Os dois dias em que o GES fez
tremer os mercados mundiais
Agência Lusa
Quinta-feira, 10
de julho. As dificuldades do Grupo Espírito Santo geraram uma ameaça global.
Reveja os dois dias em que o GES fez tremer as bolsas e os mercados.
Os problemas
financeiros no Grupo Espírito Santo (GES) foram tornados públicos há menos de
dois meses, mas foi na quinta-feira, 1o de julho, que a questão ganhou dimensão
global, afetando os mercados de ações e obrigações em todo o mundo. Pela
primeira vez, as dificuldades sentidas pelo principal acionista de um banco
português criaram receios de contágio à escala mundial, fazendo cair a cotação
dos títulos nos mercados acionistas e subir os juros da dívida soberana de todos
os países da periferia do euro: Portugal, Espanha, Itália e Grécia.
Na sexta-feira,
depois de esclarecimentos prestados pelo Banco Espírito Santo (BES) sobre a sua
exposição ao GES, cuja ‘holding’ Espírito Santo Financial Group (ESFG) é o
principal acionista, com 25%, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o
governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, ‘meteram água na fervura’ e
garantiram que o banco está sólido e que os depositantes podem estar
tranquilos.
A reação dos
investidores não se fez esperar e, na sexta-feira, os mercados bolsistas
acalmaram, depois das quedas generalizadas de quinta-feira. “Depois de um dia
conturbado no meio do pânico em torno do banco português e dos potenciais
efeitos de contágio, os mercados hoje estiveram calmos”, afirmou no fecho da
sessão David White, analista da Spreadex, citado pela agência de informação
financeira Bloomberg.
10 DE JULHO, O
TURBILHÃO ALASTRA
A ESFG anunciou
pela manhã a suspensão da negociação de ações e obrigações da empresa em Lisboa
e no Luxemburgo. Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM), a empresa explica que a decisão foi tomada devido “a
dificuldades materiais em curso”, especialmente do seu maior acionista Espírito
Santo Internacional (ESI). A ESFG decidiu assim suspender as ações – incluindo
as obrigações emitidas pela sua subsidiária Espírito Santo Financière – na
sequência da sua exposição à ESI.
Os receios em
torno da solidez financeira do GES tornaram-se mais fortes depois de ter sido
noticiado que a subsidiária Banque Privée Espírito Santo estava em
incumprimento no reembolso a alguns clientes que tinham aplicações em dívida.
Foi também noticiado que a ESI está a avaliar um pedido de insolvência, num
cenário que poderá avançar se a empresa não conseguir chegar a um acordo com os
principais credores.
Isto depois de a
agência de ‘rating’ Moody’s ter baixado na quarta-feira em três níveis a nota
da ESFG, de B2 para Caa2. A Moody’s justificou o corte de ‘rating’, que já
estava fora da escala de investimento (‘lixo’), com a subida do risco de
crédito do ESFG face às empresas ESI e Rioforte, que não são avaliadas pela
agência.
A meio da sessão
bolsista, o supervisor deliberou a suspensão da negociação das ações do BES até
“à divulgação de informação relevante sobre o emitente”. Quando foi determinada
a suspensão da negociação dos papéis do BES, estes caíam já cerca de 17%. A
meio do dia, os analistas atribuíram a queda generalizada das bolsas europeias
à situação no GES, tal como a subida nos juros da dívida soberana de Portugal e
restante países da periferia da Europa no mercado secundário.
Os juros da
dívida portuguesa continuavam a subir em todos os prazos e, perto das 14:00, no
prazo a 10 anos tocavam os 3,926%. Já o PSI 20 estava a cair cerca de 4%, com
todos os títulos no vermelho, já depois de suspensas as ações do BES e do ESFG.
Na Europa, as
principais praças bolsistas seguiam no ‘vermelho’, com destaque para as da
periferia, com Madrid a cair 2,74% e Milão 2,53%. Já Paris recuava 1,88%,
Frankfurt 1,67% e Londres 0,93%. A tendência de queda manteve-se até ao fecho
da sessão.
Ao final da
tarde, o Banco de Portugal voltou a afirmar que o BES está sólido e, ao início
da noite, a CMVM proibiu a venda a descoberto de ações do BES durante o dia de
hoje. Já na semana anterior, a CMVM tinha proibido a venda a descoberto de
ações do banco. Pela mesma hora, o presidente do Banco BPI, Fernando Ulrich,
disse num evento em Lisboa que os problemas que vive o GES são um “abscesso” no
percurso que Portugal está a fazer para reconquistar a credibilidade
internacional e voltar ao crescimento económico.
O presidente do
BPI criticou ainda a forma como o GES geriu a divulgação de informação sobre os
problemas que atravessa, considerando que o “desastre” ao nível da comunicação
criou uma “tempestade perfeita”. Certo é que os principais índices
norte-americanos encerraram a sessão em baixa, com os problemas no GES em
grande destaque, o que contribuiu para ampliar a discussão internacional sobre
a questão, que foi manchete das edições ‘online’ das principais publicações
económicas europeias e norte-americanas.
Quando faltavam
cinco minutos para a meia-noite, o BES emitiu o comunicado que o mercado
aguardava, garantindo que as potenciais perdas resultantes da exposição ao GES
“não põem em causa o cumprimento dos rácios de capital”. No texto, o BES
explicitou que detinha 2,1 mil milhões de euros acima do rácio mínimo
regulamentar e uma exposição de 1,182 mil milhões de euros ao GES. A instituição
comprometeu-se ainda “a não aumentar a exposição total ao GES”.
11 DE JULHO,
RISCO EM ALTA, ‘RATINGS’ EM BAIXA
Logo pela manhã,
a Comissão Europeia disse acreditar que o sistema financeiro português tem
atualmente capacidade para gerir de “forma atempada e eficaz” problemas como a
crise que afeta o GES. Numa declaração à Lusa, Simon O’Connor, porta-voz dos
Assuntos Económicos, referindo-se aos problemas em torno do Grupo Espírito
Santo, ressalvou que “a Comissão não comenta instituições financeiras em
específico”, mas sublinhou que “o sistema financeiro português foi
significativamente reforçado nos últimos anos, através de recapitalização,
apoio à liquidez por parte do Banco Central Europeu, e reforço da supervisão
prudencial”. “Deste modo, estamos confiantes em que quaisquer problemas no
sistema irão ser geridos de uma forma atempada e eficaz”, afirmou o porta-voz.
Os principais
jornais económicos europeus noticiaram nas suas edições em papel os problemas
que vive o GES e o impacto que os mesmos tiveram nos mercados na véspera. O
Banco de Portugal veio a público descansar os depositantes do BES, assegurando
que estes “podem estar tranquilos”.
Pouco depois, o
primeiro-ministro reforça a convicção de que os depositantes do BES estão
protegidos. Pedro Passos Coelho lançou ainda um apelo ao GES para negociar com
os seus credores para minimizar eventuais incumprimentos e afastou a
necessidade de uma intervenção estatal no grupo. A meio da manhã, a CMVM
levantou a suspensão da negociação das ações do BES.
Depois de Passos
Coelho, é a vez do ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco,
defender que é necessário passar aos portugueses e aos depositantes do BES a
mensagem de que está a instituição bancária não está em causa. A associação de
utilizadores de serviços bancários Apusbanc revelou que está a receber um
número crescente de pedidos de aconselhamento de clientes do BES, ressalvando
que, “no momento”, não há motivos para pânico.
A meio da tarde,
saiu a calendarização oficial da Assembleia da República que agenda as audições
no parlamento da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e do governador
do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, devido à situação no GES, para
quinta-feira e sexta-feira da próxima semana, respetivamente.
Fecharam os
mercados europeus e, depois de fortes quedas nos últimos dias, o principal
índice da bolsa portuguesa encerrou a sessão de a avançar 0,62% para 6.142,87
pontos, em linha com a Europa. Porém, os títulos do BES voltaram a afundar no
regresso à negociação, baixando 5,50% para 0,481 euros, a maior queda da
sessão. De seguida, a CMVM estendeu a proibição de vendas a descoberto das
ações do BES por mais dois dias úteis.
A Moody’s
anunciou o corte do ‘rating’ da dívida de longo prazo do BES em três níveis,
para B3, e baixou também a nota atribuída aos depósitos de longo prazo do banco
em dois níveis, para B2. A agência de notação financeira justificou a decisão
com preocupações sobre a capacidade de crédito do banco, as quais foram
agravadas pela “falta de transparência em relação à autonomização do BES” em
relação à ESI.
Ao final da
tarde, a ESFG revelou que vai propor aos acionistas do banco a cooptação de
José Honório, ex-presidente da Portucel, para o cargo de membro do Conselho de
Administração. Esta proposta tem em vista “reforçar a independência do Conselho
de Administração do BES”, de acordo com o comunicado do ESFG. No passado
sábado, a ESFG anunciou que vai propor o economista Vítor Bento para presidente
executivo do BES e João Moreira Rato para administrador financeiro.
Se as propostas
forem ratificadas na assembleia-geral do banco, marcada para 31 de julho, o
atual presidente da SIBS (entidade que gere o Multibanco) vai passar a liderar
o BES, substituindo no cargo o histórico Ricardo Salgado, enquanto o presidente
do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP), João Moreira
Rato, passará a ocupar o lugar de Amílcar Morais Pires, que chegou a ser um dos
nomes apontados para suceder ao histórico líder do BES.
Esta noite, a
agência de notação financeira Moody’s anunciou que mantém a possibilidade de
subir a nota da dívida pública portuguesa, por considerar que os problemas do BES
não devem ameaçar a melhoria da situação macroeconómica do país.
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