quarta-feira, 17 de setembro de 2014

António Lamas no CCB é o princípio de um novo pólo de museus de Belém. Estão em Belém.Belém não é Sintra mas Lamas pode ser a pessoa indicada.



António Lamas no CCB é o princípio de um novo pólo de museus de Belém
Nomeação prevê adaptação do eixo Ajuda-Belém ao modelo Parques de Sintra, reunindo vários equipamentos sob uma única administração. O CCB já perdeu a sua autonomia financeira
Vanessa Rato / 18-9-2014 / PÚBLICO

A hipótese foi levantada há já três anos — poderá concretizar-se agora: com a nomeação de António Lamas para a presidência do Centro Cultural de Belém (CCB), o Governo avançará para um projecto mais vasto de adaptação do eixo Ajuda-Belém ao modelo de sociedade da Parques de Sintra-Monte da Lua.
Equipamentos como CCB, Jerónimos, Museu da Marinha e Museu dos Coches poderão em breve ficar reunidos sob a tutela de um único conselho de administração, para cuja presidência já foi convidado também Lamas, presidente do Instituto Português do Património Cultural em 1987, quando lançou o concurso para a construção do CCB.
Nas Grandes Opções do Plano para 2015, divulgadas segunda-feira, lê-se: “Considera-se fundamental valorizar a Rede Portuguesa de Museus [...]. Como iniciativas futuras neste âmbito, releva a conclusão do processo de instalação do Museu dos Coches nas novas instalações, reforçando a capacidade de atracção de públicos para a Zona Monumental de Belém, bem como a promoção de uma gestão mais integrada dos equipamentos da Praça do Império.”
Até à hora de fecho desta edição, Lamas, professor catedrático do Instituto Superior Técnico e presidente da Parques de Sintra desde 2005, manteve- se incontactável. Em Outubro do ano passado, porém, assinou no PÚBLICO um artigo de opinião em que fazia a defesa do modelo.
“Desde que fui responsável por promover, no fim dos anos 1980, o Plano de Salvaguarda da Zona Ajuda-Belém, o CCB e o projecto de requalificação da envolvente do Palácio da Ajuda, que penso que as unidades que constituem o património de Belém [...] beneficiariam de uma gestão conjunta”, escreve.
Lamas enumera todas as âncoras culturais da zona: CCB, Jerónimos e os museus da Marinha, Coches, Presidência, Berardo, de Arqueologia, Etnologia e Arte Popular, mas também a Torre de Belém, o Palácio da Ajuda e o Padrão dos Descobrimentos, os jardins Tropical e Botânico, o Planetário e até a EDP.
“Hoje, face às limitações financeiras de todas essas instituições, não se justifica que possuam serviços separados de limpeza, pessoal, segurança, manutenção e gestão de projectos e obras; que não partilhem um sistema de bilhética; que não coordenem a divulgação de cada unidade e do conjunto, evitando concorrerem entre si pela atracção de públicos e organizarem eventos muitas vezes sobrepostos; que não partilhem competências, experiência e recursos humanos, em particular técnicos; que não desenvolvam projectos de interesse comum; que não potenciem o peso da sua articulação junto de entidades financiadoras; e que se queixem todas da falta de meios e que os grandes investimentos que a zona necessita aguardem, sem esperança, melhores dias.”
Lamas acrescenta ser “fundamental” o envolvimento da Câmara Municipal de Lisboa na gestão deste conjunto e do “complexo território” em que se insere, nomeadamente no que toca a acessos, trânsito, estacionamento e intervenções privadas em espaço público.
À semelhança de Sintra, o eixo Ajuda-Belém “suporta uma rentável ‘zona económica de influência’”, diz ainda Lamas, apontando negócios da envolvente que vão da restauração e comércio à hotelaria. Sublinha que estes agentes “exercem actividades totalmente dependentes da qualidade do ‘cenário’ patrimonial” em que se inscrevem, mas “ainda não participam na sua valorização nem sequer promoção”.
Um “ciclo virtuoso”
Uma década e meia volvida sobre a criação da Monte da Lua, de capitais exclusivamente públicos, Lamas explica que “a empresa depende somente das receitas provenientes dos visitantes, que são maioritariamente estrangeiros, não recebendo verbas do Orçamento de Estado”. “A sua sustentabilidade depende” de um “ciclo virtuoso da correcta gestão do património”, diz: “A sua recuperação qualificada permite atrair mais visitantes, gerar mais receitas e promover mais intervenções valorizadoras.”
Integrado num projecto destas características, o CCB afastar-se-á da sua matriz. A 30 de Setembro de 1999, quando transformou a Fundação das Descobertas em Fundação Centro Cultural de Belém, o XIII Governo Constitucional, de António Guterres, publicou em Diário da República não só os novos estatutos do CCB, mas também uma explicação dos motivos por detrás da alteração: “Apesar de o CCB gerar receitas próprias que cobrem cerca de metade das suas despesas, o projecto cultural que desenvolve, de manifesto interesse público, não é viável sem um comprometimento regular e efectivo do Estado.”
Segundo esse documento, o modelo previsto pelo anterior Governo para a Fundação das Descobertas, fundado na aliança entre Estado e empresas — “que teriam uma participação muito significativa quer no financiamento das actividades do CCB, quer na sua gestão” —, rapidamente “demonstrou estar assente numa ficção”: “O CCB dispõe de um património que lhe permite gerar receitas muito significativas, mas para a prossecução do interesse público cultural que lhe está confiado carece de um apoio sustentado do Estado, que, pelo seu lado, deve dispor de meios de intervenção na gestão do centro.”
Ao longo de 15 anos, e até 1 de Setembro último, o CCB regeu-se pelos estatutos de 1999. No princípio do mês, porém, perdeu a autonomia financeira de que usufruía desde a criação da Fundação das Descobertas, em 1991. Segundo apurado pelo PÚBLICO, apesar de continuar temporariamente a reger-se pelos estatutos de fundação, a 1 de Setembro o CCB foi reclassificado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tendo passado para o perímetro da Administração Pública.
Em termos de orçamento e contabilidade, passará a funcionar da mesma forma que organismos como o Teatro Nacional de São Carlos ou a Cinemateca Portuguesa, que há um ano ameaçou fechar portas por falta de verbas operacionais.
“Significa que podemos perder alguma agilidade de gestão”, confirmou ao PÚBLICO o vogal do conselho de administração Miguel Leal Coelho, que, desde a morte de Vasco Graça Moura, em Abril, vinha assegurando interinamente a presidência do CCB.
Equiparado à função pública, o CCB terá de ver superiormente autorizadas todas as suas despesas. E não poderá exercer as actividades empresariais através das quais gera grande parte das suas receitas. É o caso do aluguer e concessão de espaços como o das suas lojas e salas. É também o caso da construção do hotel que comporia o módulo em falta no edifício de Belém, projecto anunciado pelo então presidente António Mega Ferreira e que terá arrancado durante a administração de Graça Moura, seu sucessor.

Estão em Belém
É em Belém, que com a Ajuda poderá vir a formar um eixo de gestão comum dos equipamentos culturais nesta zona de Lisboa, que estão as mais visitadas instituições sob a alçada da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). O Mosteiro dos Jerónimos, que recebeu 722.758 pessoas em 2013, é o monumento mais visitado do país. Em segundo lugar aparece a Torre de Belém, com mais de 537.855 visitantes.
Se falarmos apenas de museus, é também em Belém que está o blockbuster: o Museu dos Coches conseguiu, em 2013, 189.015 visitas. Fora da gestão da DGPC, o Museu Colecção Berardo, com casa no edifício do CCB, teve no ano passado 562.614 visitantes.
O Palácio Nacional da Ajuda, que poderá integrar o novo pólo concebido pelo Governo, é o primeiro da lista dos palácios mais populares, com mais de 253 mil visitas — muito graças à exposição de Joana Vasconcelos, que atraiu 235 mil pessoas.
Foi há três anos, com a passagem da gestão para a Parques de Sintra-Monte da Lua, que a DGPC perdeu o seu palácio com mais entradas: o Palácio Nacional de Sintra tinha, em 2011, 373 mil visitantes. Perdeu também o Palácio Nacional de Queluz, com 152 mil entradas, em 2011. Estes dois espaços culturais significaram em 2013 um crescimento de 27,3% de visitantes para os valores totais da Monte da Lua. Em 2006, a direcção do Património já tinha perdido o Palácio da Pena, que sozinho fizera nesse ano 382 mil visitantes.
No ano passado, o total de visitantes do Monte da Lua foi de 1,7 milhões entradas, um número que é ultrapassado pela soma de visitantes do Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém e Museu Colecção Berardo — mais de 1,8 milhões de entradas.
Catarina Moura

Belém não é Sintra mas Lamas pode ser a pessoa indicada
Se é para se criar um novo pólo Belém-Ajuda, então António Lamas será a pessoa certa para ficar no seu comando.
Cláudia Carvalho / 18-9-2014 / PÚBLICO

Embora não seja ainda conhecido o plano de Lamas, Isabel Cordeiro, até ao início do ano directora-geral do Património Cultural, acredita que com a sua escolha para presidente do CCB se cria uma “oportunidade para se repensar os modelos de gestão dos museus e monumentos e mais ainda da área monumental de Belém-Ajuda”. “É importante criar sinergias e criar uma relação entre os museus e monumentos que estão na Praça do Império, e do próprio CCB, com os museus e palácios que se encontram na parte superior do pólo monumental”, diz Cordeiro, lembrando, no entanto, que há questões que têm de ser acauteladas, “relativamente aos princípios de subsidiariedade de uns monumentos em relação aos outros”.
“Acho que há oportunidades mas claro que há muita reflexão para se fazer em torno desse assunto porque é uma matéria complexa”, continua Cordeiro. “António Lamas será de certeza a pessoa certa para pensar nisso. É uma pessoa que tem reflectido sobre isso e tem uma obra feita”, referindo-se ao trabalho de Lamas na direcção da Parques de SintraMonte da Lua, com quem chegou a trabalhar.
No entanto, Luís Raposo, o arqueólogo que já foi director do Museu Nacional de Arqueologia, situado nos Jerónimos, lembra que a situação de Sintra não é comparável com a de Belém. “Nenhuma das unidades que Lamas geriu em Sintra tem esta dimensão. Não têm, apesar de tudo, a centralidade em termos de memória nacional que têm estes museus.” Raposo diz ainda que há aspectos em Sintra que é preciso rever. “A experiência de Sintra é muito boa do ponto de vista da qualificação do património, do restauro, da conservação, mas tem problemas graves”, exemplificando com os preços praticados, “especialmente no Palácio da Pena”, cuja entrada custa 14 euros.
Luís Raposo já no ano passado enquanto presidente do ICOM Portugal tinha alertado, num artigo publicado no PÚBLICO, em reacção ao artigo de António Lamas, para “os perigos” que a mudança em Belém pode acarretar. Agora explica: “Eu estou de acordo que deve haver uma gestão integrada, acho que é vantajoso e acho até escandaloso que ainda não exista mas é preciso ter cuidado para não haver uma descaracterização da personalidade própria de cada unidade.” Admite que António Lamas “com o conhecimento profundo que tem desta matéria encontre a via equilibrada e adequada para conjugar a gestão integrada com a autonomia de projectos”, diz o arqueólogo, para quem é importante que todos os museus e monumentos da zona integrem este novo pólo. “Se for só o que é da Secretaria de Estado da Cultura, então o projecto fica coxo”, afirma.
Isto porque, explica, é importante que se pense numa gestão integrada não só ao nível da bilhética, como da circulação de equipamentos, pessoas, e ainda da programação. “Pode ser uma forma de aumentar, por exemplo, o número de visitantes ao Museu Nacional de Etnologia”, que em 2013 teve 12.051 visitantes.


Raposo lembra ainda que em Belém estão “algumas máquinas de fazer dinheiro” como o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém e, uma vez adoptado o modelo da Parques de Sintra, “as receitas geradas passam a ser todas postas ao serviço desses monumentos”. “Isso vai beneficiar muitíssimo esses monumentos dessa zona e é muito bom. Só que a preço de quê? Do colapso de uma política nacional justa de reinvestimento noutras zonas do país, onde os museus e os monumentos são altamente deficitários”, explica, temendo que os apoios do Estado se reduzam ainda mais.

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