domingo, 14 de setembro de 2014

“Great Britain or Little England”? / Teresa de Sousa .


Great Britain or Little England”?
Teresa de Sousa / 14-9-2014 / PÚBLICO

A questão é simples: qual o lugar do Reino Unido no mundo no caso de a Escócia decidir pela independência? resposta, à primeira vista, também não parece muito complicada. A Escócia representa apenas 8% da população britânica e 9% do seu PIB, embora tenha uma dimensão geográfica muito superior. Começa a complicar-se quando se olha para a eventual separação da Escócia do ponto de vista simbólico e do ponto de vista político. Sem a Escócia, que representa quase um terço do território britânico, o que “resta” do Reino Unido parece demasiado pequeno. Mas este é o menor dos problemas.
Politicamente, a quinta (ou sexta, alternando com a França) economia do mundo que é a segunda potência militar do Ocidente e a quarta a nível mundial, que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que tem um arsenal nuclear não despiciendo e que já foi o maior império do mundo, só dificilmente é compatível com esta ideia de desintegração. A questão parece ser demasiado séria para justificar o comportamento das elites londrinas, todos os partidos incluídos, que nunca acreditaram na possibilidade de uma vitória do “sim”, preferindo exibir alguma complacência do que um debate político sério. Quando se deram conta dos resultados das últimas sondagens entraram em pânico.
Da mesma forma, as capitais europeias também se deixaram surpreender. Olham agora com preocupação para a separação da Escócia como um incentivo poderoso para outras situações semelhantes e ainda não pensaram o que fazer com um novo país que, estando dentro da União Europeia, terá que sair para entrar de novo. Os tratados não contemplam este cenário de secessão, considerado como altamente improvável. Na sexta-feira quase dois milhões de catalães ocuparam as ruas de Barcelona com um entusiasmo redobrado, na perspectiva de um “sim” em Edimburgo. O País Basco poderia vir a seguir. A Flandres ficaria confortada com um resultado que vai ao encontro das suas aspirações. Até na Baviera já nasceu um partido que quer a independência do land mais rico da Alemanha e também mais céptico em relação à Europa. Alguém dizia, num debate recente, que “as fronteiras estão a explodir em toda a Europa”. Num texto publicado no passado dia 12, Charles Grant, o director do Center for European Reform de Londres, resume o que está em causa: “Um ‘sim’ não iria apenas abalar profundamente a política britânica, aumentaria a possibilidade de ver o Reino Unido abandonar a Europa, alimentaria o separatismo noutros países europeus e diminuiria o estatuto global do que restasse da Grã-Bretanha.”
Estas são as consequências que toda a gente percebe. A questão é ainda mais dramática quando a independência da Escócia encontra na Europa um dos seus argumentos mais poderosos, ao mesmo tempo que o Reino Unido, levado por um caminho que pode não ter regresso, se prepara para referendar a sua eventual saída.
Foi uma espécie de “europeísmo ideológico” que alimentou a ilusão de que seria possível reduzir a importância real e simbólica dos Estados-membros, esvaziando os seus poderes para a estrutura supranacional e para as realidades regionais. Foi esta ideia, que dominou o pensamento das elites europeias até meados da década passada, que ajudou a criar as condições para a emergência de uma espécie de nacionalismo, que não é contra a Europa, como a Frente Nacional francesa, mas se apresenta como um “nacionalismo europeu”, permitindo às velhas nações encontrar na esfera supranacional uma alternativa ao Estado de que fazem parte. Esta Europa cada vez mais integrada tornava desnecessárias as reivindicações nacionalistas na Catalunha como na Escócia, na Flandres ou na Padania. Aliás, a ideia pareceria corresponder às grandes transformações da economia mundial que se seguiram à Guerra Fria. Os teóricos da globalização escreveram longamente sobre a diluição dos Estados-nação, cuja soberania estava a ser enfraquecida pelo poder global dos mercados. Viam na União Europeia o modelo mais perfeito para articular os diferentes níveis em que a soberania se passava a exercer.
Tudo isto se revelou como efémero. A Escócia vê na Europa o seu refúgio político e económico. Professa um “nacionalismo europeu” precisamente quando a União Europeia começa a não estar em condições de garantir esse papel. A crise acelerou o caminho de regresso do verdadeiro poder europeu aos Estados-membros, muito mais resistentes do que se chegou a pensar. A Escócia só muito dificilmente encontrará nesta Europa a boa alternativa ao Reino Unido. Ao “europeísmo ideológico” em acelerado declínio, os conservadores britânicos não têm qualquer alternativa a não ser o seu o seu próprio “antieuropeísmo ideológico”.
David Cameron arrisca-se a ficar na História como o político que perdeu a Escócia e que perdeu a Europa. A sua política externa é avaliada pela maioria dos comentadores britânicos como um “desastre”. Conseguiu de uma assentada diminuir a capacidade de influência de Londres em Bruxelas e fragilizar a sua relação com Washington, a pedra angular da política externa britânica desde a II Guerra. Ficou sem qualquer margem de manobra ao deixarse aprisionar pelos eurocépticos do seu próprio partido, por sua vez radicalizados pelo êxito do UKIP (que ganhou as europeias). Se o “sim” vencer, Londres e Edimburgo entrarão numa longa e complexa negociação, que levantará muitos dos problemas que os independentistas esconderam: da moeda à força nuclear britânica, passando pela repartição da dívida ou à partilha do petróleo. Bruxelas acompanhará a par e passo esta negociação antes de emitir qualquer opinião sobre a adesão da Escócia à União Europeia que, convém lembrar, é decidida por unanimidade. Mas mesmo que o “não” salve Cameron de mais uma humilhação, nada mais ficará na mesma nem em Londres nem em Bruxelas. “O mundo veria um país que desempenha um papel relevante no palco mundial desaparecer por um período de dois ou três anos”, diz Lord Roberston, escocês e antigo secretário-geral da NATO. Para além da incerteza, que se prolongará até 2017, sobre o seu destino europeu. “Não há nada de esplêndido neste isolacionismo” britânico, escreve Philip Stefens no Financial Times. “A forma como estamos a deslizar para a irrelevância transformou-se num embaraço nacional”, diz Kirsty McNeill, investigadora da Fabian Society.


Também a Europa não será a mesma se o Reino Unido sair. Na quinta-feira se saberá qual o caminho: “Great Britain or Little England”. Com uma vantagem: ninguém disparará um tiro.

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