mel, terá de dar o equivalente a três voltas ao mundo.
O documentário leva-nos dos produtores tradicionais com poucas colmeias e poucos recursos, mas apaixonados pelas suas abelhas, até à produção industrial de mel e à importância que as abelhas têm na agricultura em larga escala. John Miller, um dos produtores, imagina o que lhe diria o seu avô se o visse agora: "Desumanizaste a apicultura! Perdeste a compaixão a lidar com a colmeia!" O produtor norte-americano admite: "Com os produtores de amêndoas, fizemos um pacto com o Diabo. Pagam-nos muito dinheiro."
Enquanto apicultor migrante, John Miller viaja milhares de quilómetros todos os anos para levar as suas abelhas a polinizar as amendoeiras na Califórnia em Fevereiro, as macieiras em Washington em Março, a Dakota vai no Verão, e só no Inverno as abelhas podem finalmente regressar a casa. Durante este período morrem milhares e muitas transportam doenças de um lado para o outro. "Antes das filmagens no amendoal, desejámos secretamente poder filmar um dos veículos com pesticidas. No final, o difícil foi não estar sempre a filmá-los", lamenta o realizador.
Num momento perturbador, vemos como uma empresa familiar, a Carnica-Singer, na Áustria, exporta abelhas para todo o mundo: as rainhas seguem em envelopes almofadados dos correios, as "pseudocolónias" vão em caixas de madeira. Outro momento impressionante passa-se na China, onde são as pessoas que têm de polinizar as plantas, evidenciando o desequilíbrio que o homem causa nos ecossistemas.
Em 1957, o então Presidente da China, Mao Tsetung, considerando que os pardais comiam demasiadas sementes nos campos de cultivo, mandou eliminá-los. O resultado foi uma praga de insectos difícil de controlar. Recorreu-se então aos químicos, que por sua vez levaram à morte das abelhas. Já se imaginou a ter de desempenhar o papel delas?
Actualmente, para obterem frutos nas suas macieiras, há agricultores, como Zhang Zao, que têm de percorrer mais de 4000 quilómetros, para irem do Norte ao Sul do país comprar pólen das flores que desabrocham mais cedo, e voltar a casa para polinizar as árvores de fruto. Zhang Zao, que no início colaborou com a equipa de filmagens, depois achou que estava a trair o seu país e ameaçou denunciá-los às autoridades. "Foi muito perigoso para todos nós. Tínhamos entrado na China com um visto de turistas", diz Imhoof.
Mas a história das abelhas domésticas está repleta de exemplos da influência humana e desequilíbrios: a introdução das abelhas na América e na Austrália pelos colonos europeus; a fuga de um laboratório no Brasil de abelhas africanizadas (cruzamento de abelhas europeias com africanas, conhecidas como "abelhas assassinas" por terem matado várias pessoas nos EUA); o cruzamento de diferentes tipos de abelhas que leva à perda de diversidade genética; ou a sua domesticação para ficarem menos agressivas e que as tornou mais susceptíveis às ameaças externas. "O que fazemos é realmente crueldade com os animais", admite John Miller.
Em declínio mundial
É inegável que a importância das abelhas na nossa vida vai muito além da produção do mel, que roubamos às abelhas enquanto as enganamos com água açucarada. "Um terço do que comemos não existiria sem elas", afirmava o avô do realizador, referindo-se à produção agrícola dependente da polinização por abelhas. Também muitas plantas selvagens dependem delas: a polinização é vital para a manutenção da biodiversidade, porque origina plantas diferentes das progenitoras. E quanto maior a biodiversidade, melhor a qualidade de vida das populações humanas. Portanto, o declínio mundial das abelhas, domésticas ou selvagens, terá impactos graves nos ecossistemas e na economia. Apontam-se já alguns culpados.
Um parasita externo, o ácaro Varroa destructor, é o que tem causado mais danos nas colmeias domésticas de todo o mundo. Ataca tanto larvas como adultos, sugando-lhes a hemolinfa, o "sangue" dos insectos, e abrindo caminho a infecções por vírus que, de outra forma, seriam menos graves. Um dos netos de Imhoof encontrou uma solução criativa para combater o ácaro: "Nas bandas desenhadas que faz, as abelhas têm armaduras de cavaleiros e os seus ferrões protegem as colmeias."
Também há duas espécies de fungos que infectam as abelhas, quando ingerem os seus esporos presentes nos pólenes. Elas morrem da infecção sem sinais exteriores evidentes. Há ainda duas bactérias que causam doenças, mas só atacam as larvas e são transmitidas quando as obreiras as alimentam. Uma destas bactérias obrigou Fred Jaggi a incinerar as suas colónias, levando às lágrimas um homem habituado às ferroadas das abelhas e à dureza do clima alpino.
Outros factores de ameaça são as alterações climáticas, o uso de químicos nas culturas (a União Europeia está a proibir o uso de alguns pesticidas para proteger as abelhas) e até o incesto entre elas. A cópula da rainha com os zangões da sua colónia, que são assim seus filhos, reduz a diversidade genética e leva ao desaparecimento da colónia.
A introdução de espécies exóticas junta-se às ameaças, como está a ocorrer em Portugal com a vespa asiática, detectada em 2011. Caça as abelhas à chegada à colmeia, para as comer, e impede-as de sair da colmeia, matando-as de fome.
As abelhas já deram um prémio Nobel. O austríaco Karl von Frisch ganhou o da Fisiologia ou Medicina em 1973, por ter decifrado a linguagem dançada das abelhas: usam a dança para indicar a direcção e a distância de um campo de flores ou de um novo local para a colónia. Quase 40 anos depois deste Nobel, muito há ainda para descobrir sobre estes insectos essenciais à saúde do planeta, a começar pela forma como as podemos proteger.
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