OPINIÃO
O que está em causa
RUI TAVARES 27/01/2014 in Público
Vou dar-vos o cenário mau, o
cenário péssimo e o cenário medonho, para que depois se possa ver o que
verdadeiramente está em causa para o futuro próximo em Portugal.
O cenário mau: em 2015 o Partido Socialista ganha as
eleições, mas sem maioria absoluta. Para constituir governo precisará do apoio
do PSD, ou do CDS, ou de ambos. O Presidente da República, é sabido, tem grande
preferência pela solução de Bloco Central para governar o país, no que aliás
será apoiado por boa parte da elite económica e da opinião publicada. O
problema: para aceitar fazer parte do governo, o PSD porá em cima da mesa a
revisão constitucional para diminuir o nível de proteção dos direitos
económicos e sociais. António José Seguro já disse que não fará revisões da
Constituição antes de eleições, mas não se sabe o que fará depois — e pode ser
que não tenha outra hipótese. E mesmo sem alteração da Constituição, as medidas
de um tal governo passarão a ter uma aprovação de dois terços do Parlamento —
uma maioria “paraconstitucional”, que talvez o Tribunal Constitucional decida valorar
como tal: não é tão fácil chumbar uma medida aprovada por uma maioria que
poderia mudar a Constituição.
Cenário péssimo: o PSD/CDS ganha as próximas eleições
legislativas. Até agora nunca tinha referido aqui esta possibilidade, para não
agourar, mas ela é suficientemente plausível para que não possa deixar de ser
considerada. A velha tática de Margaret Thatcher durante os anos oitenta
funcionava assim: dois anos a apertar, dois anos a aliviar, e uma vitória
eleitoral no fim. Com a ajuda do “efeito Draghi” e da sua descida dos juros, e
com quase um ano e meio de pós-troika pela frente, não será preciso muito alívio
para que Passos Coelho e Paulo Portas tentem convencer o eleitorado de que o
pior já passou e que não se deve mudar de comandantes depois da borrasca. Como
é natural, já houve eleitorados que se deixaram convencer por estes argumentos.
O cenário medonho: o PSD e o CDS ganham, mas sem maioria
absoluta. Para poderem governar, precisam do apoio do PS — mas como parceiro
menor. Após alguma pressão e justificando-se pelo receio de atirar o país para
novas eleições numa fase em que a posição de Portugal nos mercados continua
vulnerável, o PS aceita. Neste cenário, as comportas estão abertas. A própria
revisão constitucional pode ser revista — para cima. A privatização parcial da
Segurança Social e do Ensino Público podem continuar. A desregulação dos direitos
laborais também — e sem oposição de dois terços do parlamento. Mas há mais: a
degenerescência da democracia portuguesa acelera-se, os casos de corrupção
contam com a solidariedade passiva dos três partidos de governo, o escrutínio
parlamentar diminui, e os dois grandes partidos tornam-se indistinguíveis.
E sabem que mais? Se olharmos para as tendências das
sondagens, o cenário medonho é o mais provável.
É pois isto que está em causa, muito para lá de
questiúnculas partidárias, de processos de intenção e de ataques de caráter e
de todas as vicissitudes em que a esquerda é pródiga. Ou queremos fazer tudo
para evitar os cenários acima, ou podemos marcar já a Aula Magna para irmos
chorar em conjunto a partir de 2015. Não podemos dizer é que não fomos alertados
a tempo.
Bloco recusou coligação com partido de Rui Tavares
Por Rita Tavares
publicado em 27 Jan 2014 in (jornal) i online
O Bloco não quis coligar-se com o partido de Rui Tavares.
Ana Drago defendia a união para as europeias e demitiu-se da Comissão Política
O partido de Rui Tavares ainda não existe, mas já provocou
um caso político, por via indirecta. O Bloco de Esquerda recusou juntar-se ao
futuro partido numa coligação às europeias de 25 de Maio. A proposta vinha do
manifesto 3D, formado no início de Dezembro em busca de uma candidatura de
esquerda ao Parlamento Europeu, mas o BE rejeitou e pôs condições. A primeira
consequência foi a saída de Ana Drago da Comissão Política do partido. A
segunda deverá ser conhecida hoje: a conclusão do 3D.
Os promotores iniciais do manifesto reuniram-se ontem à
tarde para tirar as conclusões das reuniões com o BE, a comissão instaladora do
Livre e a Renovação Comunista - a quem devem anunciar hoje o resultado das
reuniões - e ainda para delinearem o futuro do 3D. Isto um dia depois da
reunião da Mesa Nacional do BE em que Ana Drago saiu da direcção política, em
ruptura com a estratégia do partido. E a razão foi precisamente esta união da
esquerda, com Drago a apontar que a direcção "não se mostrou disponível
para iniciar um debate programático com alguns dos possíveis participantes
nessa convergência". O i tentou ontem, sem sucesso, contactar Ana Drago,
mas apurou que o BE rejeitou sempre, nas reuniões com representantes do
manifesto 3D, qualquer convergência com o partido de Rui Tavares.
Tendo em conta que uma candidatura ao Parlamento Europeu só
pode ser constituída por partidos políticos, o 3D propôs que fosse criado um
novo partido (com os outros envolvidos a anularem-se nestas europeias) ou uma
coligação formal entre BE e Livre. O Bloco rejeitou as duas: a primeira por a
considerar impraticável; a segunda por divergir de Rui Tavares. E contra-propôs
um "acordo político em torno de uma plataforma programática e de um
compromisso de candidatura", através de uma "coligação ou da
participação nas listas do Bloco, podendo ainda ser alargada a outros parceiros
por acordo mútuo entre Bloco e 3D". Foi isto mesmo que a Comissão Política
apresentou à Mesa Nacional antes da reunião de ontem. Ana Drago interveio logo
ao início para dizer que saía da direcção.
"O Bloco não entrará num processo de passa-culpa.
Consideramos abertos estes processos de diálogo e fizemos uma proposta
concreta, com indicação do 3D que seria discutida pelos seus promotores".
diz Jorge Costa ao i. O dirigente do BE recusou fazer mais declarações,
incluisive sobre a saída de Ana Drago. O mesmo faz Rui Tavares, do Livre, que
também recusa falar da contra-proposta do Bloco que coloca o seu partido de
lado. "A partir do momento em que o BE apresenta uma coisa ao 3D, o Livre
não deve intrometer-se. Achamos que a convergência não se deve fazer por
exclusões", avança, no entanto, o eurodeputado.
A mudança de Rui Tavares (eleito pelas suas listas em 2009),
do Grupo da Esquerda Unitária do Parlamento Europeu para os Verdes europeus,
ainda é de difícil digestão no BE. No partido garantem-se divergências
profundas em matérias europeias. No Livre, Rui Tavares garante que a ideia do
3D "foi bastante bem acolhida" e que não foi apresentada
"nenhuma objecção às soluções apresentadas" na segunda reunião com a
plataforma, que se realizou na passada quinta-feira.
A carta de demissão de Ana Drago
Futuro da esquerda
“(...) as discussões que ocorreram ao longo das últimas
semanas no seio da Comissão Política tornaram clara uma divergência profunda e
fundamental sobre a estratégia do Bloco na presente conjuntura”.
Desafio do 3D
“ (...) um modelo de articulação não chegou sequer a ser
equacionado – a direcção política do Bloco de Esquerda não se mostrou
disponível para iniciar um debate programático com alguns dos possíveis
participantes nessa convergência”.
“Este processo de convergência era, a meu ver, não só
desejável como determinante para este campo político de esquerda, e portanto
para o Bloco”.
Críticas ao BE
“Defender a reestruturação da dívida, a reposição do
rendimento dos trabalhadores e pensionistas, o aumento do salário mínimo, a
sustentação dos serviços públicos e dos direitos laborais, o combate ao
desemprego e à precariedade, o investimento na qualificação da economia
portuguesa – este é, creio, o programa necessário nos tempos actuais. É certo
que este não é todo o programa político do Bloco de Esquerda, mas é aquele que
identifica quem está disposto a assumir a responsabilidade de defender o país –
e esse deve ser o campo de política de unidade do Bloco de Esquerda”.
E mais críticas ao BE
“O Bloco constituiu-se como uma esquerda que não se rende a
fazer uma gestão apenas mais benevolente do status quo, mas que também não fica
satisfeita apenas por existir”.
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