Nuno Godinho de Matos. "Em
seis anos, entrei mudo e saía calado. Bem como todos os administradores"
Por Isabel
Tavares
publicado em 5 Set
2014 in
(jornal) i online
O advogado é PS e
pró-Costa convicto, mas vota Cavaco e gostava de ver Marcelo Rebelode Sousa na
Presidência
Nuno Godinho de
Matos, até final do ano passado braço-direito de Daniel Proença de Carvalho,
era até início de Agosto administrador não executivo do Banco Espírito Santo,
para onde foi a convite de Ricardo Salgado, há seis anos. Hoje tem perto de 100
mil euros bloqueados no "banco mau" e já preparou as acções que darão
entrada nos tribunais contra o Banco de Portugal e o Novo Banco.
É possível uma
administração com 25 membros, entre executivos e não executivos, desconhecer o
que se passa numa instituição como o BES?
É possível e é
fácil de explicar. Os administradores executivos seguem a par e passo a vida do
banco, embora seja normal um administrador do pelouro que determina a aplicação
da lei e a sujeição à lei não saber o que se passa no pelouro da apreciação do
risco. Conhecerão todos, no geral, as grandes questões dos diferentes pelouros,
mas o responsável de cada área não sabe as decisões do outro sobre um assunto
em concreto.
E os não
executivos, como era o seu caso?
Os não executivos
não têm nada a ver com a vida diária do banco. Vão às reuniões do conselho de
administração quando são convocados, quatro ou cinco vezes por ano. O que
conhecem da vida do banco é o que é reportado nessas reuniões pelos quadros
superiores. E o reporte, nessas circunstâncias, é a referência dos grandes
problemas, dos grandes números, das operações internacionais, se estão a dar
lucro ou prejuízo. Agora, saber se o banco em Angola está a fazer crédito
garantido ou não a favor do cliente x ou y, isso nunca chega a uma reunião do
conselho de administração.
Os
administradores fazem perguntas?
Em seis anos
nunca abri a boca, entrava mudo e saía calado. Bem como todos os restantes
administradores.
Quem é que
falava?
O presidente do
conselho de administração [Alberto Pinto], que abria os trabalhos de acordo com
a ordem, sujeitava-os a deliberação, e os funcionários do banco que iam
introduzir os temas. Nem sequer o dr. Ricardo Salgado [vice-presidente] falava
nas reuniões do conselho de administração, que é diferente da comissão
executiva. Não havia perguntas não porque não pudesse haver, mas porque jamais
alguém as fez.
As reuniões são
um mero pró-forma?
No fundo é um
pró-forma, exactamente. É algo que tem de existir para ratificar as deliberações
nas questões fundamentais tomadas pela comissão executiva.
Como chegou a
administrador não executivo do BES?
Em 1995
participei num dos julgamentos mais engraçados da minha vida, o das facturas
falsas da Engil. O advogado da Engil era o dr. Proença de Carvalho e eu
trabalhava ao seu lado, por indicação sua, para dois administradores. Tal como
o já falecido dr. Filinto Elísio, advogado do filho do engenheiro que era, ao
tempo, dono maioritário da Engil. A dada altura, o dr. Filinto Elísio disse-me
que no Banco Espírito Santo havia quem defendesse a vantagem de incluir no
conselho de administração alguém ligado à resistência ao antigo regime, de
esquerda, e que não fosse profissional da actividade política, se eu aceitava.
Disse logo que me daria muito prazer, mas sabia tanto de bancos como de
calceteiro, embora goste de calçadas.
Qual era a
ligação do Filinto Elísio com o banco?
O dr. Filinto,
que foi director de contencioso do então Banco da Agricultura, era amigo do dr.
Ricardo Salgado, uma amizade que vinha de se terem conhecido no Brasil, na
sequência das nacionalizações em Portugal e do que lhes sucedeu.
Encontrou-se com
Ricardo Salgado?
Sim. Fui jantar
com ele no próprio banco e convidou-me na sequência desta conversa. Disse-lhe o
que já tinha dito ao dr. Filinto Elísio, ao que ele teve a gentileza de dar as
respostas que as pessoas educadas dão e dizer que não era assim.
Seis anos depois
tem as suas contas no BES bloqueadas. Ricardo Salgado falou consigo?
Não. Também já
não é administrador do BES e está confrontado com um conjunto de problemas
bastante grave, tem muito com que se preocupar. Não creio que na inteligência
dele possa haver espaço para manifestações de simples boa educação. Isso não é
relevante.
Neste tempo, o
Banco de Portugal comunicou-lhe o que quer que fosse?
O Banco de
Portugal não me comunicou rigorosamente nada, estou até convencido de que nem
sabe quem eu sou ou que existo. O que fez, e só vim a saber disso dias mais
tarde, quando li o email que me foi endereçado a 4 ou 5 de Agosto, foi escrever
uma carta ao presidente do conselho de administração na qual indicava que os
nossos valores iriam ficar bloqueados e pedia que desse conhecimento aos
restantes membros.
Para que serve,
afinal, um administrador não executivo?
Os
administradores não executivos são verdadeiros verbos de encher.
E os conselhos de
administração alargados?
Também.
Como advogado,
como administrador não executivo, como cidadão, como explica a existência de um
conselho de administração, uma comissão executiva, auditores internos,
auditores externos, Banco de Portugal, CMVM, um Conselho Nacional de Supervisão
de Auditoria, uma Ordem de Revisores Oficiais de Contas, entre outros
organismos de controlo e supervisão, se, na prática, há falhas tão flagrantes e
não há responsáveis?
(Ri-se um bom
minuto) A sua pergunta encerra mil e uma perguntas. Ainda sobre os não
executivos e independentes - que eu entrei pela quota dos independentes:
teoricamente, estes administradores foram concebidos para serem pessoas que,
não dependendo de qualquer interesse do banco, por isso têm outras fontes de
rendimento, têm uma capacidade de controlo diferente. Só que para ter
capacidade de controlo, é necessário trabalhar no local. Se eu tiver um gabinete,
os funcionários tiverem o dever de me reportar o que fazem, se eu tiver a
faculdade de pedir esclarecimentos, inspeccionar e discutir o que está a ser
feito, se for um fiscal, aí poderei aperceber-me de eventuais irregularidades.
Se nada disto acontecer, e nada disto acontece, é óbvio que os administradores
não executivos são um detalhe, um acessório na toalete de uma senhora.
Um acessório que
custa quanto?
É barato. No caso
do BES, que é o que conheço, recebiam a senha de presença, que dava, líquido,
cerca de 2400 euros por reunião de conselho de administração, ou seja, entre 10 a 12 mil euros por ano. Os
executivos é diferente mas, esses sim, estão dentro da vida inteira do banco.
Quanto aos
auditores?
Com as auditoras,
o problema é semelhante, por uma questão muito simples: se quiser ter
consultoras financeiras a auditar os bancos, elas não podem ser pagas pelos
bancos, o cliente tem de ser uma outra entidade, seja o cliente o Banco
Espírito Santo, seja o Banco de Portugal ou outro qualquer. Porque, obviamente,
vão fazer o que o cliente quer, é a ele que cobram os honorários, e nunca darão
tiros no cliente sem primeiro os combinar com ele, porque dependem da
facturação que lhe emitem e que querem que ele pague.
É preciso mudar o
modelo?
Com esta
vinculação económica e subsistente, o que tenho de fazer é o seguinte: os
bancos todos contribuem com uma verba para um qualquer fundo que é criado - que
não tem de ter 30 funcionários, basta ter dois -, e esse fundo contrata e
remunera as auditoras. Tem de ser uma entidade totalmente independente.
Não pode ser o
Banco de Portugal?
O próprio Banco
de Portugal tem dependências. Se as auditoras forem pagas pelo Banco de
Portugal, o que se passa é que vão fazer o que o Banco de Portugal quer e pôr
nas suas mãos um instrumento que lhe permite dizer, liquidem as contas de A,
favoreçam as contas de B. Dir-me-á que o Banco de Portugal não está interessado
em fazer isso. Não está até ao momento em que passa a estar.
A supervisão
falhou?
Onde há um
falhanço total é por parte do Banco de Portugal, por parte da CMVM e por parte
das empresas de auditoria, que nunca se aperceberam do que quer que fosse. E
nem o argumento de que foi na segunda quinzena de Julho que se constituiu a
dívida de 1500 milhões de euros, que é real, cola, porque existe tudo o que
está para trás. Com uma dívida de 3600 milhões, o banco arreia e não pode
continuar a navegar, e com 2100 milhões, podia? Mas o BCE reclamou
imediatamente o pagamento dos 10 mil milhões de euros, um valor que não pode
passar despercebido a uma mosca, quanto mais a um técnico, quanto mais a um governador
de um banco central. Este argumento, que começou a ser utilizado, é um
argumento que mata a administração do BES, mas mata a administração do BdP,
mata a CMVM, mata os auditores, que não podiam ignorar a possibilidade dessa
exigência. A responsabilidade é, primariamente, das pessoas que tomaram as
decisões no interior da administração e que levaram a esta situação - porque
haverá administradores executivos que não tinham conhecimento delas. Depois,
dos órgãos de supervisão. O BdP sai muito mal de tudo isto.
Situações destas
deviam levar a demissões?
Esta experiência
deve determinar uma profunda remodelação da legislação reguladora e dos
mecanismos de controlo das instituições de crédito, passando a ser ilustrada
pela ideia de que onde está dinheiro existe o perigo de ele ser dissipado, e
nunca pela ideia de que são todos pessoas sérias.
A legislação já
prevê isso, incluindo a avaliação constante da idoneidade e da competência de
quem está à frente dos bancos. É a legislação que está mal ou quem a aplica?
Tenho de
confessar que nunca estudei a lei suficientemente. Na minha ignorância
confessada, atrevo-me a responder que são as duas coisas. Se me perguntasse há
quatro meses se eu tinha a mínima dúvida sobre a fiabilidade do BES, eu
dir--lhe-ia que não e punha as mãos no fogo pelos administradores. Era a minha
convicção profunda, arreigada e tranquila. Mas aconteceram coisas que me
deixaram, que me deixam perplexo.
Mas também é
verdade que não é supervisor...
Também é verdade.
O supervisor tem serviços para investigar, tem outros meios, outra informação.
De outra forma não precisamos deles para coisa nenhuma, são inúteis e estão a
mais.
Sobre as decisões
do Banco de Portugal, da cisão à escolha do que fica de um lado e de outro,
quem perde o quê... foi possível. É legal?
Está na lei.
Resta saber é se esse direito é constitucional.
Na sua opinião é?
Na minha opinião
não é constitucional. O Banco de Portugal não é Deus Nosso Senhor para decidir
quem vai para o inferno e quem vai para o céu. E com os poderes que tem e que
exerceu assumiu uma posição que só os tribunais podem assumir. Mas o erro está
na lei. O legislador que a concebeu é que errou profundamente ao colocar nas
mãos do governador do BdP poderes tipicamente jurisdicionais que jamais, jamais,
jamais podem estar num órgão da administração.
E agora?
Agora são um
facto, foram postos em prática, temos de esperar que os tribunais os anulem. O
que vai ser muito difícil. Porque o mesmo legislador que deu estes poderes ao
Banco de Portugal teve o cuidado de dizer que para discutir as decisões do BdP,
obrigatoriamente, é preciso ir para os tribunais administrativos. E os
tribunais administrativos são uma entidade que funciona mal, é demoradíssima,
tudo o que lá cai apodrece antes de ser resolvido. E ainda por cima é uma
jurisdição que tem como que um cordão umbilical que a liga à administração e,
portanto, tem muita dificuldade em decidir contra a administração. Com muita
probabilidade, o juiz do processo faz a maior ginástica intelectual possível
para matar o processo por razões formais.
Se quiser
contestar uma decisão do Novo Banco ou do BES, pode recorrer aos tribunais
comuns...
Sim, mas no caso
concreto, se contestar apenas as decisões do Novo Banco ou do BES, fico a nadar
na areia, não chego à água, porque as decisões foram todas tomadas por ordem
das deliberações do BdP.
Qual é, para si,
o maior imbróglio?
As principais
vítimas ainda deverão ser as pessoas que foram ao último aumento de capital,
porque compraram papel que hoje não vale nada, nem para embrulho. Depois também
foram completamente defraudados os depositantes nas diferentes instituições
ligadas ao BES no estrangeiro. E esses têm vários problemas: só encontram nas
suas contas papel comercial de sociedades ligadas ao grupo que hoje não valem
nada e ainda por cima estão numa jurisdição que nem sequer é portuguesa [Suíça
e Luxemburgo]. Têm de arranjar advogados no estrangeiro, colocar acções no
estrangeiro, com tudo o que isso significa de encargos.
Disse que o
governador do BdP decidiu quem ia para o inferno e para o céu. Foi direitinho
para o inferno.
Fui. Mas o
responsável por essa decisão nem sequer é o governador do BdP. A tal lei que
está carregada de disposições inconstitucionais diz que os administradores do
banco nunca podem ir para o banco de transição. A perversidade da situação é que,
tendo eu obrigatoriamente de ficar no velho BES, e tendo o BdP tido a
iniciativa de ir ao banco histórico tirar de lá tudo o que era bom e deixar o
que é dívida, o meu capital desapareceu.
Que dinheiro
tinha no BES?
Tinha cerca de 16
mil euros à ordem e perto de 80 mil euros a prazo. Desses, 58 mil resultam da
venda de uma casa que foi dos meus pais e que eu e o meu irmão vendemos no ano
passado. O restante é poupança.
O que vai fazer?
Escrevi uma carta
ao conselho de administração do BdP e outra ao presidente do Novo Banco
explicitando a origem do dinheiro que se encontrava depositado no BES e
solicitando que me seja devolvido. As primeiras cartas escrevi-as a 14 de
Agosto, não recebi qualquer resposta. Hoje vou enviar novas cartas, embora
esteja convencido de que não irei ter resposta alguma, nem sequer uma
manifestação de boa educação, e estou preparado para distribuir nos tribunais
uma acção para discutir a causa.
Ricardo Salgado é
culpado?
De quê?
De ter deixado
chegar ou de ter conduzido o BES à situação a que chegou.
Tenho de dizer
que não sei, porque não conheço os factos. A minha opinião é esta: o que motiva
pessoas como o dr. Ricardo Salgado não é o dinheiro. Aquilo que motiva um homem
com o percurso de vida do dr. Ricardo Salgado é o poder. Que, no presente caso,
era o poder social e o financeiro. Para se manter no topo tinha de manter a
correlação de forças, o que em termos de dinheiro significa manter-se
maioritário enquanto accionista da família. O capital social do BES era de mais
de 5,6 mil milhões de euros e a família, com os franceses, tinha 25% deste
montante - e ele uma parte significativa em termos individuais. Foi-se
endividando e chegou a um momento que não aguentou. As motivações dele não são
mesquinhas nem egoístas, são de preservação do poder.
Isso não é
mesquinho nem egoísta?
Não. Não vejo em
que é que seja diferente das motivações do Presidente da República ou de dois
homens por quem eu tenho imensa admiração, que toda a vida foram motivados pelo
poder e desprezavam o dinheiro, Jaime Gama e José Medeiros Ferreira.
Um banco gere
dinheiro de muita gente, particulares, empresas que, por sua vez, têm outras
pessoas a seu cargo. Não é diferente?
Pois, percebo
isso.
Houve vários administradores
suspensos. Recentemente, dois deles passaram a prestar serviços ao Novo Banco.
Uma arbitrariedade?
Um deles era o
administrador do risco e o outro da auditoria, o dr. Joaquim Goes e o dr.
António Souto. O dr. Rui Silveira demitiu-se imediatamente quando foi suspenso
pelo BdP. Ponho as mãos no fogo por qualquer dos três - pelo dr. Silveira, que
conheço há muito tempo, até ponho a cabeça na guilhotina. Foi um tiro muito mal
dado pelo BdP, que os crucificou como principais responsáveis de alguma coisa
que não é verdade. Admito que isto seja uma tentativa de apagar essa decisão e,
por outro lado, baseia-se na sua competência e no conhecimento que têm da
gestão concreta do banco, de que os novos administradores não sabem nada.
Essa ajuda podia
ser pedida sem direito a remuneração?
Sim, mas pedir
ajuda a alguém sem pagar é capaz de ser um hábito esclavagista.
Que informações
lhe dão no banco?
O que tenho
ouvido dizer é que há pessoas, sobretudo ligadas à família Espírito Santo, que
estão a ter problemas económicos graves. Porque as pessoas têm tendência a
colocar o grosso das suas poupanças onde são conhecidas e mais bem tratadas, e
isso revela-se um grande erro em atmosfera de crise. Eu não devia ter nada no
BES, devia ter aquela conta para receber as senhas de presença, ponto.
A sua gravata
cor-de-rosa é pró-Costa ou pró-Seguro?
É pró-Costa.
Porquê?
Porque reconheço
nele um conjunto de qualidades que me fazem pensar que estará à altura daquilo
que se exige a um primeiro-ministro: é inteligente, lúcido, conhece a realidade
nacional, é trabalhador, não foge às dificuldades e é um homem que, tendo habilidade
para fazer política, não troca os princípios essenciais pela manobra, é animado
pelo desejo de transformar para melhor.
Como vê a
polémica em torno das primárias e do pagamento de quotas a militantes-fantasma?
Acho uma
vergonha. Mas para todos nós, não é para o contendor A ou para o contendor B.
Eventualmente, algum deles pode estar ligado ao problema e, se estiver, é
quanto basta para não ter dignidade para ser sequer militante do Partido
Socialista. Uma pessoa que utiliza estes estratagemas, pagar as quotas de
mortos e de emigrante há 14 anos, deve ser expulsa.
António Costa
pode saber ou estar ligado a isso?
Se tem alguma
coisa a ver com isso, é gravíssimo e não voto nele. Lembro-me de criticar o
comportamento das mesas eleitorais no anterior regime, nas eleições- -fantoche,
nas quais só podiam votar os chefes de família. Votavam os vivos, os mortos e
tudo o mais. Isto chamava-se chapelada. E fazer isso ou pagar as quotas de
pessoas que eu sei que não vêm votar é rigorosamente a mesma coisa.
Este tipo de
práticas pouco transparentes vão até ao financiamento dos partidos?
No meu tempo, o
financiamento dos partidos era feito por industriais que faziam transferências
bancárias ou era entregue em malas que eram dadas ao tesoureiro do partido, que
depositava e geria. Eu próprio trouxe uma vez uma mala do Luxemburgo. Na
altura, importar dinheiro era legal, exportar é que não. Foi-me dada pelo
secretariado do grupo socialista do Parlamento Europeu, onde estagiei três
meses. Numa das deslocações a Lisboa, salvo erro no Natal, o secretário-geral
adjunto, que era um italiano, e o secretário-geral, que era um alemão,
chamaram-me e disseram: toma esta pasta. Tem dinheiro, é para levares para o
partido. Trouxe, cheguei, entreguei ao dr. Mário Soares. Pronto.
O que é que o PS
pode fazer de diferente do actual governo?
Qualquer deles
vai fazer a mesma política, não vai fazer melhor. Porque não vai ter capacidade
de escolha. Quem manda no governo e vai continuar a mandar é uma comissão de
credores, porque vamos continuar a ter problemas de liquidez e de solvência.
Para os resolvermos, precisávamos de ter como primeiro-ministro o antigo
ministro das Finanças [Vítor Gaspar] ou a actual ministra das Finanças, e
precisávamos de aguentar um período de cinco ou seis anos com a política deles
para voltar a criar poupança e capitalização, para o país voltar a ser
autónomo. Como ninguém vai fazer isso, já se diz é que temos de gastar, que a
austeridade falhou, vamos investir. Mas a crédito. E, a crédito, vai acontecer
ao país o que aconteceu ao BES: cresce a dívida e volta tudo ao mesmo.
Vamos deitar todo
o esforço a perder, a partir do próximo ano?
Portugal deixou
de ter as contas públicas equilibradas a partir de Marcelo Caetano. Salazar e
Marcelo Caetano tinham toda uma carga de defeitos políticos à cabeça, acima de
tudo serem ditadores, mas sentido da responsabilidade pública tinham. E o que
se passa é que, desde os anos 80, temos tido uma governação de irresponsáveis
que gastam mais do que têm, generalizada loucamente a partir de 2000. Honra
seja ao actual primeiro-ministro, que disse alto e pára o baile, isto não pode
continuar assim. A partir de 2015 vamos voltar ao ciclo do gasta que é para a
campanha eleitoral e o sacrifício que temos estado a viver vai ser todo desfeito
e perdido.
Com tantos
elogios ao PSD, vota mesmo PS?
Ah! Uma coisa é o
sentido da responsabilidade, e é por ele que faço o elogio às pessoas, não ao
partido. Mas sou de alma e coração do Partido Socialista. Houve quatro homens
que me influenciaram na vida: o meu pai, o professor de Literatura dos 6.º e
7.º anos, Salgado Zenha e Mário Soares. Irei morrer no Partido Socialista, faça
o PS as asneiras que fizer, está na minha matriz. Mas não perdoo a
irresponsabilidade, sou contra a bandalheira.
Vota em quem para
Presidente?
Voto em Cavaco
Silva. Não voto na facilidade.
Porque acha que
Cavaco Silva é tão difícil, tão criticado?
Por uma questão
social: não pertence ao eixo Lisboa-Cascais. É um homem da pequena burguesia
urbana, típico pequeno-burguês urbano, que pela sua qualidade intelectual, pela
sua formação académica e pela sua seriedade chegou a Presidente da República.
Cavaco Silva não foi eleito pelo bloco social do PSD, foi eleito por muitos
cidadãos que ora votam PS, ora votam PSD. O bloco social que constitui o núcleo
duro sociológico do PSD detesta Cavaco Silva e, por isso, os meios de
comunicação social também não gostam dele. É muito maltratado por uma questão
social: porque é piroso, para usar um termo que diz tudo.
Quem é que
gostava de ver como próximo Presidente da República?
O prof. Marcelo
Rebelo de Sousa.
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