sábado, 18 de janeiro de 2014

Quanto mais instruídos e ricos, menos solidários são os portugueses.

Lourenço Xavier de Carvalho. "A continuar assim, corremos o perigo de formar ladrões competentes"
Por Isabel Stilwell
publicado em 16 Jan 2014 in (jornal) i online

Sociólogo demonstra na sua investigação que quanto mais escolarizado e rico é o português, menos valor atribui à justiça, à honra ou à solidariedade
Quanto maior é a escolaridade e mais alto é o rendimento, menor é a predisposição para ajudar os outros ou para lutar por valores como a justiça, a amizade ou o amor. A correlação está demonstrada no estudo "Literacia social: os valores como fundamento de competência", que Lourenço Xavier de Carvalho apresenta hoje em Mafra na conferência internacional sobre Literacia Social. Boa parte da culpa é das políticas de educação, mais centradas nas competências técnicas, defende o sociólogo. O que "é preocupante", tendo em conta que são os mais instruídos a integrar as elites políticas e ocupar cargos de liderança. O estudo do presidente do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano traz outras surpresas para os que julgam que a família caiu em desuso. Não só está no topo dos objectivos de vida da maioria dos portugueses como ainda assenta nos conceitos tradicionais de fidelidade conjugal e casal heterossexual.

Segundo o inquérito que fez para a tese de doutoramento, quais são os principais valores dos portugueses?

Os portugueses iniciam esta segunda década do novo século com uma esperança renovada nos valores imateriais como base da sua realização pessoal e social. Afastam-se progressivamente de uma visão de vida puramente materialista, predominando os valores do amor e da família. São mais tolerantes, mas sensíveis ao sofrimento dos outros, com maior consciência da importância de desenvolver competências para o mundo globalizado, quer na perspectiva profissional, quer social.

Definem a sociedade a que pertencem com a mesma generosidade?

Afirmam-se como cidadãos de uma sociedade mais individualista, em que cada qual cuida de si, pelo que a positiva aproximação a valores mais imateriais está numa fase centrada no "eu" - a "minha" família, em quem confio, a quem recorro, por quem me sacrifico incondicionalmente. O amor que quero receber, a qualidade humana que quero ter, a competência que preciso de desenvolver...

O que conclui da sua análise sobre o valor de "ter uma família sólida"?

A família surge, em diversas áreas do estudo, como o "porto seguro", ou seja, como garante de estabilidade no presente e para o futuro. Mesmo para um sociólogo com especialidade em sociologia da família, como eu, os resultados foram surpreendentes.

Ao contrário daquela ideia, quase ideologia, de que a família está ameaçada?

Fala-se muito, no discurso público, da destruição da família, e até há alguns grupos da sociedade que parecem querer apropriar-se deste conceito, como se de uma questão ideológica se tratasse. Esta investigação prova que a família está para além da ideologia e é uma aspiração universal da esmagadora maioria dos portugueses e em diversas esferas da vida.

Pelo que li na sua tese, os portugueses dizem que davam a vida pela família...

A família aparece como o topo dos objectivos de vida, de todas as instituições a que merece confiança máxima, o objecto de sacrifício último, a melhor fonte de sabedoria moral.

E no sentido da família como valor não se regista grande mudança no tempo, pois não?

Não, estes indicadores não mudam muito ao longo do tempo, e a família é um factor explicativo de muitos dos outros fenómenos observados (ou seja, o facto de a família ser mais ou menos importante explica níveis de felicidade, participação cívica, etc.). Outra lição que a investigação traz à imprudência de alguns discursos públicos marcadamente ideológicos e pouco sustentados nos dados, é que, havendo um aumento significativo da tolerância dos portugueses, o modelo aspiracional de família é assente, predominantemente, na parentalidade heterossexual e na fidelidade conjugal.

O divórcio é mais alto entre aqueles que têm mais formação académica?

Sim, é verdade, os resultados apontam claramente uma incidência crescente do divórcio à medida que avançamos nos níveis de escolaridade da população, e há que lembrar que o divórcio é um dos fenómenos sociais com transformações mais marcantes das últimas décadas em Portugal. É interessante verificar que, apesar da enorme importância atribuída à família, em média superior a 90%, é nos níveis mais elevados de escolaridade que a valorização da família é mais baixa (não baixando dos 80%). Nos níveis de escolaridade intermédia (do 2.o ciclo ao bacharelato), os resultados são bastante homogéneos em torno da média.

Que conclusões retirou das respostas à pergunta "É muito importante lutar por uma causa justa"?

Os resultados demonstram que, quanto mais elevado o grau de escolaridade dos indivíduos, menos importância dão à predisposição para lutar por causas justas: 83% dos que têm o primeiro ciclo consideram muito importante ajudar os outros. Esta percentagem desce para 57% no caso dos mestrados e doutoramentos. Por outras palavras, o grau de instrução correlaciona-se inversamente com este sentido de justiça, havendo um contínuo e acentuado decréscimo de importância à medida que o nível de escolaridade sobe.

Este sentido de justiça varia também com a idade?

Apresenta uma importância elevada na adolescência (cerca de 75%), depois decrescente durante a juventude (associada a escalões etários do ensino secundário e superior), em geral associada a um idealismo "que se perde com a idade" até aos 35 anos, recuperando os níveis iniciais aos 45 anos.

À medida que envelhecemos repescamos essa aspiração a um mundo mais justo?

Parece que sim. Há uma recuperação significativa para percentagens superiores (acima de 85%) à medida que se avança na idade adulta e para a terceira idade.

E à questão "que importância dá a ajudar os outros"?

Os resultados demonstram que quanto maior for o nível de rendimentos e o grau de instrução dos indivíduos, menor é a sua disponibilidade para ajudar os outros (87% no caso do 1.o ciclo, contra 53% nos mestrados ou doutoramentos).

As conclusões a que chegou tornam mesmo possível dizer que os portugueses quanto mais habilitações escolares têm menos solidários e justos são?

Os resultados não apresentam dúvidas quanto a isso, pois essa relação inclusive tem elevado significado estatístico, ou seja, muito poder explicativo. As variações entre os extremos das escalas de rendimento e escolaridade são muito elevadas e de grande linearidade na correlação negativa com a solidariedade, a justiça, mas também com outros valores, como a honradez, a amizade e o amor.

Na sua tese atribui grande parte da responsabilidade por este afastamento dos valores éticos fundamentais à escola.

Verificamos que os processos educativos - que se reflectem no grau de instrução dos inquiridos - não têm contribuído para o desenvolvimento e a consolidação de valores essenciais para as pessoas (nomeados pelos próprios), assim como para a sociedade, segundo as normas sociais que sabemos serem estruturantes da vida democrática. Assim, acho que a escola - melhor dizendo, as políticas educativas, porque a escola segue directivas - tem responsabilidade por esse afastamento porque se tem centrado numa visão incompleta da educação e do educando.

Tornando-os (tornando-nos) tecnocratas?

Exactamente. Os modelos e as práticas pedagógicas criam uma enorme pressão nos currículos eminentemente técnicos, para nos tornarem mais "competentes", em lugar de se preocuparem com os valores indutores de competências-chave para o êxito e a realização pessoal e social. Há duas décadas que se privilegia a dimensão técnica da formação das crianças e dos jovens, as áreas curriculares associadas à mera transmissão de conhecimento explícito e técnico (saber escrever, ler, fazer contas), como se de mais nada fosse feito o ser humano e o mundo que o rodeia.

E diria que as últimas medidas do Ministério da Educação seguem esse caminho?

Infelizmente acho que os últimos desenvolvimentos da política pública de educação agravam esta tendência, que aliás é contrária à mais avançada investigação na área e até às mais actuais recomendações da OCDE e do Conselho Europeu.

Temos andado um pouco inebriados com a ideia de que uma conta bancária e um diploma nos davam a felicidade?

Há dados que indicam que sim. Aliás, esta ilusão do poder económico na felicidade individual foi claramente desautorizada pelos efeitos da crise mundial que vivemos e causou enormes danos sociais e que Portugal sentiu e sentirá ainda por uns tempos de forma dolorosa. Decididamente, nada disto se reflecte em competência relevante para o que a OCDE chama "uma vida bem-sucedida e uma sociedade funcional". Desta forma, temos uma geração (pelo menos) de indivíduos formados por esta cultura e sem competências para enfrentar os desafios da actualidade. Isto é de extrema gravidade.

Esta correlação entre menos valor e mais escola não é reaccionária? Não pode dar a ideia de que é perigoso aprender, e que mais valia termo-nos ficado todos pela 4.a classe?

A conclusão em si é o que os dados mostram. Mas admito com naturalidade que o conhecimento destas conclusões deve mesmo originar o nosso sentido reaccionário de cidadania e de sentido político.

Devíamos reagir rapidamente a estas conclusões?

Claro. Ainda por cima considerando que os indivíduos de maior instrução são aqueles que, tendencialmente, formam as elites políticas e dirigentes de um país, é preocupante verificar que são os que menos perseguem os valores estruturantes e aceites pela sociedade.

Segundo o estudo, o que esperam os portugueses dos seus políticos, dos que ocupam cargos de liderança?

Segundo o estudo, é esperado um exemplo de honestidade, dedicação e altruísmo, assim como a noção aprofundada de bem comum e boas condutas da esfera da vida pessoal.

Ui! E deve começar de pequenino, presume-se...

Este ideal de político é perspectivado como ideal moral que deve ser trabalhada ao nível do desenvolvimento de competências de base e desde cedo nos processos educativos. Ora quando uma investigação revela o impacto da instrução na negação de valores fundamentais, é de facto perigoso educar sem valores, e os resultados estão à vista de todos. Sim, há quem tenha mais competência para a vida com menos escolaridade, pois de pouco serve - o indivíduo e a sociedade - uma instrução vazia de valores, um conhecimento sem direcção, uma competência isenta de ética e noção do seu impacto social. No limite, e a continuar assim, podemos afirmar que temos ladrões competentes.

Não estaremos todos a ser um bocadinho hipócritas - respondemos aos inquéritos como achamos que fica bem, e depois educamos ao contrário, nomeadamente com os nossos exemplos?

A educação que os nossos filhos estão a receber na escola, na família, mas também nos media, está a esquecer os valores que afinal reputamos essenciais e que a ciência nos afirma como indissociáveis do acto de educar. Isto significa que há um desencontro entre a oferta e a procura no sistema educativo - entre aquilo de que o "mercado" precisa em formação dos seus cidadãos para a realização pessoal e para o desenvolvimento social e humano, e aquilo que a escola, a família e os media estão a investir nos processos de educação, formais e não formais.

O encontro que hoje acontece em Mafra junta os maiores especialistas em literacia social. O que é a literacia social?

Habitualmente falamos de literacia "básica" de leitura e escrita de textos. A proposta, liderada por investigadores portugueses, e que já é reconhecida internacionalmente, é que se passe para uma nova dimensão de literacia, que capacita as crianças e os jovens para "lerem" o mundo que as rodeia, e para "escreverem" narrativas de vida no respeito por si, pelos outros e pelo ambiente. Afinal, a realizar aquilo que nos torna humanos.

E o que vão discutir?

Creio que batemos no fundo como sociedade dita "civilizada" ocidental. E portanto, em consequência da experiência colectiva nesta profunda crise económica e social - com evidentes raízes numa crise ética global -, estamos em conjunto, sobretudo a nível europeu e com o apoio da UE, a convergir no entendimento de que temos de devolver os valores universais aos processos educativos - aqueles que ultrapassam barreiras culturais e ideológicas (e que esta investigação comprovou).

Em Portugal já existe um programa de literacia social, o LED on Values. Já é posto em prática em quantas escolas?

O programa LED on Values (no fundo luz, led, sobre os valores) funciona em mais de 500 escolas de todo o país, envolvendo mais de 2 mil educadores e mais de 30 formadores certificados. Estamos também a construir, em Mafra, a Universidade dos Valores, como espaço de investigação e literacia social em todo o mundo, e a recuperar o jardim do Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima, que será a futura casa do programa LED, transformando-o no Jardim dos Valores Universais, um espaço intercultural e inter-religioso, onde os visitantes podem reflectir sobre a importância dos valores universais.


Quanto mais instruídos e ricos, menos solidários são os portugueses
MARIA JOÃO LOPES 14/01/2014 – in Público

Estudo da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano vai ser apresentado na quinta-feira e mostra ainda que pessoas que recebem mais de 4 mil euros por mês são tão infelizes como quem recebe menos de 500.
Os portugueses com mais habilitações e mais rendimentos são os que dão menos importância à solidariedade, à justiça e aos valores democráticos. Esta é a apenas uma das conclusões do estudo da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano, que vai ser apresentado na quinta-feira em Mafra.

As conclusões do estudo Literacia social: os valores como fundamento de competência, que vai ser debatido na Conferência Internacional sobre Literacia Social e que contou com o apoio da União Europeia, preocupam o investigador Lourenço Xavier de Carvalho, uma vez que serão as pessoas com mais instrução as mais propensas a ocupar lugares de liderança.

“Quanto mais avançamos nos níveis de instrução, do 1º ciclo até ao ensino superior, a importância da justiça ou da solidariedade vai baixando progressivamente. São os mais instruídos e os mais ricos que desvalorizam a justiça e a solidariedade”, diz Lourenço Xavier de Carvalho, coordenador deste estudo que é também a tese de doutoramento em Ciências da Educação que apresentou na Universidade Católica em 2013.

Quando questionados sobre a importância de ajudar os outros, 86,5% das pessoas com o 1.º ciclo respondem afirmativamente, uma percentagem que baixa para 83,4% quando as pessoas têm o 2.º ciclo, para 73,5% quando têm o 3.º ciclo, que sobe ligeiramente para 76,2% quando possuem o secundário, desce para 59,2% quando têm bacharelato, ficando o valor mais baixo na fatia dos licenciados, mestres ou doutorados, com 53,1%.

A mesma pergunta cruzada com os níveis de rendimento revela que 86,4% das pessoas que ganham até 500 euros considera muito importante ajudar os outros, percentagem que vai baixando à medida que os rendimentos aumentam e que atinge o valor mais pequeno – 46,7% - quando chega ao grupo dos que ganham mais de 4 mil euros por mês.

No que toca, por exemplo, à importância dada a “lutar por uma causa justa” – o indicador usado para aferir a posição da justiça como valor social – conclui-se que os portugueses com mais instrução desvalorizam este aspecto. São as pessoas com o 2.º ciclo que mais valorizam a luta por uma causa justa (86,2%), ficando a fatia mais pequena (56,9%) para quem tem estudos superiores.

O estudo também indica que “as pessoas que têm muito baixos rendimentos, abaixo dos 500 euros, têm níveis de felicidade mais baixos” que “só são iguais aos dos níveis de rendimento mais elevados”: “Quem tem mais de 4 mil euros por mês é tão infeliz como quem tem menos de 500”, nota o investigador.

A explicação para estes dados poderá passar, segundo Lourenço Xavier de Carvalho, pela própria educação e formação que está a ser dada às pessoas: “Está associado a este fenómeno dos elevados rendimentos e dos elevados níveis de instrução serem um pouco contrários àquilo que é a harmonia social e o desenvolvimento pessoal”, explica Lourenço Xavier de Carvalho, insistindo que é preciso mudar o sentido da educação. “Continuamos a educar para o domínio material, para o domínio técnico, queremos formar profissionais competentes, que dominem bem as técnicas de cada área, e os currículos são cada vez mais técnicos. Mas na realidade não é isso que faz as pessoas mais ou menos felizes. É a dimensão humana, relacional, que está cada vez mais afastada dos currículos”, frisa, defendendo que “as prioridades do sistema educativo estão completamente erradas”.

Individualismo crescente
Para este investigador, quanto mais se avança na escala de instrução, mais os currículos são “técnicos” e “desprovidos da dimensão humana”: “As pessoas tornam-se cada vez mais competitivas, cada vez mais insensíveis ao sofrimento dos outros, cada vez se sentem menos responsáveis pelo bem comum. Acabam por ter as ferramentas de decisão, mas não têm as competências pessoais e sociais para serem bons líderes”, sublinha.

A leitura dos dados permite ainda verificar que, nos últimos dez anos, as pessoas tornaram-se mais tolerantes em relação grupos discriminados na sociedade portuguesa, mas ao mesmo tempo mais individualistas. De acordo com o estudo, na última década, os indicadores relativos ao individualismo mostram que cresceu em média 10%. “As pessoas são mais desconfiadas do que eram, acreditam mais naquelas expressões ‘cada um por si’ e ‘olho por olho, dente por dente’.

Rendimentos e estudos à parte, o investigador verificou, porém, que, quando questionada sobre os objectivos de vida, a generalidade das pessoas revela uma aproximação a valores como “a honra, o amar e ser amado e a família”. Para Lourenço Xavier de Carvalho, é o sistema educativo e a competição que estão a afastar as pessoas do que “realmente as faz felizes”.

Neste aspecto, para a generalidade das pessoas - e não especificamente no segmento das mais letradas e ricas - a família surge no topo: “Ter uma família sólida passou a ser o mais importante de todos os objectivos de vida”, diz o investigador, precisando que a família surge como a “instituição de mais confiança para as pessoas” e em relação à qual estão dispostas a fazer mais sacrifícios. Em média, mais de 90% dos inquiridos valoriza a família - percentagem que baixa para cerca de 80% quando os níveis de escolaridade são mais elevados.

Apesar do individualismo crescente, nos últimos dez anos a maioria das pessoas - e mais uma vez, o investigador não está centrado nas variáveis do estudo/rendimento - também se voltaram mais para a espiritualidade num sentido lato, fenómeno ao qual não será alheia a crise: “1999 era o auge da materialidade, do investimento, lembramo-nos da Expo 98 e dos grandes investimentos públicos, atirava-se dinheiro para cima das coisas, dos problemas, para os resolver”, recorda o investigador.

Dez anos depois, as transformações ocorridas levaram muitas pessoas a procurar outras referências: “Em 2009 batemos no fundo, estamos no pico da crise, é muito provável que a movimentação das pessoas para a maior valorização do imaterial tenha a ver com essa experiência de crise, de perceber que, afinal, houve aqui uma ilusão de que o dinheiro, o prestígio, o estatuto, o poder, poderia resolver os problemas todos. E afinal o que resolve os problemas é a proximidade à família, são as relações harmoniosas, amar e ser amado”, nota.


Na quinta-feira, o estudo vai ser debatido no Palácio Nacional de Mafra, numa conferência que vai juntar investigadores e peritos europeus, entre os quais a princesa Laurentien da Holanda, enviada especial da UNESCO em literacia para o desenvolvimento.

Rico, egoísta e pouco solidário são dados "preocupantes" de estudo sobre literacia social
Por Agência Lusa
publicado em 14 Jan 2014 in (jornal ) i 0nline

"O sistema educativo esqueceu-se de que o individuo não é só trabalho, é a relação com os outros, com a família. Não podemos educar apenas bons técnicos. Arriscamo-nos a ter ladrões competentes", diz Xavier de Carvalho
Os portugueses com mais habilitações e mais dinheiro são também os menos solidários, revela um estudo sobre literacia social, a ser divulgado na quinta-feira e cujos dados são "preocupantes" no entender do autor.

"São resultados preocupantes, a própria comunidade científica e académica que acompanhou o estudo manifestou essa preocupação. Há uma correlação negativa entre pessoas com elevados rendimentos e a preocupação para com a solidariedade", disse à Lusa o autor do trabalho, Lourenço Xavier de Carvalho.

O estudo, realizado com o apoio da União Europeia, da Universidade Católica e do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano, é apresentado numa conferência internacional sobre literacia social, na quinta-feira, no Palácio de Mafra.

Nele se conclui, nomeadamente, que "os que mais têm materialmente são os menos disponíveis, quer para ajudar os outros, quer para lutar por uma causa justa", o que cria "um problema estrutural de democracia", porque "os que mais instrução têm são os mais propensos a ocupar lugares de liderança".

Xavier de Carvalho é claro: "É assustador de alguma maneira". E diz a seguir: "É um alerta para se tomarem medidas".

Em resumo, conclui o trabalho do académico que a sociedade é mais tolerante mas mais individualista, que a família é vista numa ótica restrita, que as pessoas se acomodam ao seu bem-estar crescente e têm dificuldades em partilhar riqueza, benefícios e privilégios, e que os jovens são educados apenas para serem ativos e competentes.

"O sistema educativo esqueceu-se de que o individuo não é só trabalho, é a relação com os outros, com a família. Não podemos educar apenas bons técnicos. Arriscamo-nos a ter ladrões competentes", diz Xavier de Carvalho.

O responsável aponta o dedo ao sistema de ensino, excessivamente técnico nas últimas décadas, esquecendo "competências humanas e éticas que têm de ser promovidas ao longo da vida".

E que resulta disso, segundo o estudo? Menos de 60 por cento dos portugueses com estudos superiores considera importante lutar por uma causa justa.

O que é estranho, admite o autor, é que nos principais objetivos de vida os portugueses escolhem a família, a felicidade, o amor, a honra, e só depois a competência profissional. "As pessoas querem uma coisa para a vida e estamos a deformá-las para outras".

E são felizes? Os mais infelizes, segundo o inquérito, são os que ganham menos de 500 euros e os que ganham mais de 4500, o que leva o responsável a dizer que se os que são mais ricos (e logo menos solidários) partilhassem com os mais pobres "eram todos mais felizes".

O debate sobre este tema, segundo Xavier de Carvalho a primeira vez estudado em profundidade, junta investigadores e peritos europeus, entre os quais a princesa Laurentien, da Holanda, enviada especial da UNESCO em literacia para o desenvolvimento.

Lourenço Xavier de Carvalho diz ter a perceção de que, no resto da Europa, os resultados não seriam muito diferentes perante inquéritos idênticos, porque é uma questão de "cultura ocidental".
E aponta de novo as escolas, que têm de criar "espaços de formação humana".


O pensador Agostinho da Silva escreveu que a escola esquece a importância da formação do caráter e Xavier de Carvalho cita-o para dizer: "Quem vai à escola desaprende de ser gente".

Sem comentários: