Pobres de Inglaterra retratados em série na TV
insultados como "lixo" nas redes sociais
ANA DIAS CORDEIRO 09/01/2014 – in Público
Documentário sobre a vida de
ingleses de Birmingham a viverem das ajudas do Estado acusado de incitar ao
ódio. Regulador do audiovisual recebeu centenas de queixas.
Os residentes da James Turner Street de Birmingham, norte de
Inglaterra, não gostaram de se ver retratados na série-documentário Benefits
Street que o canal de televisão no Reino Unido Channel 4 estreou na passada
segunda-feira. Pouco depois de o primeiro episódio ir para ar, receberam
ameaças nas redes sociais, onde foram acusados de serem "parasitas".
O primeiro de cinco episódios de uma série, que se apresenta
como documentário “equilibrado e observador” da vida dos residentes desta rua,
muitos dos quais sem trabalho e a viver das ajudas do Estado, foi transmitido
na segunda-feira à noite. O segundo está previsto para uma semana depois, mas
uma petição com milhares de assinaturas pede a suspensão da série sob pena de
continuar a "incitar ao ódio".
Com 4,3 milhões de telespectadores, o primeiro episódio
permitiu ao canal alcançar níveis de audiência a que não chegava há um ano. Mas
também suscitou reacções extremas de repúdio por incitar à violência,
“distorcer” a realidade das pessoas a viverem no limiar da pobreza, e passar
uma imagem negativa dos residentes da James Turner. Estes queixam-se da imagem
passada de que todos são parasitas, irresponsáveis como pais, e estão próximos
da delinquência ou da dependência de drogas.
A Polícia de West Midlands, região de Birmingham, anunciou
que ia lançar uma investigação depois de receber dezenas de chamadas de
telespectadores preocupados com alguns relatos na série que mostra residentes a
gabarem-se de ter cannabis plantado em casa e de descreverem roubos em pequenas
lojas.
Comentários contra quem vive de subsídios
Momentos depois da estreia da série, as redes sociais
encheram-se de comentários depreciativos contra os desempregados e os pobres, a
viver de subsídios, e em especial contra os habitantes de James Turner Street,
alvo de ameaças de violência. “Quero ir a essa Benefits Street com um taco de
baseball e partir a cabeça a esses imbecis”, disse um telespectador no Twitter.
Outro defendeu que se devia “pôr fogo à Benefits Street” onde os residentes
eram "lixo". Também houve quem defendesse que os protagonistas da
série deviam ser “castrados”, “tratados como cães” ou “comidos pelos porcos”.
Em reacção, no Twitter e no Facebook, também se partilharam
comentários e posições em defesa dos protagonistas desta série. E lançou-se uma
pergunta: "Por que não está a família real em Benefits Street? São os
maiores parasitas da história."
Na quarta-feira de manhã, a estação – que é financiada
apenas por meios privados de publicidade e patrocínios, embora seja de
propriedade pública e funcione sem participações de accionistas – tinha
recebido queixas de 400 pessoas e o regulador das televisões 300. Também por
essa altura, uma petição, lançada a pedir a não transmissão dos restantes episódios,
tinha recolhido pelo menos 3000 assinaturas.
“Preocupa-me o ódio que mais um episódio desta séria venha a
suscitar”, disse ao diário Independent Arshad Mahmood, que foi condutor de
autocarro em Birmigham durante 33 anos e foi quem teve a iniciativa de lançar a
petição. Depois de uma cirurgia, deixou de trabalhar e passou a viver dos
subsídios e ajudas do Estado. Diz-se “chocado” com as reacções ao primeiro
episódio e lamenta que uma televisão de serviço público não tenha tido “uma
abordagem responsável do tema”.
Filmagens duraram um ano
Benefits Street era para se chamar Community Spirit, dizem
alguns protagonistas da série que se sentem traídos pela produtora Love
Productions. Ao jornal Independent ou Birmigham Mail, contam que foram
abordados para um documentário sobre “o grande espírito comunitário” entre os
habitantes desta rua na zona de Birmingham conhecida por Winson Green. As
filmagens duraram um ano.
O canal reconhece que “tocou num ponto sensível” da
sociedade no Reino Unido, mas garante que deu a oportunidade a todos os
protagonistas de visionarem a série antes de ela começar a ir para o ar e não
os enganou. Teve a intenção de abordar a natureza “diversa e vibrante” desta
comunidade e escolheu James Turner Street por 90% dos seus residentes viverem
de ajudas do Estado. E desmente a versão de que a série se enquadra na visão e
no discurso da extrema-direita.
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