Bagão Félix
OPINIÃO
Falácias e mentiras sobre pensões
BAGÃO FÉLIX 13/01/2014 – in Público
A ideologia punitiva sobre os
mais velhos prossegue entre um muro de indiferença, um biombo de manipulação,
uma ausência de reflexão colectiva e uma tecnocracia gélida.
Escreveu Jean Cocteau: “Uma garrafa de vinho meio vazia está
meio cheia. Mas uma meia mentira nunca será uma meia verdade”. Veio-me à
memória esta frase a propósito das meias mentiras e falácias que o tema pensões
alimenta. Eis (apenas) algumas:
1. “As pensões e salários pagos pelo Estado ultrapassam os
70% da despesa pública, logo é aí que se tem que cortar”. O número está, desde
logo, errado: são 42,2% (OE 2014). Quanto às pensões, quem assim faz as contas
esquece-se que ao seu valor bruto há que descontar a parte das contribuições
que só existem por causa daquelas. Ou seja, em vez de quase 24.000 M€ de
pensões pagas (CGA + SS) há que abater a parte que financia a sua componente
contributiva (cerca de 2/3 da TSU). Assim sendo, o valor que sobra representa
8,1% da despesa das Administrações Públicas.
2. Ou seja, nada de diferente do que o Estado faz quando
transforma as SCUT em auto-estradas com portagens, ao deduzi-las ao seu custo
futuro. Como à despesa bruta das universidades se devem deduzir as propinas. E
tantos outros casos…
3. Curiosamente ninguém fala do que aconteceu antes: quando
entravam mais contribuições do que se pagava em pensões. Aí o Estado não se
queixava de aproveitar fundos para cobrir outros défices.
4. Outra falácia: “o sistema público de pensões é
insustentável”. Verdade seja dita que esse risco é cada vez mais consequência
do efeito duplo do desemprego (menos pagadores/mais recebedores) e - muito
menos do que se pensa - da demografia, em parte já compensada pelo aumento
gradual da idade de reforma (f. de sustentabilidade). Mas porque é que tantos
“sábios de ouvido” falam da insustentabilidade das pensões públicas e nada
dizem sobre a insustentabilidade da saúde ou da educação também pelas mesmas
razões económicas e demográficas? Ou das rodovias? Ou do sistema de justiça? Ou
das Forças Armadas? Etc. Será que só para as pensões o pagador dos défices tem
que ser o seu pseudo “causador”, quase numa generalização do princípio do
poluidor/pagador?
5. “A CES não é um imposto”, dizem. Então façam o favor de
explicar o que é? Basta de logro intelectual. E de “inovações” pelas quais a
CES (imagine-se!) é considerada em contabilidade nacional como “dedução a
prestações sociais” (p. 38 da Síntese de Execução Orçamental de Novembro, DGO).
6. “95% dos pensionistas da SS escapam à CES”, diz-se com
cândido rubor social. Nem se dá conta que é pela pior razão, ou seja por 90%
das pensões estarem abaixo dos 500 €. Seria, como num país de 50% de pobres,
dizer que muita gente é poupada aos impostos. Os pobres agradecem tal desvelo.
8. “As pensões podem ser cortadas”, sentenciam os mais
afoitos. Então o crédito dos detentores da dívida pública é intocável e os
créditos dos reformados podem ser sujeitos a todas as arbitrariedades?
9. “Os pensionistas têm tido menos cortes do que os outros”.
Além da CES, ter-se-ão esquecido do seu (maior) aumento do IRS por fortíssima
redução da dedução específica?
10. Caminhamos a passos largos para a versão refundida e
dissimulada do famigerado aumento de 7% na TSU por troca com a descida da TSU
das empresas. Do lado dos custos já está praticamente esgotado o mesmo efeito
por via laboral e pensional, do lado dos proveitos o IRC foi já um passo
significativo.
11. Com os dados com que o Governo informou o país sobre a
“calibrada” CES, as contas são simples de fazer. O buraco era de 388 M€.
Descontado o montante previsto para a ADSE, ficam por compensar 228 M€ através
da CES. Considerando um valor médio de pensão dos novos atingidos (1175€
brutos), chegamos a um valor de 63 M€ tendo em conta o número – 140.000 pessoas
- que o Governo indicou (parece-me inflacionado…). Mesmo juntando mais alguns
milhões de receitas por via do agravamento dos escalões para as pensões mais
elevadas, dificilmente se ultrapassam os 80 M€. Faltam 148 M , quase 0,1% do PIB (dos
0,25% que o Governo entendeu não renegociar com a troika, lembram-se?).
Milagre? “Descalibração”? Só para troika ver?
P.S. Uma nota de ironia simbólica (admito que demagógica):
no Governo há “assessores de aviário”, jovens promissores de 20 e poucos anos a
vencer 3.000€ mensais. Expliquem-nos a razão por que um pensionista paga CES e
IRS e estes jovens só pagam IRS! Ética social da austeridade?
Economista, ex-ministro das Finanças
CDS de Portas, um limão espremido
O segmento dos pensionistas e
idosos já (não) votará novamente no “Paulinho das feiras”
Por Ana Sá Lopes
publicado em 13 Jan 2014/ in (jornal) i online
O CDS esteve quase morto, no início dos anos 90, e foi Paulo
Portas que o ressuscitou. Sob a liderança de Adriano Moreira, o partido ficou
reduzido àquilo que ficou popularizado pelo “partido do táxi” – eram só quatro
deputados eleitos, o próprio Adriano Moreira, Nogueira de Brito, um deputado em
regime rotativo eleito por Aveiro e Narana Coissoró, líder parlamentar. Na
realidade, só existia na frente política Narana Coissoró – estava habitualmente
sozinho a enfrentar o governo cavaquista e a esquerda. Os restantes tinham
funções diminutas no combate político. Com a demissão de Adriano Moreira na
sequência da derrota clamorosa, Freitas do Amaral é reeleito presidente do
partido. Mas aqui a famosa frase de Cesare Pavese – “Nada é mais inabitável do
que o lugar onde se foi feliz” – revelou-se adequadamente trágica. Surgem,
entretanto, Manuel Monteiro e “O Independente” de Paulo Portas, com uma agenda
poderosa, populista, popular, eurocéptica e que se revelou decisiva para
ressuscitar o partidofundador do regime democrático do estado de coma eleitoral
em que o tinham deixado os fundadores.
Portas ajudou a criar Manuel Monteiro, embora Monteiro
tivesse “vida própria” e não se reduzisse a um mero fantoche do director de “O
Independente”. Mas não dispunha da sua argúcia e capacidade de sobrevivência
quase imbatível entre os políticos portugueses no activo. Portas sobreviveu a
vários escândalos, a vários desaires políticos – mas como sobreviverá à traição
de todo o seu programa eleitoral sobre o qual fundou a sua liderança? O
segmento dos pensionistas, idosos, pessoal das feiras, etc. já não pode voltar
a pôr o voto no “Paulinho das feiras” transmutado no Portas das Laranjeiras. A
explicação sobre o que aconteceu em Julho não existiu – talvez nem pudesse
existir – mas a sua formulação em congresso, com o recurso à expressão “o que
tem que ser tem muita força” não poderia ter sido mais infeliz. Se hoje existe
governo, é porque Pedro Passos Coelho recusou a demissão de Paulo Portas, coisa
em que, de facto, na altura ninguém acreditava. E este gesto de Passos Coelho
teve mais apoio dentro do CDS do que a demissão “irrevogável” de Portas. O
cargo de vice-primeiro-ministro e o de interlocutor com a troika cola Paulo
Portas a Passos Coelho para o resto da legislatura, com evidentes prejuízos
para o primeiro. É natural que o próprio Portas já admita que a sua sucessão
está na rua. As feiras e a lavoura vão ter outros visitantes do CDS. E, ao que
parece, são muitos os disponíveis.
Os dois relógios da coligação PSD/CDS
Editorial/Público
Começou o namoro para a coligação nas legislativas. Ainda
não se sabe se vai terminar em casamento. No encerramento do congresso, o líder
do CDS-PP lembrou que a coligação governativa com o PSD será a primeira a
terminar o mandato em 40 anos de democracia e vaticinou que “a partir daí não
seremos os últimos a fazê-lo”. Passos Coelho diz que a matéria será analisada
“a seu tempo”. A questão é saber que tempo é esse. Há dois relógios que vão
determinar esse tempo. O relógio da troika que está no Largo do Caldas. A
existência de uma coligação para as legislativas vai depender da forma como
Portugal sair do resgate (programa cautelar, “saída limpa” ou segundo resgate).
E o relógio das europeias (na qual os dois partidos concorrem juntos), que já
começou a contar. Com um mau resultado, dificilmente Paulo Portas conseguirá
convencer os militantes da bondade de um casamento em 2015.
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