OPINIÃO
Esta globalização mata
JOSÉ LOUREIRO DOS
SANTOS 03/11/2014 - PÚBLICO
Os efeitos da globalização tal como a conhecemos não deixarão de ser campo
propício para germinar a violência e os conflitos de toda a ordem.
O Papa Francisco
ao dizer “esta economia mata” está a referir-se indirectamente à globalização
em que vivemos, pois a economia é consequência dos objectivos e dos processos
dessa globalização.
O título que
encabeça o texto - “esta globalização mata” -, parafraseando o Sumo Pontífice,
apenas tenta ir mais longe, à origem da situação financeiro-económica que nos
vai condicionando, como introdução a uma reflexão sobre os conflitos que este
tipo de globalização pode e já está a provocar.
Ao lado dos
conflitos armados que surgem por motivações geopolíticas e geoeconómicas, que
têm os Estados como principais atores, mas a que a globalização actual também
não é alheia, proliferam inúmeros conflitos particularmente violentos, que são
originados ou incendiados pela luta por valores e estão muito relacionados com
a situação de desesperança quanto ao futuro em que se encontram milhões de
jovens.
Sem perspectivas
de um emprego minimamente estável no qual possam sustentar a sua vida e
promover o bem-estar que desejam, bem como alcançar os objectivos que visionam,
sentem-se marginalizados pelos dirigentes políticos, transformados em
verdadeiros párias sem o que entendem ser seu direito: uma actividade que os
enquadre na estrutura social e no lugar que julgam merecer.
Esta situação
degradante vem-se alargando a espaços geográficos cada vez mais alargados,
também naqueles onde outrora predominava a prosperidade. Ela permitia o acesso
dos jovens a um ensino de qualidade seguido de uma ocupação que lhes garantia
uma carreira em que se viam inseridos e dignificados.
Não tendo sido
suficientemente acautelado, através de medidas económicas, o necessário
equilíbrio entre receitas e despesas, não apenas através da moderação das
segundas mas também do reforço das primeiras, fomos facilmente arrastados pela
crise financeira e económica para a situação actual, passando a conviver com
uma austeridade permanente e aparentemente sem fim. Este aperto, que se está a
traduzir no empobrecimento generalizado da esmagadora maioria das pessoas e no
aumento dos rendimentos à disposição de apenas uns poucos, vem sendo explicado
como sendo inevitável para fazer face às crises de enorme dimensão geradas a
partir de fraudes cometidas por grandes tubarões financeiro-económicos.
A actual
globalização tem conduzido um número crescente de pessoas para situações de
empobrecimento e de “encarceramento”, cujos efeitos podem fazer eclodir
conflitos propiciados pela ausência de valores e de sentido de destino,
particularmente dos jovens. Desencantados, sem conseguirem entrever um futuro
de esperança, vendo-se arriscados a viver uma vida sem sentido e principalmente
sem o mínimo da dignidade que, como ser humano, têm direito de almejar. Em
desespero de futuro e sem identidade própria, são facilmente atraídos por
ideologias extremistas que parecem compensar o vazio em que mergulharam, com a
esperança de os conseguirem, através da luta fanática por amanhãs que cantam,
mesmo que elas só possam ser encontradas numa esfera situada para além da vida.
A globalização que
nos conduziu até aqui está a ser promovida por poderes fáticos baseados na
vontade e consequentes decisões dos grandes grupos financeiro-económicos, cujos
objectivos nada têm a ver com o interesse geral da população mas apenas com os
interesses de alguns poucos que tudo têm, ao lado de multidões que ficam
privadas do essencial, até da esperança.
Enquanto a
globalização económica, que não é uma fatalidade mas uma escolha de natureza
política possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico, não for regulada pelos
responsáveis políticos e promovida em função do bem-estar do comum das pessoas,
continuará a viver-se a situação de alienação que referimos e para todos nós é
evidente, criando mundos que são verdadeiros monstros.
Uma das revistas
The Economist mais recentes define perfeitamente esses mundos, com o título de
um artigo que abre um “relatório especial sobre a economia”, na situação que
estamos a viver como resultado desta globalização, numa sociedade em que o
trabalho de robots tende a tornar os homens desnecessários, portanto
descartáveis e sem futuro. Esse título é: “Riqueza sem trabalhadores.
Trabalhadores sem riqueza”.
Em termos do
futuro da guerra, os efeitos da globalização tal como a conhecemos não deixarão
de ser campo propício para germinar a violência e os conflitos de toda a ordem,
como forma de conceder aos jovens a esperança e o futuro.
Embora
dificilmente se possa conceber um futuro que baniu a guerra como processo de
interacção social, resolver esta questão de quem comanda a globalização poderá
ser um passo largo para uma sociedade mundial onde sejam bem mais reduzidas as
acções bélicas, não continuando a ser, como tem sido, nas palavras de Eduardo
Lourenço, um mundo caracterizado pelo paradoxo definido pelo título do último
artigo do seu livro “Os Militares e o Poder”, que cito: “O fim de todas as
guerras e a guerra sem fim”.
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