Instalada em Campo de Ourique, a Casa Fernando Pessoa
funciona desde 1993 como um centro cultural dedicado à obra do poeta
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Casa Fernando Pessoa adjudica serviços a empresa com
escritório na residência da sua directora
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 22/01/2014 – in Público
Além dos contratos directos,
a mesma firma tem recebido encomendas indirectas, através de outras empresas
contratadas pela Câmara de Lisboa e pela Egeac.
A Casa Fernando Pessoa
adjudicou vários serviços por ajuste directo, desde o final de 2012, a uma pequena empresa
que tem escritório em casa da sua directora artística, a escritora Inês
Pedrosa.
Além das adjudicações feitas a essa empresa, o seu gerente e
proprietário tem beneficiado de contratos indirectos, relativos à Casa Fernando
Pessoa (CFP), celebrados pela Egeac, a empresa da Câmara de Lisboa que gere a
instituição desde 2012, e pela própria autarquia.
Instalada em Campo de Ourique, num edifício camarário, a CFP
funciona desde 1993 como um centro cultural dedicado à obra de Fernando Pessoa.
Promove exposições, conferências e outras iniciativas ligadas à poesia em geral
e a Pessoa em particular, para lá de publicar a revista Pessoa.
Em 2008, o presidente da câmara, António Costa, decidiu
transformar este serviço municipal numa fundação, tal como defendia Inês
Pedrosa, mas o projecto foi abandonado meses depois. Nesse período, todavia, o
município despendeu mais de 50 mil euros em estudos preparatórios, parte dos
quais nunca foram feitos e outra ficou por concluir.
A contratação da empresa Above Bellow, de que é dono e
gerente o designer brasileiro Gilson Lopes, foi sempre feita sem consulta a
quaisquer outros fornecedores — procedimento que a lei não exige, devido aos
reduzidos montantes envolvidos nas adjudicações. Num dos casos, em Dezembro de 2012, a CFP encomendou-lhe
cerca de 3 mil euros (mais IVA) em objectos de merchandising, contratando-a
depois para fazer algumas fotografias por 520 euros.
Mais recentemente, através de outro contrato, foram-lhe
encomendados vários serviços na área de artes gráficas e audiovisual, relativos
ao III Congresso Internacional Fernando Pessoa, no valor de 4826 euros.
A particularidade deste última encomenda está no facto de a
factura emitida em nome da Egeac, em Outubro do ano passado, indicar como
“Escritório e morada postal” um apartamento de Entrecampos onde reside a
directora artística da CFP. No mesmo local tem também sede a firma Inês
Pedrosa, Unipessoal Ldª, detida exclusivamente por aquela escritora e
jornalista.
Gilson Lopes presente em vários trabalhos
Paralelamente ao Congresso Internacional Fernando Pessoa, a
CFP e a Egeac produziram a exposição Lisboa em Pessoa, que esteve patente nos
dois últimos meses no aeroporto da Portela. A sua concepção e produção foram
adjudicadas em Novembro, por ajuste directo e pelo valor de 13.856 euros (mais
IVA), à empresa de publicidade WOP, a qual, de acordo com uma informação oficial da Egeac, “solicitou
algumas ilustrações para este trabalho” a Gilson Lopes. O seu nome, todavia,
consta da ficha técnica da exposição como responsável pela “direcção de arte e
ilustração”.
Também a revista Pessoa, que é editada pela CFP e não se
publicava há dois anos, voltou às bancas há dois meses, tendo o seu grafismo
sido encomendado pela câmara, através de uma outra empresa, a Gilson Lopes, que
figura na ficha técnica como responsável pelo design dessa edição.
Uma das coisas que chama a atenção nestes contratos públicos
e foi alvo de várias referências num blogue denominado Corta-fitas é o facto de
o empresário ter uma relação de grande proximidade com a directora da CFP. Ao
PÚBLICO, sobre esse assunto, Inês Pedrosa respondeu por email nos seguintes
termos: “Não estou casada nem em situação configurável como união de facto — e
a minha vida privada é, de acordo com a lei, isso mesmo: privada.”
Já Gilson Lopes começou por dizer, ao telefone, que não
tinha nada a ver com Inês Pedrosa. Quando lhe foi lembrada a “morada postal”
das suas facturas, pediu para lhe serem enviadas perguntas por escrito. Até
hoje, passadas duas semanas, nada disse.
Quanto às adjudicações à Above Bellow, Inês Pedrosa comentou
que está “contratada pela Egeac para a Casa Fernando Pessoa como prestadora de
serviços de direcção artística, sem poderes para adjudicar o que quer que
seja”.
As autorizações e propostas de adjudicação são de facto
assinadas pela directora-executiva da CFP, Carmo Mota. O PÚBLICO perguntou a
esta funcionária da Câmara de Lisboa se a iniciativa de contratar Gilson Lopes
era de Inês Pedrosa, mas a mesma respondeu apenas que reencaminhara o pedido de
informação para a direcção da Egeac.
Num email enviado esta terça-feira ao PÚBLICO, a Egeac nada
diz sobre aquela questão, mas informa que as decisões de adjudicação e
contratação “são funções das direcções de equipamento” e que “as direcções
artísticas definem as orientações artísticas da instituição, sendo que há uma
total e necessária articulação entre direcções”, neste caso da CFP.
A Egeac acrescenta
que os contratos em causa surgiram “num contexto da evidência de uma
necessidade imediata e específica combinada com as referências profissionais da
Above Bellow e de Gilson Lopes”, com “a disponibilidade de calendário para
aceitação e realização dos projectos” e com o “equilíbrio [das suas propostas]
face aos preços de mercado”.
Tanto a Egeac como a vereadora da Cultura da Câmara de
Lisboa, Catarina Vaz Pinto, recusaram-se a fazer qualquer comentário sobre as
relações entre a directora artística da CFP e Gilson Lopes.
Advogado primo de Inês Pedrosa
A Câmara de Lisboa, através do então director municipal de
Cultura, Rui Pereira, contratou no final de 2008 a advogada Maria José
Oliveira e Carmo para prestar vários serviços relativos à constituição da
Fundação Casa Fernando Pessoa. A jurista trabalhava à época com o advogado
Miguel Pedrosa Machado, primo direito de Inês Pedrosa, a qual sugeriu a
contratação a Rui Pereira.
O contrato, no valor de 24.996 euros, contemplava a
elaboração dos estatutos da fundação, bem como oito trabalhos acessórios. Os
arquivos da Direcção Municipal de Cultura, porém, apenas tem registo da entrega
dos estatutos, que se traduzem em 19 páginas e 25 artigos — alguns deles iguais
aos de minutas disponíveis na internet. O contrato foi assinado por Rui Pereira
e por Maria José Oliveira e Carmo a 26 de Novembro de 2008.
A nota de honorários da advogada e o recibo por ela emitido
têm data do dia anterior, 25 de Novembro, sendo também desse dia o visto de Rui
Pereira por baixo de um carimbo com a seguinte inscrição: “O trabalho foi
executado nas devidas condições.” Nos termos do contrato, o mesmo só terminará
quando a advogada apresentar à câmara “o requerimento a solicitar a declaração
de utilidade pública” da fundação, coisa que nunca aconteceu, até porque
António Costa desistiu do projecto.
O clausulado refere também que o pagamento será feito de uma
só vez, até 60 dias após a data do recibo. Oito dias depois da sua emissão, a 2
de Dezembro, Rui Pereira autorizou o pagamento, o qual foi efectivado no final
desse mês. Maria José Oliveira e Carmo disse ao PÚBLICO que fez tudo aquilo a
que se vinculou e que lhe foi possível fazer. “Se não se avançou com nada não
foi por inércia minha, mas porque a câmara travou o processo. Em todo o caso
estou pronta a fazer a escritura em qualquer altura, afirmou”.
Quanto a Miguel Machado, a advogada afirma que foi ele quem
a “apresentou ao cliente” e confirma que o mesmo esteve em duas reuniões. Mas
garante que não prestou qualquer serviço, nem foi remunerado. Miguel Machado,
por seu lado, afirma que foi ele quem sugeriu o nome da colega a Inês Pedrosa e
diz que não recebeu qualquer remuneração porque nada fez.
Também no final de 2008, a Câmara de Lisboa, através do mesmo
director, encomendou a outros advogados três estudos igualmente relacionados
com a criação da fundação. O facto de esses serviços não terem sido prestados,
apesar de pagos por cerca de 28 mil euros, acabou por levar, em Outubro do ano
passado, o Ministério Público a acusar Rui Pereira e duas advogadas, uma delas
sua cunhada, pelos crimes de participação económica em negócio e falsificação
de documento.
O caso, que aguarda julgamento, fez com que Rui Pereira se
demitisse, logo que foi acusado, das funções que desempenhava como
director-geral do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.
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