Quase 60% dos pensionistas do Estado afectados por duplo
corte
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O tiro ao reformado
Por Ana Sá Lopes
publicado em 10 Jan 2014 in (jornal) i online
O problema dos cortes aos reformados vai muito para além do
confisco de direitos
O plano B que o governo sempre jurou que não existia para o
chumbo das pensões pelo Tribunal Constitucional foi ontem dado à luz pelo
conselho de ministros. Confirma-se que não havia plano B: os reformados são a
carne para canhão deste governo, o alvo do tiro na guerra do défice, a vítima
da revolução que vai extinguir de vez em Portugal e na Europa conceitos
políticos antigos como social-democracia e democracia-cristã.
Para o poder em vigor, os contratos com os reformados são
aqueles que podem ser alterados à vontade, sem que existam riscos de o Estado
ser obrigado a pagar milhões. Com os ricos não se brinca - os governos nunca
brincam com os ricos e basta ver as parcerias público-privadas e outros
contratos dantescos, impossíveis de mexer porque estão em causa cláusulas
inamovíveis. Não é de estranhar que enquanto Passos Coelho afirma que a crise
"foi um custo que quase toda a gente teve que suportar pelas medidas
difíceis", os últimos números disponíveis indiquem que em Portugal os
ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Uma vez que não existem "cláusulas" de protecção
do contrato realizado entre o Estado e reformados - para surpresa de todos, a
Contribuição Extraordinária de Solidariedade passou no ano passado no Tribunal
Constitucional - opta-se pela medida mais fácil. Aguarda-se agora a decisão do
Tribunal Constitucional, reconhecendo-se que é um facto que a CES passou no TC
com a presunção de que era transitória e poupava os menos "ricos".
O problema dos reformados vai para lá do confisco do
contrato feito entre o Estado e os cidadãos que nasceram no Portugal de Eusébio
- em que praticamente só Eusébio funcionava e dava razões de felicidade. O
problema é que são os reformados que estão a fazer de cintura de segurança para
os seus filhos e netos desempregados ou com empregos que não dão para a
subsistência mínima. Como o i escreve nesta edição, 1/3 da população activa
está desempregada ou vive de um sub-emprego que não dá para ter uma casa nem
eventualmente dará para comer. Ouvir o primeiro-ministro dizer que está a
"tirar o país da crise" torna-se penoso nestas
circunstâncias. Se o emprego criado obriga a recorrer aos pais reformados para
subsistir, o ataque aos reformados é também um ataque ao mínimo de coesão
social.
Não existe nenhum novo ciclo - existe um triste retorno ao
tempo em que Eusébio consolava os agora reformados.
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