terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O "annus horribilis" de Juan Carlos e da Monarquia Espanhola.

O Inverno de Juan Carlos
A possível audição da Infanta Cristina veio agudizar ainda mais a crise da monarquia espanhola
Editorial / Público

Pela primeira vez na história da monarquia constitucional espanhola, um membro da família real poderá ser ouvido num tribunal, que confirmará ou não se a infanta Cristina é suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
É mais um capítulo do “martírio”, a expressão usada pelo chefe da Casa do Rei para descrever o “Caso Nóos”, o imbróglio jurídico no qual estão envolvidos a infanta e o marido, Iñaki Urdangarin.
Profundamente abalada por este caso e pelo desgaste cada vez maior da imagem do rei Juan Carlos, a monarquia espanhola é uma instituição debilitada perante uma das maiores crises do regime democrático. Minado pelo impacto da crise económica e pelo desafio independentista da Catalunha, o Estado espanhol que saiu da transição em 1975 está em risco de soçobrar.
Os níveis de popularidade dos partidos do regime são os mais baixos de sempre. A degradação da monarquia, que foi o grande pilar da transição para um regime democrático e para o sistema das autonomias, não podia acontecer em pior altura. O regime precisa mais do que nunca do peso simbólico de uma instituição monárquica que se confunde com a figura do rei Juan Carlos e a monarquia está a ter cada vez mais dificuldades em desempenhar o seu papel de legitimação.
Este não é o momento de uma abdicação e muito menos de uma mudança de regime em Espanha. O monarca terá que travar sozinho um derradeiro combate para manter coeso um país em crise de confiança, descrente do projecto europeu e sem saber que papel o futuro lhe reserva.
E a situação da infanta perante a justiça tornou tudo mais difícil, quer ela venha ou não a ser ouvida. A monarquia joga o seu futuro neste último combate, do qual terá de sair em condições para preparar a sucessão e evitar uma crise constitucional de consequências imprevisíveis, nomeadamente para Portugal.

“O juiz julga ter indícios suficientes para contrariar a versão da infanta e quer, por isso, voltar a ouvi-la, o que fará no dia 8 de Março. Considera que existe "um dever" e é "um acto obrigatório" acusar a filha do rei por "indícios fundamentados de culpabilidade". Deseja, assim, “evitar que a incógnita [sobre o papel da infanta] se perpetue” e confirmar aos espanhóis que “a justiça é igual para todos”, explica ainda.”

Filha do rei de Espanha acusada de fraude fiscal e branqueamento de capitais
SOFIA LORENA 07/01/2014 – in Público

O caso de corrupção que já afectou a imagem da monarquia chega pela primeira vez a um membro directo da família real.
A justiça espanhola decidiu nesta terça-feira acusar a infanta Cristina de branqueamento de capitais, gestão de fundos suspeitos gerados por negócios do seu marido, Iñaki Urdangarin, e fraude fiscal.

O genro do rei Juan Carlos é acusado no caso Nóos, nome da fundação desportiva sem fins lucrativos que geriu durante anos e que usou para desviar dinheiro. Urdangarin e o seu sócio, Diego Torres, cobravam serviços que não realizavam em contratos celebrados com municípios e conseguidos graças à influência do marido da infanta. No esquema, eram passadas facturas falsas.

Parte deste dinheiro foi para a Aizoon, uma sociedade patrimonial detida pelo casal. Ao longo dos anos, Cristina fez vários pagamentos com cartões de crédito da Aizoon, usando assim parte do dinheiro desviado pelo marido.

Urdangarin e Torres são acusados de terem desviado 5,8 milhões de euros através do Instituto Nóos. Os negócios suspeitos foram celebrados com municípios das regiões de Valência e das Baleares, ambos do Partido Popular, no poder.

A acusação contra Cristina acontece contra a opinião do procurador anticorrupção, Pedro Horrach, que não viu elementos que implicassem a infanta em crimes. Horrach pede 12 anos de prisão para o genro do rei. Mas o juiz José Castro decidiu avançar com a acusação, depois de ter passado meses a reconstruir a vida financeira e tributária de Cristina, entre 2002 e 2012.

O juiz julga ter indícios suficientes para contrariar a versão da infanta e quer, por isso, voltar a ouvi-la, o que fará no dia 8 de Março. Considera que existe "um dever" e é "um acto obrigatório" acusar a filha do rei por "indícios fundamentados de culpabilidade". Deseja, assim, “evitar que a incógnita [sobre o papel da infanta] se perpetue” e confirmar aos espanhóis que “a justiça é igual para todos”, explica ainda.

Na Primavera de 2012, o mesmo juiz quis acusar a infanta, então por tráfico de influência, mas a procuradoria anulou a decisão. Em 2013, foi a Audiência de Palma a bloquear a acusação e a desautorizar o juiz - é possível que o mesmo se repita e que Cristina não chegue a ser ouvida.

O caso Urdangarin tem afectado muito a imagem da família real, ao que se somam escândalos pessoais de Juan Carlos, como o safari de caça ao elefante em tempo de crise.

Quando a investigação começou a cercar Urdangarin, o rei ordenou ao genro que se afastasse. O casal acabou por ser afastado de actos oficiais e Cristina, que se mudou para Genebra com o marido, não surge fotografada ao lado do réu há muitos meses.

Numa entrevista há dias na TVE, o chefe da Casa Real, Rafel Spottorno, descreveu os três anos de instrução desta caso como "um martírio". Esta terça-feira a Casa Real comentou apenas que “respeita as decisões judiciais”.


Os últimos anos têm sido terríveis para a imagem de Juan Carlos e muitos espanhóis gostariam de o ver abdicar a favor do filho, Felipe. Segundo uma sondagem realizada pelo instituto Sigma Dos no fim de 2013 e divulgada há dias no jornal El Mundo, só 41,3% dos espanhóis têm hoje uma opinião boa ou muito boa do rei.  

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