quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Comissão Europeia reduz ambição de novo pacote energético e climático. Ambientalistas e indústria das renováveis criticam propostas de Bruxelas. Ministro diz que UE deve ser ambiciosa na política climática. Como está a correr a política climática da UE.


Más notícias para as renováveis
Nova estratégia para o clima e a energia revela uma Europa hesitante e dividida
 Editorial/ Público

O novo pacote da Comissão Europeia para o clima e a energia não deixa de representar um sinal de que a UE ainda tem ânimo para tentar puxar a carroça do combate ao aquecimento global. Mas não o faz sem arrastar, atrás de si, o fardo crescente das suas divisões internas e dos conflitos de interesses na área da energia.
A forma como o Reino Unido, em particular, condicionou as propostas de Bruxelas é sintomática. Londres quer liberdade para desenvolver os seus projectos nucleares e apostar forte na exploração de gás de xisto, através da controversa técnica de fracturação hidráulica. Ou seja, pretende ter o horizonte livre para trilhar um caminho que já se provou sem saída, o de privilegiar fontes de energia que cedo ou tarde irão acabar. Os combustíveis fósseis e o nuclear serão parte importante, e necessária, do mix energético mundial ainda por algumas décadas. Mas recuar na promoção das renováveis, como fez a Comissão ao não fixar metas individuais para cada Estado-membro para 2030, significa despromover alternativas energéticas que inequivocamente contribuem para um mundo mais sustentável. É intrigante como o Reino Unido conseguiu dobrar a vontade de ir mais longe manifestada por outros gigantes europeus, incluindo a Alemanha. A Comissão ficou-se por uma meta de 27% nas renováveis, para ser cumprida colectivamente pela Europa. Cada país poderá fazer o seu percurso, com base em planos nacionais. Esta é, aliás, uma nova fórmula de governação também sugerida pela Comissão, que parece estar a apostar nitidamente numa lógica de compromissos “politicamente vinculativos”, em vez de metas “legalmente vinculativas”. Se a UE pretende, como diz, dar cartas nas negociações internacionais para travar a subida dos termómetros, esta nova postura cristaliza preocupantes incertezas sobre o alcance do novo tratado climático que as Nações Unidas querem aprovar em 2015.
Barroso diz que meta dos 40% é "ambiciosa"
Comissão Europeia reduz ambição de novo pacote energético e climático
ANA RUTE SILVA , RICARDO GARCIA e ISABEL ARRIAGA E CUNHA 22/01/2014 – in Público
Ambientalistas criticam falta de ambição da proposta da Comissão Europeia: redução de 40% das emissões de CO2 para 2030 e 27% para as renováveis

Depois de ter liderado o debate mundial do combate às alterações climáticas até 2020, a Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira uma proposta para a fixação de novas metas para a redução dos gases com efeito de estufa, sobretudo o CO2, e para o aumento da parte das energias renováveis no consumo energético.

As novas metas foram de imediato demolidas pelas organizações ambientalistas, que as consideram insuficientes para permitir à União Europeia (UE) cumprir a promessa de limitar o aumento da temperatura a 2 graus Celsius face aos valores de 1990.

No caso dos gases com efeito de estufa, Bruxelas propõe uma meta de redução das emissões de 40% em 2030 face aos valores de 1990. Em complemento desta medida, a Comissão propõe que a parte das energias renováveis (solar ou eólica) suba para 27% do consumo energético total. Ao contrário da meta do CO2, que é obrigatória para todos os países, no caso das energias renováveis a meta de 27% só é vinculativa ao nível europeu, ficando os Estados membros livres de decidir como a aplicar.

Para os ambientalistas, no entanto, depois de ter operado um corte de 18% das emissões de CO2 em 2012, a UE não precisará de fazer nada para chegar aos 32% em 2030, o que torna o esforço real de redução praticamente irrisório. Para a Greenpeace, o corte das emissões deveria ser de 50% em 2030 para a UE poder cumprir o seu compromisso de redução de 85 a 90% em 2050.

Apesar disso, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e Connie Hedegaard, comissária responsável pelo combate às alterações climáticas, tiveram de se bater com unhas e dentes até ao último minuto face aos comissários alemão, italiano e polaco, que queriam limitar as reduções de CO2 a 35% para não afectar a competitividade da indústria europeia. As posições destes comissários reflectem as reivindicações dos respectivos países, o que promete um aceso debate no Conselho de ministros da UE quando chegar a hora da aprovação das propostas da Comissão.

“Cortar 40% é o que a UE deve fazer mas é igualmente o que é eficaz no plano económico”, argumentou Hedegaard, frisando que este objectivo terá um grande impacto se o resto do mundo fizer o mesmo.

No caso das energias renováveis, em contrapartida, Bruxelas cedeu ao intenso lobby do Reino Unido e da indústria, que invocaram o aumento dos custos da energia que resultaram da política europeia de combate às alterações climáticas.

Segundo Bruxelas, o preço do gás na Europa é entre três e quatro vezes mais elevado do que nos Estados Unidos, Índia ou Rússia e 12% mais caro do que na China. Já o preço da electricidade é o dobro do dos Estados Unidos e Rússia e 20% superior ao da China.

O Reino Unido, sobretudo, recusou qualquer meta vinculativa ao nível nacional para as renováveis de modo a poder reduzir as suas emissões de CO2 sobretudo através do desenvolvimento da energia nuclear.

A Alemanha, que está a fazer o caminho inverso de saída do nuclear, queria pelo contrário que esta meta fosse vinculativa para todos os Estados.

Uma redução de 27% “fragiliza a capacidade de transformação do sistema energético da Europa”, argumenta por seu lado a Greenpeace, considerando que esta meta “terá um impacto limitado na dependência da Europa nas importações de combustíveis fósseis e deixará os europeus e a indústria expostos a preços de energia voláteis”.

Os ambientalistas alegam igualmente que com esta proposta, Bruxelas se afasta do célebre objectivo 20-20-20 adoptado em 2007, com o qual os Governos da UE se comprometeram formalmente a alcançar em 2020 uma redução de 20% do CO2, um aumento de 20 das energias renováveis e uma melhoria de 20% da eficiência energética.

A eficiência energética ficou de fora do pacote anunciado, ficando uma possível nova meta dependente da revisão de uma directiva europeia sobre este tema. “Deveriam ter apresentado o pacote todo, completo”, critica Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.

A Federação Europeia das Energias Renováveis (EREC) considera que a Comissão Europeia “inverteu a marcha” em relação às energias renováveis, “fixando um tecto, não um objectivo para 2030”. Lembra que o cenário de referência, que a CE divulgou em Dezembro passado, indica que as energias renováveis já atingiriam uma fatia de 24,4% sem quaisquer políticas específicas de incentivo.

As propostas serão agora debatidas pelos líderes da UE na cimeira europeia de 20 e 21 de Maio, terão de ser aprovadas por unanimidade para Bruxelas poder apresentar as respectivas propostas legislativas. Bruxelas espera que com este novo pacote, que será o compromisso internacional da UE nas negociações mundiais sobre o combate às alterações climáticas, lhe permita voltar a liderar o debate na matéria.

Eis os principais pontos do novo pacote clima e energia da UE

Emissões de carbono
A nova meta vinculativa da UE é reduzir em 40% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em relação aos níveis de 1990. Nas indústrias abrangidas pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissões – como centrais térmicas, cimenteiras e fábricas de pasta de papel –, o limite total de direitos de poluição vai ser reduzido em 2,2% ao ano a partir de 2020. Nos sectores fora do comércio de emissões – como os transportes ou a agricultura – terá de haver cortes de 30% até 2030.

Renováveis
Até 2030, a UE deverá ter 27% de renováveis no seu mix energético. Contrariamente ao que está estabelecido até 2020, este compromisso europeu não será repartido em metas nacionais vinculativas. Cada país escolherá o seu caminho, de acordo com planos nacionais de energia que serão exigidos aos Estados-membros.

Eficiência energética
Este pacote não traz uma nova meta para a eficiência energética. Eventuais novas metas para 2030 serão discutidas no âmbito da revisão de uma directiva europeia sobre eficiência energética, em vigor desde 2012, que clarifica as metas em vigor até 2020 e fixa medidas a adoptar pelos Estados-membros até meados deste ano. A revisão da directiva deverá estar concluída ainda este ano.

Comércio de emissões
Para fazer subir o preço do CO2 no Comércio Europeu de Licenças de Emissões, a Comissão propõe, a partir de 2021, a criação de uma reserva de estabilidade equivalente a 12% dos direitos de poluição em circulação. Ou seja, estas licenças não serão leiloadas, a não ser quando houver grande escassez no mercado.

Governação

Os Estados-membros terão de elaborar planos nacionais para a competitividade, segurança e sustentabilidade energética. Serão a base de um novo sistema de governação, baseado em estratégias claras, cujo cumprimento será acompanhado por Bruxelas.

Ambientalistas e indústria das renováveis criticam propostas de Bruxelas
RICARDO GARCIA e LURDES FERREIRA 22/01/2014 in Público

O novo pacote de clima e energia da Comissão Europeia foi recebido com um coro de críticas de organizações ambientalistas e da indústria das renováveis.

A Rede Europeia de Acção Climática – que reúne 120 organizações de 25 países – defende metas mais ambiciosas e vinculativas até 2030: 55% de redução de emissões, 45% de renováveis e 40% de aumento da eficiência energética.

Conforme o que foi anunciado em Bruxelas, não há metas nacionais vinculativas para as renováveis e a eficiência energética não é contemplada com novos objectivos, que ficam dependentes da revisão de uma directiva europeia sobre este tema. “Deveriam ter apresentado o pacote todo, também com a eficiência energética”, critica Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.

A Federação Europeia das Energias Renováveis (EREC, na sigla em inglês) considera que a Comissão Europeia “inverteu a marcha” em relação às energias renováveis, “fixando um tecto, não um objectivo para 2030”.

A EREC lembra que o cenário de referência para o pacote, que a Comissão divulgou em Dezembro passado, indicava que as energias renováveis já atingiriam uma fatia de 24,4% sem quaisquer políticas específicas de incentivo. Ou seja, na prática a meta dos 27% agora proposta seria uma evolução quase natural.

Thomas Becker, da Associação Europeia de Energia Eólica, também criticou o pacto de Bruxelas, dizendo que a Comissão Europeia não só é “uma sombra” do que já foi, em termos de ambição na política climática e energética, como está “a esconder-se atrás do Reino Unido e de outros Estados-membros e lobbies com visões atrasadas”.


Jason Anderson, d organização ambientalista WWF, criticou também as recomendações não-vinculativas adoptadas ontem para a exploração do gás de xisto na Europa. “Tenho a certeza que os lobistas dos combustíveis fósseis vão dormir bem esta noite”, afirmou.


Ministro diz que UE deve ser ambiciosa na política climática
RICARDO GARCIA 22/01/2014 - 19:56

Jorge Moreira da Silva comenta novo pacote clima e energia anunciado pela Comissão Europeia.
A União Europeia tem de ter uma “visão ambiciosa” se quiser liderar a nível mundial a luta contra as alterações climáticas, diz o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva.

Em declarações ao PÚBLICO, o ministro não quis fazer um juízo de valor sobre as propostas da Comissão - que foram criticadas por ambientalistas e pela indústria das renováveis. Moreira da Silva assinalou apenas que ela vai de encontro às posições de Portugal nalguns pontos, mas afasta-se noutros.

A meta de 40% de redução de emissões até 2030 era o que Portugal e outros Estados-membros defendiam. “Está em linha de conta com o objectivo de reduzir as emissões em 80 a 95% até 2050”, disse Moreira da Silva, referindo-se a um compromisso já assumido pela UE.

O ministro mostra-se satisfeito por ter sido incluído no pacote uma pequena menção sobre a necessidade de aumentar em 10%, no curto prazo, a capacidade de interligações das redes eléctricas entre todas as regiões europeias, o que facilitará a venda de energia renovável a partir de Portugal – dado que a Península Ibérica não estava antes contemplada. O próximo passo, diz Moreira da Silva, é fixar novas metas para as interligações a médio e longo prazo.

Já a meta das renováveis ficou aquém do que Portugal e outros países gostariam – 27% ao invés de 40%. O ministro não quis dizer se ficou decepcionado com a Comissão Europeia. “Limito-me a constatar que existe uma grande diferença em relação à nossa proposta”, afirmou.

Moreira da Silva foi um dos oito ministros do Ambiente e Energia que subscreveram uma carta à Comissão Europeia, antes da apresentação do pacote, a defender metas com mais ambição.

“Se a União Europeia quiser ter uma voz activa no pós-Quioto, tem de apresentar uma visão ambiciosa”, diz o ministro.



Como está a correr a política climática da UE
RICARDO GARCIA 22/01/2014
Há três metas a cumprir até 2020, além do comércio de emissões e do Protocolo de Quioto. Nem tudo está a correr bem.

Emissões de carbono
A meta de 20% de redução de emissões até 2020, em relação a 1990 – parte do pacote clima-energia que está actualmente em vigor –, vai ser facilmente cumprida. Em 2012, a redução já ia em 18% e poderá chegar aos 24% no prazo final. Com as medidas já planeadas pelos Estados-membros, as emissões cairão 28% até 2030, segundo a Agência Europeia do Ambiente. Serão necessárias, por isso, medidas adicionais para se atingir os 40% agora propostos até 2030. A esmagadora maioria dos Estados-membros está no bom caminho quanto às suas metas individuais de redução de emissões. Portugal tem o direito de aumentar em 1% as suas emissões, mas até agora já as reduziu em 10%.

Energias renováveis
O caminho até agora foi positivo: no total da energia consumida na UE, 13% vem de fontes renováveis, como o vento, o sol, a água ou a biomassa. A Agência Europeia do Ambiente estima que a meta de 20% até 2020 é tangível, mas alerta para o facto de ser necessário um esforço maior nesta recta final. O consumo de energia renovável deverá subir em média 4,7% ao ano nesta década. O momento actual não é dos mais favoráveis, com os investimentos em renováveis a cair. A nível global, desceram 9% em 2012 e 12% em 2013, segundo números da agência Bloomberg. Na Europa, Médio Oriente e África, o valor caiu para quase a metade nesse período. Portugal está razoavelmente bem encaminhado para a sua meta de 31% de renováveis até 2020. Em 2011, estava nos 25%.

Eficiência energética
É o parente pobre da política climática europeia. O objectivo para 2020 é aumentar em 20% a eficiência energética. Mas o resultado mede-se através da redução do consumo de energia primária para 1483 milhões de toneladas-equivalentes de petróleo. Em 2011, o consumo estava 14,4% acima deste limite. Muitos criticam o facto de esta meta não ser vinculativa. Foi assumida pela UE como um objectivo “político”, cabendo a cada país fixar a sua parcela de contribuição. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, apenas a Alemanha, França, Dinamarca e Bulgária estão a fazer bons progressos. Os restantes não têm políticas eficientes para um resultado que conduza a Europa a cumprir o seu objectivo. O ritmo de sucesso é variável conforme os sectores. Na habitação, tem havido progressos. Nos equipamentos e no sector dos transportes, são mais limitados.

Protocolo de Quioto
A UE cumpriu a sua parte no Protocolo de Quioto, que fixava metas de redução de emissões para os países desenvolvidos até 2012. Para os 15 Estados-membros mais antigos, o objectivo era uma diminuição colectiva de 8% em relação ao 1990. O resultado prático foi 12,2% de redução – em parte devido a políticas dirigidas, em parte devido à crise económica desde 2008. As contas finais ainda não estão feitas, mas todos os países da UE deverão ter cumprido as suas metas individuais de Quioto. A maior parte nem sequer precisou da ajuda de créditos de carbono obtidos por investimentos em projectos nos países em desenvolvimento ou comprados no mercado.

Comércio de Emissões
O Comércio Europeu de Licenças de Emissões revelou-se a principal dor de cabeça da política climática da UE. O seu objectivo era reduzir as emissões de centrais termoeléctricas, refinarias e outras indústrias, fixando um tecto anual para cada unidade e distribuindo ou vendendo licenças de emissões. Mas a alocação generosa de licenças e a crise económica a partir de 2008 inundaram o mercado com direitos de poluição, reduzindo-lhes o preço para níveis irrisórios. A Comissão está a tentar salvar o sistema, congelando o leilão de parte das licenças e propondo, agora, uma reserva de estabilidade permanente a partir de 2021, que só será leiloada se houver muita escassez.


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