quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Respostas democráticas precisam-se


Respostas democráticas precisam-se
Se as forças políticas da democracia não forem capazes de explicar como vão reequilibrar o desajustado tecido económico e social do país, outros se encarregarão de o fazer
Por António Cluny
publicado em 21 Jan 2014 in (jornal) i online

Na última edição de 2013, o "Expresso" divulgou um estudo referindo que cerca de 300 mil pessoas, das 800 mil que nos últimos dois anos perderam o emprego, jamais terão oportunidade de reentrar no mercado de trabalho.

Tal notícia é trágica do ponto de vista de cada uma dessas pessoas, mesmo que, pessoalmente, elas possam não saber ainda que serão as vitimadas.

Porém, além do drama pessoal, irreparável e dificilmente apreensível por qualquer estrutura social que com ele tenha de lidar, fere-nos o problema político da sociedade onde tais dramas se vão desenrolar.

Estaremos assim perante uma situação que terá de ser sofrida e vivida em múltiplos planos e tempos: o pessoal e da família de cada um desses desempregados e o da sociedade a que eles também pertencem.

Num país em que os apoios sociais fossem generosos e justos, o drama pessoal, com toda a humilhação e mortificação que o desemprego transporta, seria ainda assim muito penoso.

Num país - como o nosso - onde se assiste a uma restrição inflexível desses apoios, os resultados humanos e sociais de tal realidade só podem ser trágicos e de efeitos imponderáveis.

Acresce que, por outro lado, o processo de ajustamento em curso (PRAC) espalha um lastro pesado - como se pretendia, de resto - na redução substancial dos salários e dos vencimentos de todos os trabalhadores dos diferentes sectores e de diversas qualificações.

Nos escalões mais baixos e intermédios, o resultado do PRAC traduzir-se-á, com efeito, numa realidade tão injusta como a primeira, ou mais.

Muitos dos novos empregados não auferirão sequer, e apesar disso, o necessário para prover às suas necessidades, isto mesmo que entretanto o salário mínimo possa vir a atingir o valor acordado entre os parceiros sociais há já alguns anos.

Além disso, anunciam-se e projectam-se reduções nas reformas e nas pensões dos mais velhos e incapacitados.

O conjunto de tais medidas dificultará, ou impedirá mesmo, o funcionamento do colchão social, que tem até hoje, miraculosamente, impedido que a política de austeridade tenha produzido tensões e mais desastres sociais e políticos.

Acontece que, ao contrário do que foi inicialmente dito, todos suspeitam já que tais políticas não se destinam a resolver uma crise, mas, isso sim, a revolucionar a sociedade e os seus equilíbrios.

Ora é nestas circunstâncias que importa perguntar como será possível cumprir o desígnio constitucional (e do Tratado da União Europeia) que assegura que a República Portuguesa se baseia na dignidade da pessoa humana e está empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

É na perseguição desse desígnio - e não de qualquer outro - que se funda a coesão nacional e se legitima constitucionalmente a acção do Estado e o próprio processo de unidade europeia.

Não nos enganemos: é da resposta a esta questão concreta que os cidadãos estão, legítima e contidamente, à espera.

A sua contenção tem exactamente esse limite. A verdade é que, se as forças políticas da democracia não forem capazes de falar com clareza e explicar, quanto antes, como vão reequilibrar ainda a tempo o cada vez mais desajustado tecido económico e social do país, outros se encarregarão de o fazer. E fá-lo-ão, por certo, com métodos e modos diferentes.

É pois pertinente que as respostas sejam dadas quanto antes. A tão elogiada paz social do país depende delas. A escolha terá, desta vez, de ser dos portugueses: só (e sempre) dos portugueses.


Jurista e presidente da MEDEL

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