quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O fim das ilusões


OPINIÃO
O fim das ilusões
TERESA DE SOUSA 31/12/2013 – in Público

Angela Merkel, a mulher mais poderosa da Europa, continuará a sua estratégia da tartaruga.
1. Escreve o editor europeu da BBC, na sua tarefa obrigatória de escolher os “momentos” da Europa em 2013, que este foi o ano da “dança de Merkel”. A chanceler, diz Gavin Hewitt, não só consolidou o seu estatuto de líder mais poderosa da Europa, como dançou (por brevíssimos momentos) nos festejos da sua esmagadora vitória eleitoral, em Setembro. Ao contrário da maioria dos líderes europeus que são quase todos “despachados” ao fim do primeiro mandato, ela já vai no terceiro. Foi uma vitória sua, mais do que uma vitória do seu partido. Durante um ano inteiro, a Europa esteve à espera das eleições alemãs e, depois, das negociações da nova “grande coligação”.

Enquanto esperava, ia alimentando algumas ilusões. Primeiro, que a sua terceira vitória a libertaria para uma política mais flexível para resolver a crise do euro: um pouco menos de “austeridade” e um pouco mais de partilha dos riscos. Sonhou-se com a possibilidade de um “fundo de redenção”, ainda que transitório, para aliviar o enorme peso da dívida em alguns países, ou que seria possível pôr em prática políticas mais amigas do crescimento, que é outra maneira de chegar ao mesmo sítio. Depois, que a presença do SPD na coligação far-se-ia necessariamente sentir na política europeia da Alemanha.

A dupla desilusão chegou com o Pai Natal. Para quem ainda pudesse ter dúvidas, o que se passou no último Conselho Europeu de 2013 chegará para apagá-las. Estava em causa o segundo pilar da união bancária, sobre os mecanismos de resolução dos bancos em risco de falência. Merkel aplicou a sua velha receita: serão, em última análise, os Estados que têm de garantir os custos da falência ou da recuperação de um banco. Depois dos credores, accionistas ou grandes depositantes. Contra a opinião do BCE, da Comissão, do Parlamento Europeu, da França, da Itália. Com o apoio do SPD. Resta verificar se esta “união” serve o seu principal propósito: restituir a confiança na zona euro de tal modo que os países em dificuldades não tenham de pagar um preço três vezes superior àquele que a Alemanha paga para financiar a sua economia.

A chanceler voltou a falar da revisão do Tratado. Vai, entretanto, consolidando as suas conquistas através de “tratados intergovernamentais”: primeiro o “Tratado Orçamental”, agora aquele que deve estabelecer as regras da união bancária. Passo a passo, a chanceler cria as condições para um euro verdadeiramente alemão.

2. O problema está em que essa Europa de feição alemã só muito dificilmente resistirá sem um novo equilíbrio político entre Paris e Berlim. Merkel tem noção da importância desse equilíbrio. Hollande também. As cimeiras a dois na chancelaria ou no Eliseu voltaram a fazer parte do ritual europeu. Não chegaram, no entanto, para reduzir a distância entre ambos. A fraqueza do Presidente francês não ajuda muito. Poderá o SPD fazer de intermediário? Talvez. Mas não vale a pela alimentar grandes ilusões. Os sociais-democratas alemães estão sobretudo interessados em recuperar apoio interno, depois de quase uma década de sangria eleitoral.

As consequências políticas da forma como tem sido gerida a crise do euro vão ser testadas em Maio, nas eleições para o Parlamento Europeu. A Europa, dizem os mais optimistas, levaria um grande susto se Marine Le Pen ganhasse as europeias em França. A tentação do quanto pior melhor pode ser grande mas será, certamente, muito perigosa.


Em suma, 2013 não resolveu nenhuma das grandes incertezas europeias. Apenas consolidou o poder da Alemanha. Não são de esperar, portanto, também grandes mudanças em 2014. A mulher mais poderosa da Europa continuará a sua estratégia da tartaruga. Mas, ao contrário do conto, ainda não se sabe quem ganhará a corrida.

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