Um cortejo fúnebre pela ciência
NICOLAU FERREIRA 21/01/2014 – in Público
Cerca de mil pessoas manifestaram-se contra as políticas da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Lisboa. Polícia impediu candidatos a
bolsas de entrarem na Loja do Cientista, na sede da fundação.
Gritos, assobios, berros. Já passava das 17h quando os
bolseiros, candidatos bolseiros e elementos da comunidade científica fizeram-se
ouvir nesta terça-feira na Avenida Carlos I em Lisboa, em frente à sede da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). “Bolseiros em luta, Crato para a
rua”, “Incompetência está aí, excelência está aqui” ou “Demissão! Demissão!”
Por esta altura, já os chapéus-de-chuva estavam guardados, e parte das cerca de
mil de pessoas foram-se indo embora na manifestação marcada pela Associação dos
Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), depois de se ficar a saber na
última quarta-feira os cortes nas bolsas individuais de doutoramento e de
pós-doutoramento da FCT.
Mas o momento de tensão ainda estava para ocorrer, quando
foi pedido a todos os candidatos que não conseguiram as bolsas que entrassem na
Loja do Cientista, na FCT, para pedir as actas de avaliação das candidaturas,
para fazerem um pedido de audição. Nesse momento, quando dezenas de candidatos
se dirigiram para a loja, caminhando pelo passeio junto à sede da fundação,
cerca de uma dezena de polícias bloqueou a passagem. Pouco após as 17h30,
depois do fechdo da Loja do Cientista, os cerca de 200 manifestantes que
restavam desmobilizaram. A mensagem estava dada.
“Eles perceberam que não vamos ficar calados”, disse Maria
Dávila, bolseira da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da
Universidade Nova de Lisboa e que pertence à ABIC. “Isto não é comportável,
esta gente que está aqui não tem outra forma de sustento”, explicou aos
jornalistas. No concurso individual de doutoramento e pós-doutoramento, 5190
pessoas não obtiveram financiamento. “Para o ano serão mais”, avisa a bolseira
de doutoramento, quando a concentração de pessoas já se tinha dirigido para uma
rua ao lado, perto da residência oficial do primeiro-ministro, Pedro Passos
Coelho.
A manifestação tinha-se iniciado no passeio oposto à sede da
FCT. Passavam poucos minutos das 15h já uma pequena multidão estava aglomerada,
chapéus-de-chuva abertos, chuva sem parar.
“Desde a década de 1990 que a FCT investiu mais de um milhão
de euros em mim, entre projectos e bolsas”, desabafa Francisco Moreira,
professor e investigador na na área da
conservação da natureza no Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa. “Ainda
tenho uma bolsa até Maio, graças a projectos a que me candidatei. Depois disso,
não sei”, diz este pós-doutorado com 48 anos, a trabalhar no ISA desde 1997. “O
que o nosso ministro nos manda é sair do país. É muito triste, estas pessoas ou
ficam sem dinheiro ou vão mostrar as suas competências ao serviço de outro
país.”
Ao seu lado, Ana Isabel Queiroz, professora na FCSH, que
ganhou este ano uma bolsa do concurso Investigador FCT na área da história,
desconstrói a exaltação da excelência que se tem ouvido por parte dos
responsáveis do ministério da Ciência: “As pessoas foram apoiadas no passado
porque foram respondendo ao que lhes era pedido, foram produzindo. Não deixaram
de ser excelentes de um momento para o outro.”
Rui Rebelo, professor de biologia da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa, está ali pelos seus alunos: “Como professor, deixei
de me sentir confortável em dizer aos meus alunos para seguirem uma carreira
científica. É virtualmente impossível seguir o processo normal de licenciatura,
doutoramento, pós-doutoramento.”
Quando a manifestação seguiu até à residência do
primeiro-ministro parecendo um cortejo fúnebre, onde quatro figuras cobertas
por um manto preto, como a morte, e com a cara tapada com as fotografias de
Pedro Passos Coelho, Nuno Crato (ministro da Educação e Ciência), Leonor
Parreira (secretária de Estado da Ciência) e Miguel Seabra (presidente da FCT),
levavam um caixão de madeira, com a parte de cima coberta com um plástico
preto. Aí lia-se: “Aqui jaz a ciência.”
“Esta manifestação é para dar um sinal claro e inequívoco de
que esta situação não pode continuar”, diz Joana Campos, do grupo dos bolseiros
dos Precários Inflexíveis (PI). “A política de investigação e ciência promovida
pelo Governo não tem aceitação na comunidade científica, os cortes aplicados
pelo Governo estão a dar cabo de toda a investigação construída durante
décadas.”
De 2012 para o de 2013, houve uma redução de cerca de 65% de
bolsas de pós-doutoramento atribuídas e de 40% de doutoramento, tendo em conta,
nestas últimas bolsas, os novos programas doutorais da FCT.
Para a ABIC, os resultados das bolsas são “uma razia” e
mostram uma “política de desinvestimento e de abdicação de defesa dos
interesses nacionais em detrimento das opções ditadas em esferas
internacionais”. À concentração uniram-se outras organizações como os PI e a
Plataforma em Defesa da Ciência e do Emprego Científico. Associações de
estudantes de algumas universidades como a Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa e do ISCTE – Instituto Universitário de
Lisboa também se associaram ao protesto. Investigadores do Instituto de
Biologia Molecular e Celular, um laboratório associado do Porto, estavam
presentes. Do Porto, Coimbra e Aveiro vieram entre 170 e 180 pessoas, de acordo
com a ABIC.
Desde a última quarta-feira, várias personalidades do mundo
científico, como Alexandre Quintanilha, Carlos Fiolhais, Manuel Sobrinho
Simões, Diogo Ramada Curto, Miguel Soares, António Costa Pinto, criticaram as
políticas científicas do actual Governo. Alexandre Quintanilha, professor da
Universidade do Porto e secretário do Conselho dos Laboratórios Associados (uma
rede de 26 laboratórios espalhada pelo país), referiu mesmo: “Se a comunidade científica
não perceber nesta altura que isto é um ataque geral à grande maioria dos
investigadores no país e se não se unir para ver se consegue alterar esta
situação, então teremos aquilo que merecemos”, disse, citado pela agência Lusa.
No PÚBLICO, uma carta aberta dirigida a Nuno Crato, ministro
da Educação, Ciência e Ensino Superior, Manuel Sobrinho Simões, Diogo Ramada
Curto e António Costa Pinto, três investigadores e professores, dizem que “os
critérios e os processos de avaliação dos concursos da Fundação para a FCT
têm-se revelado pouco claros e transparentes”. Acrescentam: “Sobretudo, a
avaliação dos concursos de 2013 causou situações de uma injustiça gritante que
urge resolver. As constantes mudanças de regulamentos, a falta de planificação,
as permanentes alterações dos prazos, e a confusão burocrática anexa,
caracterizam infelizmente os programas que têm sido lançados, ao que acresce o
perigo de regresso a um modelo clientelar e não meritocrático de avaliação
pelos pares”.
Nesta terça-feira, a Lusa noticiou que foi chumbado o
requerimento do PCP para a audição de Nuno Crato e de Leonor Parreira na
Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura sobre o concurso de bolsas
individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Mas a requisão do Bloco de
Esquerda para uma audição de Miguel Seabra, na mesma comissão, foi aceite.
“Portugal pagou os meus estudos e eu vou ter de
aplicá-los lá fora”
A Fundação Ciência e
Tecnologia reduziu o número de bolsas individuais atribuídas este ano. O P3
ouviu um dos 2072 investigadores que não foram contemplados com bolsas de
pós-doutoramento. Quais planos para o futuro?
Texto de Amanda Ribeiro • 20/01/2014 in P3 / Público
"Não ganhar a bolsa foi um golpe emocional muito
grande. Aquilo que mais custou admitir na recusa do projecto, de que ainda vou
recorrer, foi a não argumentação. De acordo com a avaliação, o projecto é
excelente, mas mesmo assim não dão a bolsa. É a humilhação de nos dizerem que
somos bons, que valemos a pena, mas que não podemos ser financiados. Não estou
de mal com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), até porque me
financiaram o doutoramento, mas é doloroso. É uma dor — e dói mesmo.
[De acordo com dados provisórios recolhidos pela Associação
de Bolseiros de Investigação Científica], este ano foram atribuídas cinco
bolsas em Estudos Literários e Linguística. Sem dúvida que as ciências exactas
são mais compreendidas enquanto ciência, mas o corte foi transversal, idêntico
em todas as áreas, e também há menos gente a fazer investigação em Ciências
Humanas. Às vezes tenho de explicar o que raio estou a fazer a colegas de
Engenharia. O conhecimento da nossa história, da nossa literatura, da nossa
cultura é tão fundamental como compreender como reagem determinados elementos
químicos para fazer um novo produto. Investigar em estudos culturais é
perscrutar o coração de uma sociedade, de uma cultura.
Faço parte de um grupo chamado Seminário Medieval de Literatura,
Pensamento e Sociedade que pertence ao Instituto de Filosofia da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto (FLUP). É um grupo bastante coeso e estamos a
fazer bastante investigação, temo-nos internacionalizado muito e são as bolsas
que o permitem. Por muito que gostemos, há que pagar as contas, há que ter uma
vida própria, que comer, que viajar muito para ir a congressos, fazer pesquisa
em bibliotecas.
Eu, agora, felizmente, estou num projecto de investigação na
área da Filosofia, que envolve a transcrição e a análise de manuscritos sobre
comentários do “De Anima” de Aristóteles. Este projecto termina a 30 de Junho e
depois ia começar o “pós-doc”. Agora é um mistério. Vou recorrer dos resultados
— a 1.ª fase para contestar é até 28 de Janeiro — mas isto vai demorar meses,
demora sempre meses. São meses que passam...
O que eu posso fazer aqui é continuar a concorrer a
projectos exploratórios deste tipo, que são anuais, às vezes nem isso, sem
nenhum projecto individual em que eu seja responsável pela investigação. Mas
para evoluirmos enquanto investigadores temos de ter um projecto próprio e
grande, do qual somos inteiramente responsáveis. Nós fazemos falta às
universidades. Na FLUP há poucas pessoas e os bolseiros dão apoio, podem dar
algumas aulas, dão outro “insight” que os professores não têm. Perde-se
qualidade no ensino. E variedade.
Dar filhos para o estrangeiro
Sou sincera. A minha primeira reacção quando soube [os
resultados] foi “eu vou-me embora daqui”. E eu não quero ir embora de Portugal,
atenção. Sou teimosa. Chorei, fiquei desolada porque não quero embora. Mas se
eu não puder ser bolseira de projectos mais pequenos — que são sempre a prazo,
é difícil planear a vida — vou ter de ir lá para fora. Sempre disse só ia
quando me dessem um pontapé ou me pusessem uma faca nas costas — o que torna
tudo mais perverso. Nós fomos formados em Portugal: o ensino básico, a
licenciatura, o mestrado, o doutoramento, financiado pela FCT. O nosso
resultado académico depende muito do ensino público. O meu país pagou os meus
estudos e eu agora vou ter de dar a render aquilo que aprendi aqui lá fora.
Isto está a ficar cada vez mais um país de velhos que nem
serve para os velhos. No meu caso, tenho 29 anos, há coisas que gostava de
poder fazer e sei que não posso porque não tenho essa estabilidade. Não posso
pensar em constituir família. E como eu há pessoas que estão em situações ainda
mais graves. Vamos lá para fora e as crianças que temos também ficam lá fora. É
quase um país que está a dar filhos para o estrangeiro, sobretudo os mais
qualificados, os que tiveram uma formação de topo. E chegamos lá fora e somos
reconhecidos.
Sim, eu tenho outras competências e sei fazer outras coisas,
mas se chego a uma empresa para trabalhar como secretária com 29 anos e um
doutoramento dizem que não sei fazer nada. Em qualquer outra área, fora da
investigação, acham que uma pessoa esteve a passear, que não trabalhou a sério.
Uma pessoa que tem um doutoramento para que serve? Ainda para mais nesta área?
Não me habituo à vida a termo e dói-me muito, mas não me
vejo a largar a investigação. É uma paixão, e quando se faz um trabalho com
gosto ainda produzimos mais. Deixar a investigação não, mas estou farta de
viver a curto-prazo. Mesmo a bolsa de pós-doutoramento dura, no máximo, seis
anos, e não é garantido porque a renovação é anual. Não vou deixar de fazer
investigação na minha área, mas provavelmente só lá fora. Sou filha única e vim
morar para junto do meu pai, ele tem problemas de saúde. Eu não queria
abandonar os meus pais, queria poder usufruir do tempo que tenho com eles, que
ainda vai ser muito, claro. A nível emocional, parece que temos de andar a
fazer uma jigajoga para conseguir combinar as nossas vidas com as das outras
pessoas para podermos comer. O que eles querem de nós é que andemos a correr o
mundo com três filhos às costas."
4 em cada 10 jovens sem dinheiro para estudar
por Lusa, editado por Ricardo Simões Ferreira in DN online / 21/01/2014
Portugal tem uma das mais altas percentagens de jovens que
queriam prosseguir os estudos, mas não têm possibilidade de os pagar (38 por
cento, cerca de 4 em cada 10), revela um inquérito patrocinado pela Comissão
Europeia que é hoje apresentado em Bruxelas.
O estudo incidiu em 5.300 jovens, 2.600 empregadores e 700
instituições educativas de oito países da União Europeia: França, Alemanha,
Grécia, Itália, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido.
Intitulado "Educação para o Emprego: Pôr a Juventude
Europeia a Trabalhar", o designado relatório McKenzie sublinha que entre
os oito países estão as cinco maiores economias da Europa (Inglaterra, França,
Alemanha, Itália e Espanha), dois dos países mais afetados pela crise (Grécia e
Portugal) e um da Escandinávia (Suécia).
No conjunto, estes países têm perto de 75 por cento do
desemprego jovem na União Europeia a 28.
O valor das propinas pago pelos estudantes nas universidades
públicas ultrapassa os mil euros por ano e o relatório indica outro fator que
eleva as despesas: a deslocação da área de residência. "45 por cento dos
jovens tem de sair da sua cidade para continuar a estudar".
Neste inquérito, um terço (31 por cento) dos jovens
portugueses declarou não ter tempo para estudar porque tinha de trabalhar, o
valor mais elevado entre os países analisados.
Além da situação económica, em geral, é também afirmado que
"problemas com o sistema de educação-emprego não estão a ajudar", já
que "apenas 47 por cento dos jovens acredita que os seus estudos
pós-secundário melhoraram as perspetivas de emprego".
Os empregadores, por seu lado, dizem que não encontram as
qualificações que precisam. Trinta por cento relatou não preencher vagas porque
não encontrar um candidato com as competências adequadas.
"As coisas estão obviamente quebradas no percurso
educação para o emprego em Portugal", concluem os relatores.
No documento, refere-se que Portugal "sofreu muito
durante a recessão", com a taxa de emprego global a cair quase 8 pontos
percentuais e o desemprego entre os jovens a subir para 37 por cento.
O relatório é apresentado hoje em Bruxelas numa conferência
que tem como principal oradora a comissária Androulla Vassiliou, responsável
pela Educação, Cultura, Multilinguismo e Juventude.
De acordo com a comissária, o relatório da consultora
McKenzie não podia estar mais atual: "Na Europa, o desfasamento entre
aquilo que os sistemas de educação oferecem e as necessidades dos empregadores
está a resultar numa séria escassez de competências, a prejudicar as aspirações
da juventude e, por último, a nossa prosperidade futura".
O relatório contém "uma mensagem clara", lê-se no
documento que enquadra a iniciativa: "Políticos, educadores e empresários
devem todos sair dos seus silos e colaborar mais estreitamente para evitar o
que é uma crise de crescimento".
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