ANA GOMES
FERREIRA 11/09/2014 - 13:56 (actualizado às 17:22) / PÚBLICO
Nem toda a Catalunha quer a independência, mas quase toda exige o direito
de escolher. Ao rejeitar o cenário escocês, ilegalizando o referendo, Madrid
deu muitas munições ao campo nacionalista
Centenas de
milhares de catalães saíram à rua no dia nacional para exigirem o direito de
voltarem a saír, a 9 de Novembro, para votarem no referendo à independência.
Esperava-se que dois milhões ocupassem o centro de Barcelona e desenhassem um
“V”, de “votar” — a massa humana ocuparia 11 quilómetros, nas contas do governo
regional, que marcou o protesto.
A população - 1,8
milhões de pessoas, segundo a polícia de Barcelona, perto de 500 mil segundo os
representantes do Governo de Madrid - vestiu roupa amarela e vermelha, a cor da
bandeira catalã. Mas de vez em quando aparecia uma mancha diferente, em azul e
branco, as cores da bandeira da Escócia que, a 18 de Setembro, referenda a sua
independência do Reino Unido.
O Governo
britânico não levantou obstáculos a esta consulta popular — e agora está em
pânico, com o “sim” a subir vertiginosamente nas sondagens e a não se saber,
neste momento, que campo irá ganhar. “A escolha é do escoceses”, disse o
primeiro-ministro, David Cameron, mas implorando à Escócia para não partir. Em
Madrid, as autoridades centrais fizeram outra opção, e puseram em marcha um
processo para considerar ilegal e inconstitucional o referendo da Catalunha.
Aqui, as sondagens seguiram um caminho semelhante ao escocês, com os votos ao
“sim” à independência a crescerem, à medida que o tempo foi passando e que a
luta política se foi acirrando. Uma sondagem oficial — desvalorizada pelo
Governo central precisamente por ser oficial — diz que o apoiodos catalães à
independência triplicou entre Março de 2206 e a actualidade — passou de 13,2%
para 45,2; 20% dos inquiridos preferem que Espanha se torne um estado federal e
23% querem a manutenção das regiões autónomas.
“Que sorte têm os
escoceses por viverem num país que autoriza uma votação como esta É a diferença
entre nós”, disse à Reuters um manifestante de Barcelona, Victor Panyella,
professor de 50 anos. “Queremos ser nós a decidir o nosso futuro e estamos de
olho na Escócia”.
Há paralelismos
entre os dois processos de independência — incertezas quanto à economia, que
moeda adoptar, como será a relação com a União Europeia (integração automática,
nova adesão ou ficar de fora) ou com a NATO. São os pontos que os analistas
referem, acrescentando que a Escócia já tem um reconhecimento internacional enquanto
país, a Catalunha teria que passar por todo esse processo.
No campo das
diferenças, aponta-se uma que é maior: na Escócia, e em parte porque não houve
obstáculos ao referendo, o processo foi dominado pelos aparelhos partidários.
Na Catalunha, as forças políticas precisaram de se apoiar na pressão social,
que foi crescendo. E, há dois anos, surpreendeu Madrid que não esperava ver
dois milhões de pessoas na rua (há dois anos) a exigir a independência.
As sondagens
independentes dizem que, hoje, 80% dos catalães querem o referendo de forma a
serem eles a decidir o seu futuro. Pelo que há outra questão sobre a mesa — o
que consideram ser a atitude pouco democrática do Governo de Madrid, chefiado
pelo conservador Mariano Rajoy.
Nos testemunhos
que a agência Reuters e o jornal britânico The Guardian recolheram em
Barcelona, há um tema unânime: nem todos os catalães desejam a independência,
mas a opção de Madrid pô-los quase todos de acordo na exigência do direito a
escolher.
O presidente da
Generalitat, Artur Mas, centrou-se nesse direito nas declarações que fez neste
dia da Catalunha (a Diada, que assinala precisamente o fim da independência da
Catalunha, derrotada a 11 de Setembro de 1714). A primeira Diada foi em 1886,
depois o ditador Franco proibiu-a e a festa nacional só voltou a ser celebrada
em 1980.
Artur Mas disse
que está tudo preparado para o referendo. “Neste momento não falarei de outro
cenário que não seja o 9N”, disse, pedindo unidade às famílias políticas da
Catalunha. Não quis falar da possibilidade de haver antecipação das eleições,
caso Madrid proibe a consulta, como se espera, ou das próximas etapas do
movimento independentista. O desafio mais aberto a Madrid veio da parte do
líder da Esquerda Republicana (ERC), Oriol Junqueras, que exortou os catalães à
“desobediência civil”. “Os catalães têm o direito e o dever de desobedecer
porque o direito de voto é fundamental”, disse Junqueras. “Se a 9 de Novembro
estiverem nove mil pessoas na rua e estiverem oito mil mesas de voto abertas
será muito difícil que não possam votar”.
Na manifestação
(em que participaram membros do governo autonómico mas não Mas), a presidente
da Assembleia Nacional catalã, Carme Forcadell, gritou: "Presidente da
Catalunha, prepare as urnas".
O chefe do
Governo espanhol, Mariano Rajoy, comentou a Diada. No parlamento para falar
sobre doação de órgãos, disse que a “unidade” é um activo que ajuda a melhorar
a vida de todos porque, dessa forma, as comunidades autonómicas “cooperam”.
“Gostava que este procedimento se aplicasse a todas as facetas que afectam a
vida dos espanhóis”, disse Rajoy.
Artur Mas
respondeu-lhe: Peço às instituições espanholas, e especificamente ao Governo
para dar atenção ao estado de espírito nas ruas da Catalunha. O que está a
acontecer hoje não é um desafio ao Estado, é o desejo de uma grande parcela da
sociedade da Catalunha”.
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