Porque não se cala?
Afinal o que quis dizer Merkel? que Portugal precisa de gente bruta...
Por Luís Osório
publicado em 6
Nov 2014 – in (Jornal) i online
Merkel disse à
bruta o que reconhecemos entre amigos: Portugal é um país de doutores, onde é
mais importante o panache do canudo que a sua utilidade para a economia e o
futuro do que se licenciou. Ser chamado doutor já não distingue ninguém, pelo
contrário. Arrisco dizer que uma parte das pessoas são o título e só depois o
nome. Senhor doutor, senhor engenheiro, senhor arquitecto e as lenga-lengas que
conhecemos bem. Talvez um dia os dados da equação se invertam e possamos
reconhecer as pessoas pelo nome, pela sua essência, talento e capacidade de se
adequarem profissionalmente ao que o país precisa.
Na Alemanha um
quarto dos alemães tem um curso superior. Em Portugal, 17 em cada 100 são
licenciados. Em média há mais doutores alemães que portugueses, notável
evolução a que assistimos nos últimos anos. Quando frequentei a universidade,
no final da década de 1980,o ensino superior formava muito menos de 20 mil
jovens por ano. Em 2002 saíram das faculdades
81 410 novos
doutores. Não há comparação, evoluímos, e isso faz toda a diferença. Agora
precisamos de um país que saiba encontrar as prioridades certas para aproveitar
a mais-valia de ter gente educada.
Afinal o que quis
dizer Merkel? Que os países do Sul da Europa, incapazes de gerar riqueza que se
veja, não precisam de gente educada, mas de gente bruta disposta a aceitar ser
pau para toda a obra. Mão-de-obra barata para que possamos desempenhar o nosso papel
na economia comum sem sermos um encargo.
Ela não o diz com
preconceito, é apenas o que pensa. Afinal cada qual é para o que nasce, e
Portugal deve aproveitar a crise para mudar de vida, empobrecer e adequar a
maioria da população ao fatal destino - deixar de estar na mesa dos fidalgotes
e ser um país disposto ao trabalho sem os resmungos de quem se julga especial
por ter uma licenciatura. O Estado Novo existiu também
nessa premissa.
Merkel é
licenciada e ninguém a trata pelo título. Bem o podíamos fazer - na verdade é
doutorada em Química Quântica. Aposto sem medo de perder que a maioria, quando
a trata por chanceler, o faz com embaraço, como se a designação não lhe
assentasse bem. Por isso, quando a ela nos referimos, dizemos senhora Merkel. Maneira
elegante de a reconhecer como mulher, de a distinguir, mas também de lhe
segurar a porta. E de lhe pagar a conta. Que é o que continuamos a fazer, tão
subservientes com os grandes como arrogantes com os mais pequenos. É o pior
traço da nossa personalidade colectiva. Mais grave do que termos doutores a
mais. Quando nos dermos ao respeito e soubermos respeitar toda a gente por
igual, quando o momento do Ipiranga chegar, saberemos perguntar a Merkel porque
não se cala. E não faremos tanta escandaleira com os pobres timorenses.
Sem comentários:
Enviar um comentário