Irmãos Koch, os banqueiros da direita radical nos EUA
ALEXANDRE MARTINS 12/01/2014 – in Público
Dão milhões para investigação sobre o cancro e apoiam
organizações que salientam os “benefícios” da poluição. Os magnatas do petróleo
têm um único encontro marcado na sua agenda: com o fim da intervenção do
Governo na sociedade americana.
Longe dos holofotes que iluminam o palco dos
multimilionários mais conhecidos do planeta, os nomes de dois irmãos
norte-americanos começam aos poucos a trocar os seus estimados papéis
secundários por um protagonismo que se esforçaram por esconder nas últimas
décadas. Charles e David Koch, magnatas do petróleo, donos da segunda maior
empresa dos Estados Unidos e fabricantes de muitos dos produtos que entram
todos os dias nas casas dos norte-americanos, são hoje os principais financiadores
privados da agenda mais radical do Partido Republicano e ajudam a formar
opiniões e mentalidades através da criação de think tanks e de generosas
contribuições a universidades, principalmente a faculdades de Economia.
O poder dos irmãos Koch nunca foi segredo para ninguém que
acompanhe a política americana – a extensão da sua influência já lhes valeu
mesmo a alcunha de “Kochtopus”. Mas os pormenores do esquema que transfere
dinheiro dos bolsos de Charles e David para organizações que lutam contra tudo
o que mantenha ou reforce a intervenção do Governo na sociedade americana só
foram vislumbrados na semana passada, numa investigação do jornal The
Washington Post e do Center for Responsive Politics – uma organização
independente que investiga a ligação entre o financiamento partidário e os seus
efeitos nas eleições e nas leis aprovadas no Congresso.
Através de uma rede desenhada propositadamente para esconder
a identidade dos seus doadores, e que gira à volta da organização sem fins
lucrativos Freedom Partners, os irmãos Koch lideraram uma operação que juntou
407 milhões de dólares (quase 300 milhões de euros) durante a campanha para as
eleições presidenciais de 2012. É a maior soma recolhida por um grupo da
direita norte-americana e iguala a totalidade dos fundos angariados pela
coligação nacional de sindicatos, cuja maior fatia se destina a apoiar a agenda
do Partido Democrata.
A diferença, explicou ao The Washington Post Lloyd Hitoshi
Mayer, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Notre Dame, é a
falta de transparência da rede, assente em organizações sem fins lucrativos
isentas do pagamento de alguns impostos e empresas de responsabilidade
limitada. “É feita para ser opaca quanto à origem e ao destino do dinheiro. A
sua existência só faz sentido se se gastar a quantidade de dinheiro que os
irmãos Koch estão a gastar, porque não é nada barato”, afirma Lloyd Hitoshi
Mayer.
Os 17 grupos conservadores que alimentam a rede,
identificados a partir das declarações de impostos, não apoiaram
financeiramente o candidato republicano Mitt Romney, mas organizaram campanhas
públicas contra a reforma do sistema de saúde, também conhecido como Obamacare;
contra o reforço da legislação que pune crimes ambientais; ou contra o aumento
da despesa pública.
Entre as organizações sem fins lucrativos apoiadas pelos
irmãos Koch estão a National Rifle Association e a Americans for Prosperity, um
grupo “comprometido com a educação dos cidadãos sobre política económica e com
a mobilização desses cidadãos para o processo político”, como se pode ler no
seu site, e que atribuiu o prémio de Blogger do Ano a Sibyl West, que acusou o
Presidente Barack Obama de demonstrar sinais de “possessão demoníaca”.
O financiamento de candidaturas, de causas defendidas por
candidatos políticos e de associações sem fins lucrativos que promovem uma
determinada visão da sociedade é tudo menos uma novidade nos Estados Unidos –
mais à esquerda, são conhecidos os apoios do magnata George Soros, cujo filho,
Jonathan Soros, é um dos financiadores do Center for Responsive Politics, que
colaborou com o The Washington Post na investigação sobre os irmãos Koch. O que
distingue a rede liderada por Charles e David é o facto de promover
contribuições anónimas, o que permite a muitas empresas e personalidades
apoiarem a defesa dos seus ideais sem que os cidadãos possam estabelecer
quaisquer ligações entre uma coisa e outra.
Apontados muitas vezes como os principais impulsionadores do
movimento Tea Party, Charles e David sempre negaram qualquer envolvimento
directo, mas nunca esconderam a sua admiração por esta ala radical do Partido
Republicano. “Apesar de ter alguns extremistas, a base é constituída por
pessoas comuns, como você e eu. Admiro-os. É provavelmente o melhor
levantamento espontâneo desde 1776 [ano da independência dos EUA]”, disse David
Koch em 2011, em resposta a uma pergunta de um activista do blogue liberal
ThinkProgress.
Apesar do empenho na actividade política e das generosas
contribuições para a agenda do Partido Republicano, afirmar que os Koch são
fervorosos republicanos não faz jus à complexidade da sua visão do mundo.
A importância da maçã
Nascidos no berço de ouro forjado pelos negócios do pai,
Fred Koch, David, Charles e os seus outros dois irmãos, Frederick e William,
tiveram uma educação austera e orientada para o sucesso através do trabalho.
“Ao incutir-me uma ética de trabalho desde tenra idade, o
meu pai fez-me um enorme favor. Aos oito anos, ele fez questão de garantir que
a maior parte do meu tempo livre era ocupada pelo trabalho”, escreveu Charles
Koch, citado num artigo publicado pela revista The New Yorker em 2010, que é
ainda hoje uma das poucas janelas por onde se pode vislumbrar a base em que
assenta a ideologia dos dois irmãos.
David Koch recorda o radicalismo do pai contra a intervenção
do Governo, e de que forma esse passado moldou o seu futuro. “Foi algo com que
eu cresci – um ponto de vista fundamental de que um Governo muito pesado era
prejudicial e de que a imposição de controlos pelo Governo sobre as nossas
vidas e sobre a nossa economia não era boa”, disse David Koch numa entrevista à
revista Reason, em 2007.
“Ele acreditava que, se não começássemos a trabalhar desde
muito novos, não seria possível desenvolvermos as capacidades, os hábitos e os
valores necessários para nos tornarmos produtivos. Quando eu era criança,
disse-me que não queria em casa nenhum vadio de clubes exclusivos”, recorda
Charles Koch no depoimento em vídeo Lessons from my Father, disponível no
YouTube.
Charles, de 78 anos, e David, de 73, têm hoje uma fortuna
conjunta calculada em 68 mil milhões de dólares (mais de 50 mil milhões de euros).
Olhando para a lista da revista Forbes, os dois irmãos ocupam o 6.º lugar, mas
a soma das duas contas bancárias catapultaria o nome Koch para a 2.ª posição, à
frente de Bill Gates e apenas atrás do mexicano Carlos Slim, cuja fortuna está
avaliada em 73 mil milhões de dólares (quase 54 mil milhões de euros).
A multinacional Koch Industries não teria o poder que tem
hoje sem a liderança de Charles e David, que assumiram os destinos da empresa
após a morte do pai, em 1967, e que mais tarde derrotaram os seus outros dois
irmãos numa luta de poder interna. Ainda assim, admitem, com sentido de humor,
que a sua habilidade para os negócios está longe de ser o único factor de
sucesso. Em 2003, num discurso perante os alunos da exclusiva Academia de
Deerfiel, no estado do Massachusetts, David Koch – antigo aluno da escola –
explicou como conseguiu doar 25 milhões de dólares (mais de 18 milhões de
euros) à instituição, numa história reproduzida pela jornalista Jane Mayer, da
revista The New Yorker.
“Poderão querer saber como é que David Koch tem tanto
dinheiro para ser tão generoso. Bem, deixem-me contar-vos uma história. Tudo
começou quando eu era criança. Um dia, o meu pai deu-me uma maçã. Vendi-a logo
por cinco dólares e comprei duas maças, que vendi por dez dólares. Depois
comprei quatro maças e vendi-as por 20 dólares. Isto continuou dia após dia,
semana após semana, mês após mês, ano após ano, até que o meu pai morreu e me
deixou 300 milhões de dólares.”
Fãs de Robert LeFevre
Criados numa mansão em Wichita, no estado norte-americano do
Kansas, os irmãos Koch entraram em contacto desde muito cedo com a ideologia
extremista libertária do activista Robert LeFevre, que defendia a abolição de
qualquer forma de governo e que levava a defesa da propriedade privada até às
últimas consequências.
Num trabalho da Bloomberg de 2011, o jornalista Brian
Doherty, que entrevistou Charles e David Koch para o seu livro Radicals for
Capitalism: A Freewheeling History of the Modern American Libertarian Movement
(2007), revelou um pouco das ideias que os irmãos assimilaram quando
frequentaram a Freedom School de Robert LeFevre, durante a década de 1960: “A
sua crença na propriedade privada era tão radical que ele argumentava que se um
ladrão nos atacasse e nos manietasse com as suas próprias cordas, seria
moralmente errado cortar essas cordas.”
Influenciados pelo pai – um dos primeiros membros da
ultraconservadora John Birch Society, que considerava o então Presidente dos
EUA, o republicano Dwight D. Eisenhower, um agente ao serviço do comunismo – e
alimentados pelo sonho de eliminar a influência do Governo na sociedade,
Charles e David Koch perceberam que a melhor forma de alcançar os seus
objectivos seria influenciar a política a partir de fora, mantendo-se na sombra
nas três últimas décadas.
Depois de uma incursão mal sucedida na política, em 1980,
quando David Koch concorreu a vice-presidente na candidatura de Ed Clark pelo
Partido Libertário, os irmãos empenharam-se na fundação e financiamento de
think tanks e de universidades. Os seus principais detractores não se detêm nas
ligações à ala mais radical do Partido Republicano. Para eles, os irmãos Koch
têm um único objectivo e não olham a meios para o alcançar: a crença na
ausência de qualquer regulamentação do Estado.
Os apoios financeiros dos irmãos Koch deixam perceber que a
sua agenda não se resume nem se identifica totalmente com movimentos como o Tea
Party. Apesar de ser um feroz opositor do Obamacare, David Koch defende o
casamento entre pessoas do mesmo sexo e a investigação em células estaminais;
opõe-se à política de guerra às drogas, lançada por Richard Nixon na década de
1970 e muito contestada pela esquerda, mas contesta a tese da influência do
Homem no aquecimento global.
Uma vida de aparentes contradições no mundo a preto e branco
de Washington, mas cuja fortuna está a alimentar, de facto, a ala mais radical
do Partido Republicano. Num dos exemplos mais significativos da forma como os
irmãos Koch jogam em todos os tabuleiros que melhor servirem os seus
interesses, David doou 40 milhões de dólares ao centro de investigação sobre o
cancro Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova Iorque, mas financia
também o think tank Mercatus Center, conhecido por apresentar teses sobre os benefícios
da poluição – no final da década de 1990, a economista Susan Dudley, do Mercatus
Center, argumentava, no âmbito de um processo contra a Agência de Protecção
Ambiental norte-americana, que a redução do manto de poluição nas cidades
poderia provocar mais 11.000 casos de cancro de pele por ano.
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