quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Magalhães e a condição humana, por Luís Osório

Fundação do Magalhães já gastou quase meio milhão desde o anúncio da sua extinção
O governo anunciou há três anos o fim da polémica fundação, mas a FCM continua em actividade. Contas ainda estão por encerrar
A FCM - Fundação para as Comunicações Móveis, mais conhecida como a fundação Magalhães, já gastou quase meio milhão de euros desde que o governo anunciou há três anos a intenção de a extinguir.

De acordo com a análise do i aos contratos de aquisição de bens e serviços publicados no portal Base desde Setembro de 2011 – data em que o secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro, revelou no parlamento que iria propor a sua extinção – esta fundação celebrou 18 contratos por um valor global de 402,2 mil euros (mais os pagamentos respectivos de IVA).
Jornal i online

Magalhães e a condição humana
Por Luís Osório
publicado em 18 Set 2014 in (jornal) i online

A Fundação Magalhães continua a gastar dinheiro quando julgávamos que estava morta
Ainda não refeitos do julgamento do Face Oculta, em que a teia de relações, cumplicidades, prendas e nomes em código, nos transportou para uma espécie de regresso de Tony Soprano ao mundo dos vivos, eis que surge mais uma metáfora do país que somos.

A FCM, conhecida por Fundação Magalhães, foi anunciada pelo governo como uma das fundações a extinguir. Passaram três anos e quase meio milhão de euros. E nada, sabemos agora. Depois de um secretário de Estado celebrar a intenção em prime time, a fundação assinou mais 17 contratos. O último no passado mês de Junho e, como vem detalhado na notícia de João d’Espiney, podemos ficar descansados; nos próximos 365 dias, por muitos problemas que tenha, a FCM não ficará sem limpeza.

Sabemos que existem diferenças entre fazer campanha eleitoral e governar – os americanos até gostam de dizer que em campanha se exercita a poesia e na governação as quadras são substituídas por prosa pura e dura. Sabemos igualmente que há oposição entre o que é dito publicamente (não só por políticos) e o que acontece na realidade. São as consequências de vivermos num mundo virtual, onde nem o dinheiro (ou principalmente o dinheiro) existe materialmente. Um mundo volátil, onde o que é dito hoje, e marca a agenda noticiosa, é substituído por outro assunto, e por aí adiante. Uma animação em permanência, onde, de máscara em máscara, cada vez mais protagonistas se esquecem da sua cara original. E esquecem o que disseram, prometeram, juraram. Porque cada dia é um dia.
Acontece que o governo, este e todos os outros, tem maiores responsabilidades. Deve ser um garante de estabilidade, também no que diz e na forma como o diz. Quando um ministro fala, e com isso preenche as páginas dos jornais e o espaço nas televisões, deve existir uma consequência. E neste caso, mais uma vez, o que se prometeu está por cumprir quase mil dias depois. O Magalhães parece ter dotes mágicos e, contra ventos, marés e a queda do seu mentor político, José Sócrates, resiste e resiste e resiste.


A política, como a democracia, só se pode regenerar se respeitar a sua condição. Com as pessoas é a mesma coisa. De pouco nos pode ajudar saber se uma pessoa é velha ou nova; é apenas uma condição. Como ser careca, coxo ou ter os pés grandes. O que distingue uma pessoa, mesmo que seja uma criança, é o que ela põe à frente dessa condição. Nada mais.

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