terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Adolescentes estão a aceder menos ao Facebook


Adolescentes estão a aceder menos ao Facebook
Por Diogo Pombo
publicado em 14 Jan 2014 in (jornal) i online

Facebook admitiu que os adolescentes estão a aceder menos à rede social. Por cá, foi difícil encontrá-los, mas não faltam pessoas que fugiram da rede social e não querem voltar
Uma das melhores amigas ia para a Argentina. Seriam vários meses com milhares de quilómetros pelo meio e a forma de os encurtar estava na internet. Leonor Burguete pensou e, “contrariada”, lá se juntou ao Facebook em nome da amizade. Durante “sete ou oito meses” por lá ficou, mas a rede social “suscitou uma vontade de saber mais, e mais, e mais sobre a vida dos outros”. Assustou-se. O regresso da amiga trouxe o fim da “aventura” na rede que lamenta ser “mal utilizada pela maior parte das pessoas”. Aos 22 anos, Leonor fugiu tão rápido como entrou, um episódio que ainda não se tornou tendência mas que o Facebook já notou no final do ano passado – menos jovens e adolescentes a acederem diariamente à rede social.

A confirmação apareceu em Outubro. O Facebook revelou o último dos seus relatórios de 2013 e David Ebersman, director financeiro da empresa, admitiu que de facto se tinha verificado um “ligeiro decréscimo no acesso diário de utilizadores, especialmente em adolescentes”. Não ficou claro se falou globalmente ou se apontou apenas ao mercado norte-americano.

Por cá o i encontrou várias ex-utilizadores que já baterem em retirado da rede social, mas apenas um era adolescente. E até Gonçalo Guerra está para conhecer alguém da sua idade que tenha tomado a mesma decisão. “Perguntam-me como consegui e dizem que vão fazer o mesmo. Mas saem e passado uma semana já lá estão outra vez”, desabafou. Com três dos seus 18 anos passados com a companhia do Facebook, o rapaz não vê razões para sequer pensar em regressar. “Vivo muito melhor sem aquilo”, garantiu, apontando antes os motivos que “há um ano e tal” o mantêm longe da rede social: por ser “uma falta de privacidade enorme” e por “não gostar” de falar ou conhecer pessoas através desta plataforma.

Gonçalo lamentou a quase “obrigação” que o Facebook impõe a quem por lá anda, de “estar sempre ligado” à rede. Também isso afastou Leonor, que chegou a utilizá-lo durante “quase metade de um dia” até à amiga regressar do estrangeiro. Quando voltou foi reduzindo o contacto com a rede como quem larga um vício. “Lá me alinhei com os astros e fui perdendo interesse”, brincou, e nos últimos tempos já só ia ao Facebook “duas ou três vezes por semana”. Assegura não estar “minimamente tentada a voltar” a uma rede à qual reconhece utilidade “se fosse para viver fora” e “manter o contacto” à distância.
De resto, o Facebook é hoje “um clube de voyeurismo”. A descrição vem de António Botelho e dos cinco anos que passou na rede, onde sobretudo “pesquisava conteúdos e assuntos” do seu interesse e partilhava preferências com amigos. Desligou-se da rede em 2011 e da “hora e meia” que lhe dedicava todos os dias. Hoje vê-a como “um meio muito artificial, superficial e com pouca utilidade”.

Nunca ponderou voltar, embora esteja consciente das “coisas que [lhe] passam ao lado”, como “oportunidades profissionais”. Algo compensado por “não ser invadido pelo muito lixo que por lá se divulga”, esclareceu António, de 25 anos. Uma vantagem, diz, é a “sorte de não estar dependente de um mural”.

Mafalda Luz não consegue encontrar nenhum ponto a favor claro. “Mas parece-me que não sentir falta é um sinal claro de que o Facebook não trazia grandes vantagens para o meu dia-a-dia”, argumenta quem se tornou dissidente da rede em Setembro, ao fim de cinco anos. Chegou a “ter o Facebook aberto umas quatro ou cinco horas” diárias até perceber que a sua privacidade “não existia”. Qualquer pessoa a podia aceder, conta Mafalda, de 26 anos, ao tocar num dos factores que para Paulo Peixoto, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, “mais tem penalizado” o Facebook – a “facilidade” com que nesta rede “os jovens se apercebem de que podem ser vigiados”. Daí Mafalda ter fugido com a sensação de que a sua privacidade “era fictícia”. Quando tomou a decisão, contudo, pensou: “Quanto tempo vou manter a conta fechada?”. Até hoje não voltou atrás, mas não garante que não o faça um dia.

Mafalda é a única a deixar a porta entreaberta. Mas nem assim Paulo Peixoto ousa falar em primeiros sinais de um declínio da rede social. “É demasiado cedo para decretar a morte do Facebook”, avisa, apesar de reconhecer que “não é difícil adivinhar que terá de se adaptar e reagir se não quiser ter um desgaste rápido”.

Mas Pedro Castro foi lesto a concluir que não lhe faz “diferença alguma” estar hoje longe do Facebook. O mais velho dos casos contactados pelo i, com 31 anos, também não pensa em regressar à rede pois “continua a encontrar fora do Facebook as necessidades” que tem para a sua vida. O par de anos e as “três horas por dia” que dedicou à rede social deixaram “de [lhe] fazer sentido”, por “estar associado a pessoas apenas por as conhecer” – apontando o exemplo de ter “300 amigos e só verdadeiramente falar com dez”. Até agora o abandono “não tem feito diferença” pois “mentalizou-se” que as informações que procurava (notícias, vídeos de música ou bandas) podiam “ser acedidas de igual forma” longe do Facebook.

Nenhuma deles se sente excluído por não integrar esta rede social. “O facto de terem hoje muitas outras alternativas”, explicou o investigador da Universidade de Coimbra, “faz com que reconstituam a sua rede de amigos já dentro de outras redes sociais”, acrescentou. Ou numa palavra: já existem muitas e várias possibilidades para quem tem um smartphone. A questão da “portabilidade” é “cada vez mais marcante”, explica Paulo Peixoto, e António Botelho confirmou-o quando revelou utilizar redes como o Whatsapp ou Viber (de mensagens instantâneas).

Também Gonçalo Guerra, o adolescente dos fugitivos, diz que hoje apenas usa o Instagram (partilha de fotografias). “Não implica dizer onde estou, o que ando a fazer, que estou cansado ou que isto e aquilo”, justificou, com traços de uma indignação que já deixou de ser raro o Facebook provocar.



CASOS

Gonçalo Guerra 18 anos

Está “há um ano e tal” sem Facebook e “nunca mais” pensou em voltar. Os 18 anos tornam-no um caso único. “É um feito enorme, não é?”, chega a questionar, sem conhecer outra pessoa da sua idade que tenha feito o mesmo. Vive “muito melhor” sem Facebook e hoje usa apenas o Instagram.

Leonor Burguete 26 anos

Passou “sete ou oito meses” nesta rede social e saiu “pelas mesmas razões” que entrou: uma amiga foi e voltou do estrangeiro. Vê oFacebook como“uma ferramenta mal utilizada” e que “a fazia perder tempo”. As “piadas” e “boas fotos” que hoje não vê têm “muito pouco peso” na sua vida.

Pedro Castro 31 anos

Fartou-se de “cada vez que acedia à Internet” ter “como mecanizado o acesso ao Facebook” e, ao fim de dois anos, concluiu “que não trazia nada de melhor” à sua vida. Perdeu a paciência e as três horas diárias que dedicava à rede. Afinal, chega à informação que pretende de “igual forma”.

António Botelho 25 anos

Deixou de se identificar com o que o Facebook se tornou: um meio “muito artificial” e “superficial” que apelidou de “clube de voyeurismo”. Aí “foi-se desligando” até sair passados cinco anos. As pessoas “já não conversam” e não acha difícil“imaginar uma mesa com quatro amigos agarrados ao telemóvel”.

Mafalda Luz 26 anos


Sentiu que a sua privacidade “era fictícia” e que “podia ser acedida por qualquer um”. Saiu em Setembro, pôs fim a cinco anos e diz “não sentir falta”. Às brincadeiras quem lhe perguntam como partilhar coisas consigo, responde com um pedido: “Envia-me por email, por favor.”

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