O Inverno de Juan Carlos
A possível audição da Infanta
Cristina veio agudizar ainda mais a crise da monarquia espanhola
Editorial / Público
Pela primeira vez na história da monarquia constitucional
espanhola, um membro da família real poderá ser ouvido num tribunal, que
confirmará ou não se a infanta Cristina é suspeita de fraude fiscal e
branqueamento de capitais.
É mais um capítulo do “martírio”, a expressão usada pelo
chefe da Casa do Rei para descrever o “Caso Nóos”, o imbróglio jurídico no qual
estão envolvidos a infanta e o marido, Iñaki Urdangarin.
Profundamente abalada por este caso e pelo desgaste cada vez
maior da imagem do rei Juan Carlos, a monarquia espanhola é uma instituição
debilitada perante uma das maiores crises do regime democrático. Minado pelo
impacto da crise económica e pelo desafio independentista da Catalunha, o
Estado espanhol que saiu da transição em 1975 está em risco de soçobrar.
Os níveis de popularidade dos partidos do regime são os mais
baixos de sempre. A degradação da monarquia, que foi o grande pilar da
transição para um regime democrático e para o sistema das autonomias, não podia
acontecer em pior altura. O regime precisa mais do que nunca do peso simbólico
de uma instituição monárquica que se confunde com a figura do rei Juan Carlos e
a monarquia está a ter cada vez mais dificuldades em desempenhar o seu papel de
legitimação.
Este não é o momento de uma abdicação e muito menos de uma
mudança de regime em Espanha. O monarca terá que travar sozinho um derradeiro
combate para manter coeso um país em crise de confiança, descrente do projecto
europeu e sem saber que papel o futuro lhe reserva.
E a situação da infanta perante a justiça tornou tudo mais
difícil, quer ela venha ou não a ser ouvida. A monarquia joga o seu futuro
neste último combate, do qual terá de sair em condições para preparar a
sucessão e evitar uma crise constitucional de consequências imprevisíveis,
nomeadamente para Portugal.
Filha do rei de Espanha acusada de fraude fiscal e
branqueamento de capitais
SOFIA LORENA 07/01/2014 – in Público
O caso de corrupção que já afectou a imagem da monarquia
chega pela primeira vez a um membro directo da família real.
A justiça espanhola decidiu nesta terça-feira acusar a
infanta Cristina de branqueamento de capitais, gestão de fundos suspeitos
gerados por negócios do seu marido, Iñaki Urdangarin, e fraude fiscal.
O genro do rei Juan Carlos é acusado no caso Nóos, nome da
fundação desportiva sem fins lucrativos que geriu durante anos e que usou para
desviar dinheiro. Urdangarin e o seu sócio, Diego Torres, cobravam serviços que
não realizavam em contratos celebrados com municípios e conseguidos graças à
influência do marido da infanta. No esquema, eram passadas facturas falsas.
Parte deste dinheiro foi para a Aizoon, uma sociedade
patrimonial detida pelo casal. Ao longo dos anos, Cristina fez vários
pagamentos com cartões de crédito da Aizoon, usando assim parte do dinheiro
desviado pelo marido.
Urdangarin e Torres são acusados de terem desviado 5,8
milhões de euros através do Instituto Nóos. Os negócios suspeitos foram
celebrados com municípios das regiões de Valência e das Baleares, ambos do
Partido Popular, no poder.
A acusação contra Cristina acontece contra a opinião do
procurador anticorrupção, Pedro Horrach, que não viu elementos que implicassem
a infanta em crimes. Horrach pede 12 anos de prisão para o genro do rei. Mas o
juiz José Castro decidiu avançar com a acusação, depois de ter passado meses a
reconstruir a vida financeira e tributária de Cristina, entre 2002 e 2012.
O juiz julga ter indícios suficientes para contrariar a
versão da infanta e quer, por isso, voltar a ouvi-la, o que fará no dia 8 de
Março. Considera que existe "um dever" e é "um acto
obrigatório" acusar a filha do rei por "indícios fundamentados de
culpabilidade". Deseja, assim, “evitar que a incógnita [sobre o papel da
infanta] se perpetue” e confirmar aos espanhóis que “a justiça é igual para
todos”, explica ainda.
Na Primavera de 2012, o mesmo juiz quis acusar a infanta,
então por tráfico de influência, mas a procuradoria anulou a decisão. Em 2013,
foi a Audiência de Palma a bloquear a acusação e a desautorizar o juiz - é
possível que o mesmo se repita e que Cristina não chegue a ser ouvida.
O caso Urdangarin tem afectado muito a imagem da família
real, ao que se somam escândalos pessoais de Juan Carlos, como o safari de caça
ao elefante em tempo de crise.
Quando a investigação começou a cercar Urdangarin, o rei
ordenou ao genro que se afastasse. O casal acabou por ser afastado de actos
oficiais e Cristina, que se mudou para Genebra com o marido, não surge
fotografada ao lado do réu há muitos meses.
Numa entrevista há dias na TVE, o chefe da Casa Real, Rafel
Spottorno, descreveu os três anos de instrução desta caso como "um
martírio". Esta terça-feira a Casa Real comentou apenas que “respeita as
decisões judiciais”.
Os últimos anos têm sido terríveis para a imagem de Juan
Carlos e muitos espanhóis gostariam de o ver abdicar a favor do filho, Felipe.
Segundo uma sondagem realizada pelo instituto Sigma Dos no fim de 2013 e
divulgada há dias no jornal El Mundo, só 41,3% dos espanhóis têm hoje uma opinião
boa ou muito boa do rei.
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