sábado, 18 de janeiro de 2014

CRISE NA CIÊNCIA.

EDITORIAL/ Público
A prioridade perdida
19/01/2014 -

O Governo quer tornar a ciência mais competitiva, retirando-lhe as bases para ela poder competir

Até à chegada de Mariano Gago ao poder, em 1995, e das políticas que então começou a implementar terem produzido resultados, a ideia de que Portugal algum dia viesse a ter uma política científica digna do nome pertencia ao domínio do impensável.

 Ao longo de quase duas décadas (e mantendo-se uma continuidade de políticas, apesar da alternância de partidos no poder), houve investimento e talento para construir um edifício que hoje pode estar em risco.

Há algumas décadas, contavam-se pelos dedos os cientistas portugueses que estavam lá fora. Agora, exportamos cérebros e investigadores qualificados, que o país não consegue enquadrar.

Começou a diminuir o investimento público em ciência, quando estamos a afastar-nos da meta dos 3% do PIB que a própria FCT diz querer alcançar no futuro.

E não há só um problema de crise. Há um problema ideológico em relação à ciência. O Governo, como explica o presidente da FCT, Miguel Seabra, em entrevista publicada no dossier que hoje dedicamos à crise na ciência, quer que a investigação dependa cada vez menos do Orçamento do Estado e defende uma cultura de exigência contra a comodidade dos apoios garantidos.

Esta ideologia da competitividade contra o peso excessivo do Estado acaba no entanto por ser um tiro no pé da própria competitividade do país no futuro, para o qual a ciência é pura e simplesmente decisiva.

A excelência não nasce nas árvores, é o resultado de um trabalho contínuo e implica uma base quantitativa. Isso, aliás, a política dos últimos anos já demonstrou, com resultados concretos. A competitividade enquanto miragem ideológica começa por penalizar as condições para a ciência portuguesa poder competir. Fortalece-se a ideia de que só os investigadores que obtêm resultados devem ser apoiados.

O liberalismo, enquanto doutrina, transforma-se no supremo estatismo, ao subordinar a liberdade de investigar a uma ideia vaga de produtividade, como se estivéssemos na União Soviética. O enjoo perante o “peso do Estado” deste Governo não tem tradução prática. O que ouvimos no discurso, duríssimo, dos investigadores, são as críticas à falta de regras e à burocracia em excesso. Reduzir o peso do Estado é começar por limar o funcionamento do Estado e torná-lo eficaz, não é cortar despesa.


Esperava-se do Governo uma política estruturada para a ciência, com metas, objectivos e prioridades, que fosse além da vulgata ideológica. Esperava-se do Governo a percepção de que há sectores onde é preciso investir para garantir uma porta de saída para a crise. É preciso mais investimento e mais eficácia, em vez de desinvestir e pôr em causa uma política que ao longo de duas décadas deu resultados. Em tempo de crise, a ciência, que não é assim tão cara, devia ser uma prioridade para um país que deseja a ousadia de ter um futuro.

“Todos partem e nenhum fica”
TERESA FIRMINO e SAMUEL SILVA 18/01/2014 – in Público

Da Noruega à África do Sul, multiplicam-se os destinos que acolhem os investigadores portugueses. Mas a história de todos e de cada um é a de quem teve de partir por não encontrar espaço para trabalhar no seu país.
Quantos se vão embora ao certo? Quantos vêm para o país? Em que condições trabalham? Números exactos, que permitam ter um retrato real do que se passa com os cientistas em Portugal, não existem. Ficam os relatos de quem vive uma diáspora científica em tempos de crise.

Era um dos 20 membros do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, criado em 2012 por Pedro Passos Coelho para aconselhar o Governo. Ironia: disseram-lhe que não conseguiriam renovar o contrato que tinha como investigadora auxiliar num centro de investigação em Lisboa e teve de fazer as malas e deixar o país. Foi em Setembro do ano passado. Aos 35 anos, Filipa Marques tornou-se emigrante científica.

É no Centro para a Geobiologia da Universidade de Bergen, na Noruega, que agora trabalha como geóloga marinha, exactamente na mesma área a que se dedicava em Portugal, no Centro de Recursos Minerais, Mineralogia e Cristalografia (Creminer) da Universidade de Lisboa, onde depois do doutoramento tinha continuado como investigadora. Em termos de investigação, o que agora trocou foram os campos hidrotermais oceânicos dos Açores pelos campos do Árctico. “Por parte das pessoas do Creminer sempre fui bem acolhida. A minha revolta – e vejo que é partilhada por outras pessoas – é com o Governo. Fizemos tudo o que nos foi pedido – estudos, graduações… – e, no final, dizem-nos: ‘Temos pena, vão para outro lado, não há condições para vocês.’”

Ainda é cedo para tirar grandes conclusões, mas para já Filipa Marques está feliz. “Adoro o estilo de vida nórdico. A sensação que tenho é a de passar do caos e da desorganização para um sítio onde, de repente, tudo funciona”, conta numa conversa telefónica, enquanto se reunia com colegas num final de tarde para uma iniciativa de “knit and drink”, ou seja, conversar, beber um copo e tricotar.

Não existe um estudo oficial digno desse nome sobre a emigração científica portuguesa, vulgo "fuga de cérebros". “Não temos números que nos indiquem fielmente quem está a sair do sistema”, admite o presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Miguel Seabra. “Obviamente que tenho tido conhecimento de pessoas que se vão embora. Tentámos quantificar isso minimamente. Não sei se os números são fiáveis, mas são surpreendentemente poucos para as queixas que temos”, acrescenta o presidente da principal instituição financiadora do sistema científico português e responsável pela definição e execução das políticas de ciência.

Ainda que sem números fiáveis de quem parte, a seta também está a vir no sentido de Portugal, sublinha Miguel Seabra, como diz mostrarem os novos contratos, a cinco anos, com doutorados no concurso Investigador FCT. “O Investigador FCT é uma imigração de alto nível, de competitividade a nível internacional e que quer vir para Portugal.”

Entre os 369 investigadores FCT contratados, em 2012 e 2013, 48 estavam no estrangeiro: “Não estando em Portugal, foi-lhes oferecido contrato para trabalhar cá. Metade destas pessoas que vem trabalhar para Portugal não é portuguesa e fez carreira fora. Sem este mecanismo do Investigador FCT é que não tínhamos sequer possibilidade de trazer estas quase 50 pessoas”, defende Miguel Seabra. “Mesmo que o vector seja ainda no sentido de sair de Portugal, há pelo menos uma seta no caminho inverso.”

Cerca de 25 mil precários?
Também não são muitos os dados sobre os percursos profissionais dos investigadores portugueses – se estão a trabalhar em investigação, que vínculos laborais têm, se deixaram a ciência, se estão no desemprego ou emigraram. O último inquérito à situação dos doutorados em Portugal é de 2009 e refere-se apenas aos doutorados a trabalhar em Portugal. Feito pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEG), juntamente com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), estimava uma diferença de 373 pessoas entre o total de doutorados (19.034) e o número dos que estão empregados. Não se sabia assim o que aconteceu a esses 373: se estavam desempregados, se saíram do país ou já não eram cientistas.

Para lá do desemprego, a precariedade de emprego científico é um problema em Portugal, que atingirá cerca de 25 mil investigadores a tempo integral, segundo estima Frederico Carvalho, físico aposentado do Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém, e presidente da associação Organização dos Trabalhadores Científicos. “Praticamente metade da força trabalhadora científica é precária”, frisa. “Os bolseiros na sua maioria não têm nenhum contrato de trabalho. Pelo menos, os estudantes de doutoramento e os investigadores em pós-doutoramento deveriam ter contratos de trabalho, com direito a reforma e a apoio na doença. Existe alguma coisa para os bolseiros, mas é muito fraca.”

A trabalhar em Portugal havia 50.694 investigadores em tempo integral, segundo os últimos dados, ainda preliminares, do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional relativo a 2012. No inquérito de 2011, referia-se que entre os mais de 50 mil cientistas no país havia 26.175 doutorados.

Os últimos números permitem também perceber que, nos últimos dez anos, 2012 foi o ano em que menos empregos científicos se criaram no país. O número de investigadores contratados cresceu apenas 1% face a 2011, contrastando com os 8% que tinha subido no ano anterior. Os melhores anos já estão, porém, mais longe: de 2005 para 2006, os cientistas empregados aumentaram 17%, e de 2007 para 2008 quase duplicaram (43%).

O abrandamento dos empregos criados para investigadores é coerente com os retratos conhecidos e fazem antecipar resultados mais negativos nos próximos anos. Quem não tem emprego acaba por escolher mais facilmente o caminho da emigração. Histórias como estas chegam com muita frequência ao conhecimento de André Janeco, presidente da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), através de emails ou nas reuniões feitas com os núcleos de investigadores a nível nacional. “Uma bolsa devia ser um patamar para um novo emprego, mas não é.”

Como investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Ana Delicado lamenta que, depois do inquérito de 2009 da DGEEG, não tenha sido feito um novo estudo sobre o percurso profissional dos cientistas portugueses. “Podia ter havido a vontade de voltar a fazer um inquérito, que nem sequer é uma coisa muito cara. Mas também me parece que não há grande interesse em monitorizar a situação”, diz a investigadora que, em 2009, terminou o pós-doutoramento acerca da mobilidade internacional dos cientistas portugueses. Na altura, concluiu que havia em Portugal 80 doutorados no desemprego.

Ana Delicado inquiriu investigadores portugueses que estavam no estrangeiro e concluiu que a maioria tinha “expectativas de voltar ou tinha acabado de voltar” ao país. Mas esses eram tempos de crescimento no sector ainda. Hoje, a situação é diferente, antecipa. “Algumas pessoas que entrevistei já se foram embora para o estrangeiro e outras estão desempregadas.”

Diáspora científica
Não se conhece assim a situação real de quantos partiram do país e de quantos vieram para cá, portugueses ou estrangeiros. Mas há sempre alguém que conhece alguém que já partiu. Só Filipa Marques enumera, de uma assentada, mais de uma dezena de partidas só nos últimos dois anos. Uma colega geóloga do Creminer foi para Macau, com o marido, biólogo, e os filhos. Outra, do Centro de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), foi para o sultanato de Omã com o marido, também geólogo (“Acabou o doutoramento, candidatou-se no ano passado a um pós-doutoramento, não teve bolsa, o marido teve uma proposta interessante em Omã e lá foram os dois mais os catraios”). Ainda outra colega geóloga, depois de umas quantas bolsas de investigação da FCT para trabalhar em projectos da FCUL, partiu para o Reino Unido (“Não via cá qualquer perspectiva”). Vários do Departamento de Geologia da FCUL tiveram Angola como destino e um outro, “depois do doutoramento, sem perspectivas cá”, rumou para a Austrália.

Da equipa que trabalhava com o robô submarino português, o ROV Luso, como aliás Filipa Marques, houve também três saídas, de engenheiros e biólogos, para o estrangeiro. Fala ainda de um biólogo doutorado do Centro de Oceanografia da FCUL que abalou para França. “E tinha dois colegas Ciência 2008 [contratos a cinco anos para doutorados, que terminam agora], um catalão e uma francesa, que rumaram aos seus países depois de perceberem que não havia perspectivas de futuro”, remata Filipa Marques.

“Tenho muitos amigos na mesma situação, é só abrir a lista telefónica”, comenta, por sua vez, José Carlos Fonseca. Doutorado há um ano e meio pela Universidade de Cambridge, este físico está a ultimar a saída do país. Conversou com o PÚBLICO num intervalo da “epopeia” para a obtenção do visto que lhe permitirá a entrada na África do Sul, a partir de Março.

Depois do doutoramento no Reino Unido, tentou regressar a Portugal. Candidatou-se a uma bolsa de pós-doutoramento da FCT. Há um ano soube que não foi aprovado, mas não ficou frustrado. “Admito que a proposta não era suficientemente boa.” Este ano aconteceu o mesmo, mas o sentimento é diferente. “Agora acho que fui injustiçado.”

A proposta que a FCT decidiu não apoiar é a mesma que duas outras instituições na África do Sul entenderam merecedoras de uma bolsa de pós-doutoramento. Com “o mesmo orientador e o mesmo tipo de trabalho”. Mas o que em Portugal não vingou foi disputado pelos sul-africanos, ao ponto de José Carlos Fonseca ter podido escolher entre as duas bolsas a que lhe dava melhores condições. “É irónico”, comenta.

Já Alexandra Cunha está no Reino Unido desde Novembro de 2012, onde é consultora da Comissão Conjunta para a Conservação da Natureza, que coordena este trabalho e aconselha o governo do país. Mudou-se para Peterborough, a norte de Londres. Parece que voltamos a ouvir Filipa Marques: “Gosto muito do que faço, do ambiente de trabalho e de estar num local onde as coisas estão organizadas e funcionam. Apesar de estrangeira, fui recebida de braços abertos e rapidamente integrada.”

Formada em Biologia na Universidade de Aveiro, Alexandra Cunha tem uma experiência larga em investigação e conservação de habitats marinhos. Foi técnica superior do Parque Natural da Ria Formosa, ao mesmo tempo que fazia um mestrado em Gestão Costeira na Universidade do Algarve, onde se especializou em pradarias marinhas.

Depois foi para os Estados Unidos, onde fez o doutoramento em Gestão da Floresta e da Vida Selvagem, antes de regressar a Portugal. Voltou em 2000, para trabalhar no Centro de Ciências do Mar, como pós-doutorada. Teve uma bolsa de pós-doutoramento durante seis anos. Trabalhou mais cinco anos em investigação, conservação e gestão de pradarias marinhas: foi ainda convidada para coordenar um projecto europeu LIFE Biomares de gestão e recuperação do habitat do Parque Marinho Professor Luiz Saldanha (Arrábida), também com uma bolsa.

“Estive 12 anos em Portugal e nunca houve abertura para concorrer a lugar nenhum que desse continuidade ao meu trabalho. Isto, claro, por melhor que fosse o meu trabalho”, desabafa. Há dois anos, depois de ter concorrido a vários projectos e bolsas que não foram financiados, desistiu. “Dado o panorama em Portugal, decidi procurar emprego fora.” Concorreu para a Austrália, Moçambique, Brasil e Inglaterra, onde acabou por encontrar emprego.

Nesta recente diáspora de cientistas portugueses, o centro norueguês de investigação onde está Filipa Marques tinha recebido outra portuguesa um pouco antes da chegada dela, uma bióloga da Universidade dos Açores especialista em esponjas marinhas. “Veio na mesma situação que eu, revoltada.”

A diferença entre cá e lá? “No Creminer estava sozinha, era a única investigadora jovem que não era professora da universidade a trabalhar nesta área. Aqui faço parte de uma equipa de gente com diferentes backgrounds. Há sempre alguém que sabe algo que não sei e pode ensinar-me. A Noruega aposta na investigação do mar”, responde Filipa Marques. Exemplificando: o centro de investigação onde está obteve financiamento norueguês para comprar um veículo submarino operado à distância (ROV), para mergulhar a pelo menos quatro mil metros, e está a preparar-se a próxima missão para ele, em busca de fontes hidrotermais no Árctico.

“Não é um país de luxos, trabalha-se bem e vive-se bem. Precisava de paz para poder trabalhar e não estar preocupada com contas para pagar e se no próximo mês vou receber. A insegurança, com que a FCT tinha tentado terminar, voltou agora. Ninguém confia nos anúncios da FCT, que não os cumpre. Essa insegurança está a levar as pessoas para fora [do país].”

“Claro que não penso regressar”
Para já, é na Cidade do Cabo que os próximos três anos da vida de José Carlos Fonseca serão passados, dando seguimento ao seu projecto: estudar a forma como evoluiu a distribuição da matéria no Universo primordial, usando a radiação das primeiras nuvens de gases e poeiras.

Para isso vai estar integrado no SKA, o primeiro telescópio intercontinental cujas antenas vão espalhar-se por África do Sul, Moçambique, Austrália e Nova Zelândia. “Não sei o que vai acontecer a seguir”, diz, lamentando “a falta de oportunidades para se fazer ciência em Portugal.” “Estamos a ser expulsos por falta de opções.”

Sem rodeios, Alexandra Cunha diz o que planeia para o seu futuro: “É claro que não penso regressar a Portugal. Sinto muitas vezes que fui posta de castigo e no que terei feito de errado para merecer ter de sair do meu país.” Não tem interesse em voltar a uma situação de trabalho precário e a centros e investigação ou a instituições com fortes constrangimentos financeiros e operacionais. Isto, apesar de trabalhar em biologia marinha e o mar fazer parte dos discursos políticos como uma das prioridades do país. “Não passam de intençõe, e não tem sido feito nada para isso. Em Inglaterra investem muitíssimo no mar. Só na minha equipa somos cerca de 90 pessoas a trabalhar como assessores só na área marinha offshore.” Parece que ouvimos de novo Filipa Marques.

“É normal haver mobilidade de cientistas, não é isso que me choca, mas o que vemos agora é que a mobilidade se faz toda num sentido. Todos partem e nenhum fica”, lamenta também Filipa Marques. “A média de idade dos professores do Departamento de Geologia em Lisboa é de 50 e tais. Não há massa crítica de jovens investigadores do departamento. Os poucos alunos de doutoramento e pós-doutoramento contam-se pelos dedos da mão. E esses em breve também vão partir assim que acabarem as bolsas.” Filipa Marques dixit, enquanto na Noruega continua a tricotar um cachecol bege – “em pura lã norueguesa”. Com Nicolau Ferreira

Carta aberta ao senhor ministro da Educação e Ciência
19/01/2014 – in Público

O frágil e muito promissor edifício da investigação científica construído em Portugal nas últimas décadas está em risco. Risco sério: porque poderemos a breve prazo vir a recuar para ocupar de novo o lugar na cauda da Europa. Centros, laboratórios, programas de investigação e candidaturas a bolsas têm sido afectados por cortes brutais de financiamento público, capazes de provocar descontinuidades e impor bloqueios. Mas o pior é que este recuo pode não estar associado apenas à crise financeira que o país atravessa e que obviamente compreendemos, mas a opções numa área que representa muito pouco na despesa do Estado – e dos fundos estruturais da União Europeia, sublinhe-se – e é uma alavanca decisiva para a modernização de Portugal.

Em paralelo, os critérios e os processos de avaliação dos concursos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) têm-se revelado pouco claros e transparentes. Sobretudo, a avaliação dos concursos de 2013 causou situações de uma injustiça gritante que urge resolver. As constantes mudanças de regulamentos, a falta de planificação, as permanentes alterações dos prazos, e a confusão burocrática anexa, caracterizam infelizmente os programas que têm sido lançados, ao que acresce o perigo de regresso a um modelo clientelar e não meritocrático de avaliação pelo pares.

Será necessário perceber se a FCT tem uma estrutura funcional capaz de dar conta do edifício científico. Para isso, será necessário pôr o dedo na ferida e perceber até onde vai a falta de recursos, materiais e sobretudo humanos, e como evitar uma excessiva dependência de calendários circunstanciais impostos pelo Ministério das Finanças ou das apetências clientelares pelo fundos estruturais que aí vêm. Ou seja, como pode a FCT criar as condições de estabilidade para defender a autonomia da ciência?

Preocupa-nos também a desorientação geral com que têm sido tratadas as candidaturas das mais jovens gerações. Partilham elas expectativas e compromissos que são defraudados sem complacência. A geração situada entre os 30 e 40 anos – que se tem imposto pelos seus currículos de investigação guiada pelos melhores padrões – corre o risco de ser varrida, perdendo-se o investimento realizado nas últimas duas décadas e regressando-se ao atraso paroquial de onde saímos há ainda muito pouco tempo.

Estamos conscientes que, quando as taxas de sucesso em concursos públicos para a investigação (bolsas e projectos) baixam para números risíveis, quase seria preferível não abrir os mesmos concursos. Mantê-los equivale a continuar um simulacro de “excelência” e “internacionalização”, em que por vezes o custo dos avaliadores acaba por ser superior ao número de bolsas atribuídas. Ora, em “casa onde não há pão” e onde as regras deixam de ser claras, criou-se todo um clima de suspeição, resultado directo do desinvestimento e do reforço dos poderes das clientelas.

Os apoios à investigação dependem do reforço das boas instituições e dos bons investigadores e projectos, avaliados correctamente e por critérios rigorosos (outra conquista recente que nada tem a ver com a existência de menores recursos). Acreditamos, pois, que seria fundamental, em relação às instituições, recompensar as melhores e “reformar” as piores.

As carreiras de investigação como as de professor nas universidades estão fechadas. E o modelo de crescimento das universidades e dos centros de investigação, se existe, faz-se à custa de trabalho precário, contratos de poucos anos, chegando até aos cinco meses para cobrir apenas o semestre. Por sua vez, os riscos de não fomentar a autonomia e a liberdade na criação da ciência são enormes, se não se respeitarem as diferentes escalas. Por exemplo, a simples vinculação das bolsas individuais a projectos faz desaparecer temas e objectos de enorme potencial inovador, que se não fazem parte da agenda do “grande professor” não existem. A passagem de todas as bolsas de doutoramento para as universidades elimina a liberdade de alguns estudantes escolherem instituições internacionais de ponta nas suas áreas. Também é de recear que as agendas de investigação, progressivamente dominantes nos centros de investigação, sejam cada vez mais a agenda dos decisores políticos de circunstância e dos naturais interesses que os apoiam. Por todas estas razões, impõe-se a defesa da autonomia, da liberdade científica e da investigação fundamental, guiada pela avaliação rigorosa da qualidade e do impacto na comunidade e na sociedade.

Porque não aceitamos que se destrua o processo de criação de um ensino superior feito no contacto permanente com a investigação científica, lutamos pela autonomia, mas não podemos prescindir dos recursos financeiros que a sustentam. Tão-pouco podemos aceitar que o futuro das gerações mais jovens de investigadores altamente qualificados fique hipotecado e seja, pura e simplesmente, espatifado.

É natural que, num período de crise, os escassos recursos sejam canibalizados pelos interesses mais poderosos e o próximo exercício dos fundos da União Europeia vai torná-lo seguramente mais claro. Mas esperamos que seja respeitado o consenso em torno da ideia de que o investimento em investigação científica é, de facto, o mais rentável para que o desenvolvimento do país não seja apenas aparente.

Manuel Sobrinho Simões, António Costa Pinto, Diogo Ramada Curto

Investigadores e professores universitártios

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