Aprovada proposta de referendo sobre co-adopção por
casais homossexuais
SOFIA RODRIGUES e MARIA LOPES 17/01/2014 – in Público
Chuva de declarações de voto
no PSD e protestos nas galerias da AR. Teresa Leal Coelho demitiu-se da
direcção da bancada do PSD. Miguel Frasquilho diz que votará “sim” no referendo.
A proposta de referendo do PSD sobre a co-adopção e a
adopção por casais do mesmo sexo foi aprovada por poucos votos a favor do PSD,
a abstenção do CDS e os votos contra do PS, PCP, BE e Verdes. E abstenção dos
deputados do PS João Portugal e António Braga.
Dos 230 deputados estiveram presentes no hemiciclo no
momento na votação 221. O diploma foi aprovado com 103 votos favoráveis da
bancada do PSD (que no total tem 108 deputados) que tinha disciplina de voto
depois de a maioria assim ter decidido na reunião geral da bancada. Registaram-se
26 abstenções (24 deputados do CDS-PP, cuja bancada tinha indicação do sentido
de voto, e dois do PS, que deu liberdade de voto aos seus parlamentares), e 92
votos contra das bancadas da esquerda (68 do PS, 14 do PCP, oito do Bloco e
dois dos Verdes).
Logo a seguir a Guilherme Silva, presidente da Assembleia da
República em exercício pela ausência de Assunção Esteves, ter anunciado que o
projecto estava aprovado com o voto a favor do PSD, ouviram-se gritos de
“vergonha!” nas galerias e até deputados bateram com a mão na mesa, fazendo
barulho. “Façam favor de se abster de quaisquer manifestações”, ordenou
Guilherme Silva e pediu aos agentes para retirarem “as pessoas que não estão a
observar o dever de silêncio e respeito pela Assembleia”.
Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e crítica da
proposta da bancada (subscrita por oito deputados da JSD), não estava na sala
no momento da votação, depois de já ter estado no debate quinzenal. Mais tarde,
soube-se que apresentara a sua demissão da direcção da bancada.
Já Miguel Frasquilho, também crítico da proposta de
referendo, escreveu no Facebook logo após a votação que estará do lado do
“sim”. “Muito do que hoje se passou podia — e devia — ter sido evitado. Se
houver referendo, naturalmente estarei do lado do SIM”, escreveu o
vice-presidente da bancada social-democrata.
Foram várias as declarações de voto anunciadas, sobretudo no
PSD e no CDS e algumas foram anunciadas com críticas. Teresa Caeiro, do CDS,
disse mesmo que a sua intenção era votar contra o diploma, mas não o fez para
que não fosse considerada “deslealdade parlamentar”. E justificou: “Conformei o
meu voto a algo em que não acredito e considero uma iniciativa lamentável.”
Deputados do PS bateram palmas neste momento e voltaram a
fazê-lo para alguns dos anúncios seguintes de declarações de voto. Francisca
Almeida – que considerou esta votação uma “grave precedente” - e Carina
Oliveira, ambas do PSD, também anunciaram ao plenário que queriam votar contra
e que vão apresentar declaração de voto.
Luís Menezes, Mota Amaral, Carlos Baptista Leite e António
Proa também anunciaram a entrega de uma declaração de voto. E Mónica Ferro foi
a porta-voz, para o mesmo efeito, de um grupo de deputados sociais-democratas
onde se incluem Miguel Frasquilho, Cristóvão Norte, Paula Cardoso, Ângela
Guerra, Ana Oliveira, Conceição Caldeira e Sérgio Azevedo.
Os socialistas que se abstiveram, António Braga e João
Portugal, vão entregar uma declaração de voto conjunta.
A proposta dos deputados da JSD para o referendo à
co-adopção inclui já as duas perguntas a fazer aos eleitores: "1. Concorda
que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adoptar o filho do seu
cônjuge ou unido de facto? 2. Concorda com a adopção por casais, casados ou
unidos de facto, do mesmo sexo?".
Teresa Leal Coelho assumiu
que saiu derrotada
A vice-presidente da bancada do PSD Teresa Leal Coelho
demitiu-se do cargo, depois de se ter ausentado da votação da proposta de
referendo sobre co-adopção e adopção por casais homossexuais.
A demissão foi anunciada por Luís Montenegro, líder da
bancada social-democrata, após as votações e confrontado com a ausência da
dirigente do plenário quando o projecto de resolução foi votado.
Teresa Leal Coelho, que é também vice-presidente do partido,
mostrou-se totalmente contra a proposta de referendo subscrita por deputados da
JSD e disse-o na reunião interna do grupo na quarta-feira à noite.Mas os
deputados do PSD decidiram, por larga maioria, a favor da disciplina de voto e
do referendo. Só 12 deputados votaram contra. Teresa Leal Coelho foi uma dessas
parlamentares.
Em declarações ao PÚBLICO, a dirigente do PSD expressou a
sua discordância sobre esta proposta.
“Esta realização individual não provoca nenhum dano, todas as crianças
devem ser salvaguardadas pelo legislador”, sustentou. As restrições a que
“estas crianças estão sujeitas devem ser eliminadas pelos actores políticos”,
acrescentou.
Teresa Leal Coelho, que é próxima de Passos Coelho, assumiu
que esta não é uma posição maioritária no PSD e que saiu derrotada nesta
questão. A proximidade da campanha interna para a liderança de Pedro Passos
Coelho no PSD levou a dirigente a ter alguma contenção na sua discordância.
OPINIÃO
Carta aberta ao presidente da JSD e seus compagnons de
route
CARLOS REIS DOS SANTOS 18/01/2014 – in Público
Hesitei em decidir a quem me dirigir: não sei quem hoje é o
mandante da JSD, nem a quem prestam vassalagem. Assim, terei de me dirigir ao
presidente formal da JSD – e a quem deu publicamente a cara por uma das maiores
indignidades que se registaram na história parlamentar da República.
Para vocês, que certamente não me conhecem, permitam-me que
me apresente: sou militante do PSD, com o n.º 10757. Na JSD onde me filiei aos
16 anos, fui quase tudo: vice-presidente, director do gabinete de estudos,
encabecei o conselho nacional, fui quem exerceu funções por mais tempo como
presidente da distrital de Lisboa, fui dirigente académico na Faculdade de
Direito de Lisboa, eleito com a bandeira da JSD, fui membro da comissão
política nacional presidida por Pedro Passos Coelho, de quem, de resto, fui um
leal colaborador. Quando saí da JSD, elegeram-me em congresso como vosso
militante honorário.
Por isso julgo dever dirigir-me a vocês, para vos dizer que
a vossa actuação me cobre de vergonha. E que deslustra tudo o que eu, e tantos
outros, fizemos no passado, para a emancipação cívica, económica, cultural e
política, da juventude e da sociedade.
Com a vossa proposta de um referendo sobre a co-adopção e a
adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo, vocês desceram a um
nível inimaginável, ao sujeitarem a plebiscito o exercício de direitos humanos.
A democracia não deve referendar direitos humanos de minorias, porque esta não
se pode confundir com o absolutismo das maiorias. Porque a linha que separa a
democracia do totalitarismo é ténue – é por isso que a democracia não dispensa
a mediação dos seus representantes – e é por isso que historicamente as leis
que garantem direitos, liberdade e garantias andam à frente da sociedade. Foi
assim com a abolição da escravatura, com o direito de voto das mulheres, com a
instituição do casamento civil, com a autorização dos casamentos inter-raciais,
com o instituto jurídico do divórcio, com o alargamento de celebração de
contratos de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes direitos talvez ainda
hoje não existissem se sobre eles tivessem sido feitos plebiscitos.
Abstenho-me de fundamentar aqui a ilegalidade do
procedimento que se propõem levar avante: a violação da lei orgânica do
referendo é grosseira e evidente – misturaram numa mesma proposta de referendo
duas matérias diferentes e nem sequer conexas. Porque adopção e co-adopção são
matérias que vocês pretendem imoralmente enfiar no mesmo saco.
Em matéria de co-adopção vocês ignoram ostensivamente o
superior interesse das crianças já criadas em famílias já existentes e a quem
hoje falta a devida segurança jurídica e protecção legal. Ao invés, vocês
querem que os seus direitos sejam referendáveis. Confesso que me sinto
embaraçado e transido de vergonha pela vossa atitude: dispostos a atropelarem o
direito de umas poucas crianças e dos seus pais e mães, desprotegidos, e em
minoria, em nome de uma manobra política. E isto é uma vergonha.
Mas é também com estupefacção que vejo a actual JSD
tornar-se numa coisa que nunca foi – uma organização conservadora, reaccionária
e atávica. Vocês empurram, com enorme desgosto meu, a JSD para uma fronteira
ideológica em contradição com a nossa História e ao arrepio do nosso património
de ideias e valores: o humanismo em matéria de liberdades individuais sempre
foi nossa trave mestra. O que vocês propõem é uma inversão de rumo:
conservadores na vida familiar mas liberais na economia. Eu e alguns preferimos
o contrário. Porque o PSD, em que nos revimos, sempre foi o partido mais
liberal em matéria de costumes e em matérias de consciência.
Registo, indignado, o vosso silêncio cúmplice perante
questões sacrificiais para a juventude portuguesa. Não vos vejo lutar contra o
corporativismo crescente das ordens profissionais e a sua denegação do direito
dos jovens a aceder às profissões que escolheram. Não vos vejo falar sobre a
emigração maciça que nos assola. Não vos vejo preocupados com muitas outras
questões.
Mas vejo-vos a querer que eu decida o destino dos filhos dos
outros.
Na JSD em que eu militei sempre fomos generosos: queríamos
mais direitos para todos. Propusemos, entre tantas coisas, a legalização do
nudismo em Portugal, o fim do SMO, a despenalização do consumo das drogas
leves, a emancipação dos jovens menores e o seu direito ao associativismo.
Nunca nos passaria pela cabeça querer limitar direitos.
Hoje vocês não se distinguem do CDS e alguns de vocês nem
sequer se distinguem da Mocidade Portuguesa, ou melhor, distinguem-se, mas para
pior.
A juventude já vos não liga nenhuma. E eu também deixei de
vos ligar.
Jurista, militante do PSD n.º 10757 e militante honorário da
JSD
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