OPINIÃO
O fim das ilusões
TERESA DE SOUSA 31/12/2013 – in Público
Angela Merkel, a mulher mais poderosa da Europa, continuará
a sua estratégia da tartaruga.
1. Escreve o editor europeu da BBC, na sua tarefa
obrigatória de escolher os “momentos” da Europa em 2013, que este foi o ano da
“dança de Merkel”. A chanceler, diz Gavin Hewitt, não só consolidou o seu
estatuto de líder mais poderosa da Europa, como dançou (por brevíssimos
momentos) nos festejos da sua esmagadora vitória eleitoral, em Setembro. Ao
contrário da maioria dos líderes europeus que são quase todos “despachados” ao
fim do primeiro mandato, ela já vai no terceiro. Foi uma vitória sua, mais do
que uma vitória do seu partido. Durante um ano inteiro, a Europa esteve à
espera das eleições alemãs e, depois, das negociações da nova “grande
coligação”.
Enquanto esperava, ia alimentando algumas ilusões. Primeiro,
que a sua terceira vitória a libertaria para uma política mais flexível para
resolver a crise do euro: um pouco menos de “austeridade” e um pouco mais de
partilha dos riscos. Sonhou-se com a possibilidade de um “fundo de redenção”,
ainda que transitório, para aliviar o enorme peso da dívida em alguns países,
ou que seria possível pôr em prática políticas mais amigas do crescimento, que
é outra maneira de chegar ao mesmo sítio. Depois, que a presença do SPD na
coligação far-se-ia necessariamente sentir na política europeia da Alemanha.
A dupla desilusão chegou com o Pai Natal. Para quem ainda
pudesse ter dúvidas, o que se passou no último Conselho Europeu de 2013 chegará
para apagá-las. Estava em causa o segundo pilar da união bancária, sobre os
mecanismos de resolução dos bancos em risco de falência. Merkel aplicou a sua
velha receita: serão, em última análise, os Estados que têm de garantir os
custos da falência ou da recuperação de um banco. Depois dos credores,
accionistas ou grandes depositantes. Contra a opinião do BCE, da Comissão, do
Parlamento Europeu, da França, da Itália. Com o apoio do SPD. Resta verificar
se esta “união” serve o seu principal propósito: restituir a confiança na zona
euro de tal modo que os países em dificuldades não tenham de pagar um preço
três vezes superior àquele que a Alemanha paga para financiar a sua economia.
A chanceler voltou a falar da revisão do Tratado. Vai,
entretanto, consolidando as suas conquistas através de “tratados
intergovernamentais”: primeiro o “Tratado Orçamental”, agora aquele que deve
estabelecer as regras da união bancária. Passo a passo, a chanceler cria as
condições para um euro verdadeiramente alemão.
2. O problema está em que essa Europa de feição alemã só
muito dificilmente resistirá sem um novo equilíbrio político entre Paris e
Berlim. Merkel tem noção da importância desse equilíbrio. Hollande também. As
cimeiras a dois na chancelaria ou no Eliseu voltaram a fazer parte do ritual
europeu. Não chegaram, no entanto, para reduzir a distância entre ambos. A
fraqueza do Presidente francês não ajuda muito. Poderá o SPD fazer de intermediário?
Talvez. Mas não vale a pela alimentar grandes ilusões. Os sociais-democratas
alemães estão sobretudo interessados em recuperar apoio interno, depois de
quase uma década de sangria eleitoral.
As consequências políticas da forma como tem sido gerida a crise
do euro vão ser testadas em Maio, nas eleições para o Parlamento Europeu. A
Europa, dizem os mais optimistas, levaria um grande susto se Marine Le Pen
ganhasse as europeias em França. A tentação do quanto pior melhor pode ser
grande mas será, certamente, muito perigosa.
Em suma, 2013 não resolveu nenhuma das grandes incertezas
europeias. Apenas consolidou o poder da Alemanha. Não são de esperar, portanto,
também grandes mudanças em 2014.
A mulher mais poderosa da Europa continuará a sua
estratégia da tartaruga. Mas, ao contrário do conto, ainda não se sabe quem
ganhará a corrida.
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