Respostas democráticas precisam-se
Se as forças políticas da
democracia não forem capazes de explicar como vão reequilibrar o desajustado
tecido económico e social do país, outros se encarregarão de o fazer
Por António Cluny
publicado em 21 Jan 2014 in (jornal) i online
Na última edição de 2013, o "Expresso" divulgou um
estudo referindo que cerca de 300 mil pessoas, das 800 mil que nos últimos dois
anos perderam o emprego, jamais terão oportunidade de reentrar no mercado de
trabalho.
Tal notícia é trágica do ponto de vista de cada uma dessas
pessoas, mesmo que, pessoalmente, elas possam não saber ainda que serão as
vitimadas.
Porém, além do drama pessoal, irreparável e dificilmente apreensível
por qualquer estrutura social que com ele tenha de lidar, fere-nos o problema
político da sociedade onde tais dramas se vão desenrolar.
Estaremos assim perante uma situação que terá de ser sofrida
e vivida em múltiplos planos e tempos: o pessoal e da família de cada um desses
desempregados e o da sociedade a que eles também pertencem.
Num país em que os apoios sociais fossem generosos e justos,
o drama pessoal, com toda a humilhação e mortificação que o desemprego
transporta, seria ainda assim muito penoso.
Num país - como o nosso - onde se assiste a uma restrição
inflexível desses apoios, os resultados humanos e sociais de tal realidade só
podem ser trágicos e de efeitos imponderáveis.
Acresce que, por outro lado, o processo de ajustamento em
curso (PRAC) espalha um lastro pesado - como se pretendia, de resto - na
redução substancial dos salários e dos vencimentos de todos os trabalhadores
dos diferentes sectores e de diversas qualificações.
Nos escalões mais baixos e intermédios, o resultado do PRAC
traduzir-se-á, com efeito, numa realidade tão injusta como a primeira, ou mais.
Muitos dos novos empregados não auferirão sequer, e apesar
disso, o necessário para prover às suas necessidades, isto mesmo que entretanto
o salário mínimo possa vir a atingir o valor acordado entre os parceiros
sociais há já alguns anos.
Além disso, anunciam-se e projectam-se reduções nas reformas
e nas pensões dos mais velhos e incapacitados.
O conjunto de tais medidas dificultará, ou impedirá mesmo, o
funcionamento do colchão social, que tem até hoje, miraculosamente, impedido
que a política de austeridade tenha produzido tensões e mais desastres sociais
e políticos.
Acontece que, ao contrário do que foi inicialmente dito,
todos suspeitam já que tais políticas não se destinam a resolver uma crise,
mas, isso sim, a revolucionar a sociedade e os seus equilíbrios.
Ora é nestas circunstâncias que importa perguntar como será
possível cumprir o desígnio constitucional (e do Tratado da União Europeia) que
assegura que a República Portuguesa se baseia na dignidade da pessoa humana e
está empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
É na perseguição desse desígnio - e não de qualquer outro -
que se funda a coesão nacional e se legitima constitucionalmente a acção do
Estado e o próprio processo de unidade europeia.
Não nos enganemos: é da resposta a esta questão concreta que
os cidadãos estão, legítima e contidamente, à espera.
A sua contenção tem exactamente esse limite. A verdade é
que, se as forças políticas da democracia não forem capazes de falar com
clareza e explicar, quanto antes, como vão reequilibrar ainda a tempo o cada
vez mais desajustado tecido económico e social do país, outros se encarregarão
de o fazer. E fá-lo-ão, por certo, com métodos e modos diferentes.
É pois pertinente que as respostas sejam dadas quanto antes.
A tão elogiada paz social do país depende delas. A escolha terá, desta vez, de
ser dos portugueses: só (e sempre) dos portugueses.
Jurista e presidente da MEDEL
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