CHINATOWN /EDITORIAL/ Público
A China está a viver o tempo das dores de crescimento. A
expansão económica abrandou e tornou mais difícil ao Partido Comunista
legitimar um poder assente na mistura entre dois modelos de sociedade
antitéticos, o capitalismo e o comunismo. Para o exterior acentuam-se a
afirmação nacionalista e as exibições de músculo militar. No interior, o
problema é mais difícil. A corrupção dos dirigentes tornou-se o principal
problema político do partido. Associado à corrupção está o espectáculo da
ostentação e do luxo, a convivência entre Marx e Chanel. Os rigores ideológicos
já não são deste século, mas as aparências sim. E a nova liderança de Pequim
assumiu como uma prioridade o combate aos excessos. Com uma particularidade: os
prevaricadores são exibidos nos media onde o Presidente, Xi Jinping, é sempre
apresentado como o campeão da moralização. Mas está muito para além dos seus poderes
resolver a contradição em que está fundado o regime, na qual se confundem o
maoísmo e Chinatown.
Em 2013 (o primeiro ano de Xi) foram “apanhados” mais de 182
mil funcionários corruptos
A guerra do Presidente Xi Jinping contra o luxo e os
bolos de lua
Os funcionários comunistas,
do mais baixo ao de topo, deslumbraram-se com o acesso fácil ao dinheiro. Agora
acabaram-se os relógios de dez mil euros e os petiscos revestidos a ouro
Ana Gomes Ferreira / 20 jan 2014 / in Público
Na quinta-feira, o Governo de Pequim decretou que se os
clubes de luxo de Pequim não mudarem de imagem e de atitude, serão encerrados.
Um desses clubes, o Yishiliu, funciona num lugar proibido, o pavilhão
Yushantang, construído durante a dinastia Qing (1644-1911). De entrada
reservada aos muito poderosos com os bolsos bem cheios, tem pratos que custam o
equivalente a 1300 euros, segundo noticiou a agência oficial chinesa, a Xinhua.
O problema para o Presidente Xi Jinping — o homem que exigiu
que o luxo tenha “um nível aceitável —, é que a maior parte dos poderosos e
ricos que esbanjam fortunas a comer, a beber e a olhar para mulheres bonitas
nas noites de Pequim são, em primeiro lugar, os seus colegas, os homens mais
bem posicionados no aparelho do Partido Comunista.
De acordo com outra fonte oficial, o Diário do Povo, o
Governo exige agora aos funcionários que se comprometam, por escrito, a não
frequentarem os clubes e haverá sanções severas para quem for apanhado dentro
de um. Noutra frente desta guerra contra a ostentação e o despesismo, diz o
South China Morning Post, as autoridades estão a verificar todos as licenças de
funcionamento e os clubes instalados em sítios impensáveis – como o Yishiliu de
Pequim que funciona numa relíquia histórica –, serão encerrados.
“As regras não podem ser olhadas como coisas que só existem
no papel”, disse o Presidente que, depois de ter iniciado, mal tomou posse, uma
guerra contra a corrupção — da mais pequena à grande corrupção de Estado,
“iremos às moscas e aos tigres”, disse —, avança agora contra o deslumbramento
dos que ganham salários que saem do erário público.
Toda esta campanha, explicam os analistas, tem um só
objectivo: evitar o declínio do partido, o pilar que sustenta toda a estrutura
político-económica chinesa, e que corre o risco de se desacreditar perante os
cidadãos. “Se os governantes chineses mostrarem que acreditam na doutrina,
terão mais legitimidade e serão seguidos [pelo povo] e obedecidos”, explica
David Kelly, da China Policy, uma empresa de consultadoria e análise de Pequim.
“Se não acreditam, acontece o mesmo que aconteceria na Igreja Católica se os
padres não acreditassem nos evangelhos”.
Moscas e tigres
Xi Jinping terá outros motivos para aplicar esta campanha de
moralização que regulamenta o comportamento e os gastos dos funcionários do
partido — no meio das moscas que ia apanhando, também atirava aos tigres. Um
dos principais opositores políticos de Xi foi condenado a prisão perpétua, Bo
Xilai, acusado de ter recebido 25 milhões de euros em subornos sob várias
formas.
Por corrupção e abuso de poder (para benefício próprio) está
detido outro homem temido por Xi e pela facção agora no poder em Pequim.
Trata-se de Zhou Yongkang, o primeiro ex-membro do Comité Permanente do Partido
Comunista a ser investigado. Completa a tríade de “tigres” já em apuros Jiang
Jiemin, que tutelava as mais de cem empresas estatais de petróleo, e que foi
preso por suspeita de corrupção e desvio de verbas públicas.
A maior parte dos detidos são, porém, governantes e
funcionários intermédios – por isso, a Foreign Policy chamava a Xi “O senhor
das moscas” num artigo recente. O antigo chefe da polícia da cidade de Wenzhou,
Wang Tianyi, por exemplo, é uma “mosca” e foi preso porque aceitava subornos
sob a forma de presentes e escolhia apenas obras de arte: tinha na sua posse
195 quadros de pintores famosos, 23 peças de porcelana antiga, 495 moedas
valiosas e quatro objectos de arte ocidentais não especificados.
A directiva governamental sobre presentes data do final do
ano passado e proíbe-os – o decreto dos Oito Pontos, de Dezembro de 2012, que
era mais abrangente já dizia que todos os funcionários deviam eliminar as “más
práticas” como o hedonismo e a extravagância. Os produtos escolhidos pelos
funcionários do partido para oferecerem a outros funcionários do partido, a
visitantes ou a pessoas consideradas importantes também tinham ultrapassado o
“nível aceitável”.
AFP 19/01/2014 – in Público
Numa carta publicada num jornal de Hong-Kong, e em resposta
a uma investigação de 2012 do New York Times, Wen Jiabao desmente "abuso
de poder para ganho pessoal".
O antigo primeiro-ministro chinês Wen Jiabao negou, na
imprensa de Hong-Kong, que a sua família tenha acumulado centenas de milhões de
dólares durante a década em que esteve no poder (2003-2013), como escreveu o
New York Times em 2012.
“Nunca estive envolvido e nunca me envolverei numa qualquer
operação de abuso de poder para ganho pessoal porque ganhos, de que importância
forem, não corresponderiam às minhas convicções”, declarou o antigo
primeiro-ministro numa carta enviada a Ng Hong-mun, editorialista do diário de
Hong-Kong Ming Pao.
“Quero percorrer a derradeira parte da minha viagem na Terra
com dignidade. Cheguei a este mundo com as mãos vazias e quero deixar este
mundo com as mãos limpas”, acrescentou o ex-governante na carta datada de 27 de
Dezembro, de acordo com o editorial publicado neste sábado.
Em Outubro de 2012, o New York Times publicou uma extensa
investigação, que calculava em 2,2 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de
euros) a fortuna da sua família em 2007. O jornal não identificara no entanto
desvios de fundos ou enriquecimento ilícito pelo próprio Wen Jiabao.
Interesses em bancos, joalharias, etc
A sua família tem interesses em bancos, joalharias,
investimentos turísticos, companhias de telecomunicações e projectos de
infra-estruturas, recorrendo por vezes a entidades off-shore, segundo o New
York Times que manteve estas informações apesar dos desmentidos que se seguiram
à publicação da investigação.
Ng Hong-mun é um político de Hong-Kong, conhecido pelos seus
comentários sobre as relações entre Pequim e o território semi-autónomo
devolvido à China em Julho de 1997, e visto como próximo de Wen Jiabao.
A carta do antigo primeiro-ministro que lhe foi enviada é
divulgada agora que o novo Presidente chinês Xi Jinping promete lutar contra a
corrupção, e incluir nessa luta responsáveis em altos cargos. De acordo com
analistas, Wen Jiabao não deverá ter de prestar contas à justiça mas estará
provavelmente sob pressão para limpar o seu nome depois das alegações do New
York Times.
Willy Lam, um especialista em política chinesa na
Universidade de Hong-Kong, considera ser “altamente improvável” que Wen seja
acusado: “o motivo principal por detrás dos últimos casos que envolveram altos
responsáveis prendia-se com uma luta interna no partido” e Wen Jiabao está
actualmente reformado, diz.
Com a investigação sobre a fortuna dos dirigentes chineses,
o New York Times ganhou um prémio Pulitzer. O site do jornal na Internet foi
pirateado e bloqueado depois da divulgação dos artigos. Ao fim de dez anos no
cargo de primeiro-ministro, Wen foi substituído por Li Keqiang em Março de
2013, de acordo com a mudança de liderança habitual na China todos os dez anos.
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