Miguel Sousa Tavares abandonou grupo Leya, que não
considera "vocacionado para a edição de livros"
JOANA AMARAL CARDOSO 23/01/2014 – in Público
"A Leya matou a
identidade das editoras" que agregou, diz um dos best-sellers literários
do país, cujo nome se junta ao de Saramago, João Tordo e outros autores
prestigiados que abandonaram o grupo.
Foi já há dois meses que o escritor Miguel Sousa Tavares
abandonou o grupo editorial Leya. No entanto, só esta quinta-feira o autor
confirmou ao PÚBLICO a sua saída, um dia depois de se tornar pública a quebra
de contrato do mesmo grupo com as herdeiras do Nobel José Saramago. Sousa
Tavares fala de “descontentamento” quanto ao trabalho do grupo. Na sua opinião,
este “matou a identidade das editoras” que agregou desde a sua fundação, em
2008. “Não creio que o grupo Leya esteja vocacionado para a edição de livros.”
Também há dois meses, João Tordo começou a ponderar a sua saída da Leya, que
confirmou esta quinta-feira ao PÚBLICO.
Sousa Tavares, um dos autores que mais livros vende em
Portugal, diz achar que "a Leya partiu do princípio que juntando várias
editoras faziam sinergias e conseguiam fazer melhor, mas isto não é como juntar
as salsichas Nobre com as salsichas Aveirense”.
O último romance do escritor, Madrugada Suja, já foi editado
em 2013 pelo Clube do Autor, a pequena editora de que é sócio com Margarida
Rebelo Pinto e que foi criada em 2010 por vários ex-membros da Oficina do
Livro, a chancela que o editava na Leya, após ter sido comprada pelo grupo. O
Clube do Autor reeditou, aliás, Equador. Sousa Tavares “não tinha contrato
global com a Leya, tinha contrato livro a livro e feito só quando os livros
saíam”, explicou. “Não nos entendemos e resolvi acabar [a relação com o grupo].
À medida que os livros vão acabando o prazo de cada contrato, eu saio”,
pormenoriza, explicando que foi o que permitiu a reedição de Equador no Clube
do Autor.
Também no ano passado o catálogo da poeta Sophia de Mello
Breyner Andresen, mãe de Sousa Tavares, saíra da Leya para o outro grande grupo
português, a Porto Editora. Aquando do lançamento de Madrugada Suja, em Maio,o
autor disse ao PÚBLICO que iria publicar na Leya o livro em que está ainda a
trabalhar e que a sua relação contratual com o grupo se mantinha. Agora, a
edição do próximo romance de Sousa Tavares, em fase de pesquisa, está de novo
no mercado, mas o escritor só pensará no seu destino quando o completar.
“Sempre funcionei com um livro à vista”, explica. “Nunca
aceitei propostas para ficar avençado e publicar um romance todos os anos, como
não aceitei a última proposta da Leya que foi pagar-me à cabeça um adiantamento
muito substancial por conta do meu eventual e futuro romance.” A Leya foi
contactada ao final da tarde pelo PÚBLICO, que aguarda uma reacção do grupo.
Neste momento, Sousa Tavares, que aponta também como motivação
para a saída “um desentendimento a nível do que [considera] dever ser uma
relação de cavalheiros”, terá oito ou nove obras ainda sob contrato com a Leya.
“Mas provavelmente chegaremos a acordo para eu sair [com] tudo de uma vez”,
acredita. Dois dos seus livros infantis já estão novamente nas suas mãos, mas
ainda em fase de definição de destino editorial.
Descontente com a falta de sensibilidade do grupo para as
especificidades da actividade editorial e do cultivo da relação com os
escritores, Sousa Tavares diz ainda que a edição das suas obras no Brasil se
deveu ao seu próprio esforço. "Quando compraram a Oficina do Livro,
falaram de coisas fantásticas que iam fazer e nunca aconteceram, como o
agenciamento no estrangeiro, no mercado angolano ou brasileiro.”
O grupo Leya, que em 2007 afirmou querer ser “o maior grupo
de língua portuguesa”, perdeu nos últimos anos alguns dos seus autores de
expressão portuguesa de maior prestígio – Saramago e Sophia juntaram-se a Mário
de Carvalho (que deixou a Caminho, da Leya, em 2012 rumo à Porto Editora), José
Eduardo Agualusa (desde o início de 2013 na Quetzal, do grupo Porto Editora),
Richard Zimler (na Porto Editora desde 2013), Pedro Rosa Mendes (transferiu-se
para a Tinta da China em 2012), Almeida Faria (que chegou a ser editado pela
Leya e cujas reedições passaram para a Assírio & Alvim, também parte da
Porto Editora, em 2013) e, agora, João Tordo.
Este último, vencedor do Prémio José Saramago em 2009, disse
ao PÚBLICO que não há problemas com a Leya na origem da sua decisão de publicar
o seu próximo romance numa editora cujo nome ainda não quis revelar. “Nada de
quezílias, nem incumprimentos; nem motivos financeiros”, disse Tordo,
satisfeito com o “óptimo trabalho de divulgação e venda” da sua obra.
Na próxima semana, a Fundação José Saramago anunciará quem
acolherá e distribuirá a obra do Nobel português no futuro, estando em cima da
mesa a possibilidade de ser a própria fundação a assumir a tarefa. Ainda assim,
no sector fala-se da possibilidade de ser também a Porto Editora, uma das mais
bem posicionadas para suceder à Leya ou, pelo menos, para assegurar a
distribuição de um catálogo com o peso do de Saramago. Contactada pelo PÚBLICO,
a Porto Editora não fez comentários.
Miguel Sousa Tavares estreou-se no romance com Equador em
2003, seguindo-se Rio das Flores (2007) e No Teu Deserto (2009). É também autor
das crónicas e contos de Não Te Deixarei Morrer, David Crockett (2001) e dos
relatos de viagens Ukuhamba – Manhã de África (2010), co-assinado com o seu filho,
Martim Sousa Tavares, e Sul (2004,) mas também do livro Cozinha d'Amigos (2011)
e dos livros infantis Ismael e Chopin (2010, com ilustração de Fernanda
Fragateiro), O Planeta Branco (2005, ilustrações de Rui Sousa), ambos
recomendados no Plano Nacional de Leitura, e ainda O Segredo do Rio (2004).
Além destes títulos, editados pela Oficina do Livro, Sousa Tavares publicou
também o livro de reportagem Sahara, A República da Areia (1985) e a colecção
de crónicas Anos Perdidos (2001).
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