sexta-feira, 12 de setembro de 2014

"De olho na Escócia", centenas de milhares de catalães saem à rua para exigir direito ao referendo

EDITORIAL
Os últimos cartuchos dos independentistas
DIRECÇÃO EDITORIAL 11/09/2014 - 23:48 / PÜBLICO
Seja qual for o resultado do referendo de dia 18 na Escócia, a Catalunha insistirá em ter o seu.
Nesta quinta-feira, como se esperava, largos milhares de catalães desfilaram pelas ruas de Barcelona exigindo, não a independência (que defendem) mas a possibilidade de escolher por via do voto (à semelhança do que sucede agora a Escócia) o seu destino. Via que será defendida na Catalunha, a acreditar nas sondagens, por uma esmagadora maioria, 80%. Todos eles favoráveis à independência? Não. Mas todos favoráveis ao voto.

O problema do governo de Madrid foi negá-lo, desde o princípio, quando até em Inglaterra David Cameron foi favorável a uma consulta popular na Escócia (talvez demasiado confiante na vitória do “não” à independência). E é por isso que agora a pressão das ruas é sobretudo centrada na possibilidade de escolha. Isso não significa que o desejo independentista não esteja a recolher mais adeptos na Catalunha, mas é pelo referendo que se batem no imediato. E a luta corre o risco de radicalizar-se, ganhe ou não a Escócia o direito à independência.

Se o voto dos escoceses no dia 18 for maioritariamente pelo “sim” (agora em queda nas sondagens, com 47%) a Catalunha rejubilará e a pressão para que o referendo se realize será enorme, havendo já quem sugira que ele se faça à revelia de Madrid e à margem das leis de Espanha. Se na Escócia ganhar o “não” (agora em alta, com 53%), isso arrefecerá os ânimos independentistas mas não calará os que exigem o referendo: seja qual for o resultado, os catalães quererão também tentar a sua “sorte”.

Nas ruas, na quinta-feira, além da esquerda (em parte republicana) que se juntou à manifestação pró-referendo, uma direita extremista esteve na (muito menor) manifestação contra a independência. Nuns, símbolos guevaristas, noutros suásticas e símbolos das SS nazis. Não representam, nem uns nem outros, os adeptos ou adversários da independência catalã. Mas são franjas de uma radicalização que pode, indesejavelmente, resvalar para o ódio. É preciso estar atento.

 "De olho na Escócia", centenas de milhares de catalães saem à rua para exigir direito ao referendo
ANA GOMES FERREIRA 11/09/2014 - 13:56 (actualizado às 17:22) / PÚBLICO

Nem toda a Catalunha quer a independência, mas quase toda exige o direito de escolher. Ao rejeitar o cenário escocês, ilegalizando o referendo, Madrid deu muitas munições ao campo nacionalista

Centenas de milhares de catalães saíram à rua no dia nacional para exigirem o direito de voltarem a saír, a 9 de Novembro, para votarem no referendo à independência. Esperava-se que dois milhões ocupassem o centro de Barcelona e desenhassem um “V”, de “votar” — a massa humana ocuparia 11 quilómetros, nas contas do governo regional, que marcou o protesto.

A população - 1,8 milhões de pessoas, segundo a polícia de Barcelona, perto de 500 mil segundo os representantes do Governo de Madrid - vestiu roupa amarela e vermelha, a cor da bandeira catalã. Mas de vez em quando aparecia uma mancha diferente, em azul e branco, as cores da bandeira da Escócia que, a 18 de Setembro, referenda a sua independência do Reino Unido.

O Governo britânico não levantou obstáculos a esta consulta popular — e agora está em pânico, com o “sim” a subir vertiginosamente nas sondagens e a não se saber, neste momento, que campo irá ganhar. “A escolha é do escoceses”, disse o primeiro-ministro, David Cameron, mas implorando à Escócia para não partir. Em Madrid, as autoridades centrais fizeram outra opção, e puseram em marcha um processo para considerar ilegal e inconstitucional o referendo da Catalunha. Aqui, as sondagens seguiram um caminho semelhante ao escocês, com os votos ao “sim” à independência a crescerem, à medida que o tempo foi passando e que a luta política se foi acirrando. Uma sondagem oficial — desvalorizada pelo Governo central precisamente por ser oficial — diz que o apoiodos catalães à independência triplicou entre Março de 2206 e a actualidade — passou de 13,2% para 45,2; 20% dos inquiridos preferem que Espanha se torne um estado federal e 23% querem a manutenção das regiões autónomas.

“Que sorte têm os escoceses por viverem num país que autoriza uma votação como esta É a diferença entre nós”, disse à Reuters um manifestante de Barcelona, Victor Panyella, professor de 50 anos. “Queremos ser nós a decidir o nosso futuro e estamos de olho na Escócia”.

Há paralelismos entre os dois processos de independência — incertezas quanto à economia, que moeda adoptar, como será a relação com a União Europeia (integração automática, nova adesão ou ficar de fora) ou com a NATO. São os pontos que os analistas referem, acrescentando que a Escócia já tem um reconhecimento internacional enquanto país, a Catalunha teria que passar por todo esse processo.

No campo das diferenças, aponta-se uma que é maior: na Escócia, e em parte porque não houve obstáculos ao referendo, o processo foi dominado pelos aparelhos partidários. Na Catalunha, as forças políticas precisaram de se apoiar na pressão social, que foi crescendo. E, há dois anos, surpreendeu Madrid que não esperava ver dois milhões de pessoas na rua (há dois anos) a exigir a independência.


As sondagens independentes dizem que, hoje, 80% dos catalães querem o referendo de forma a serem eles a decidir o seu futuro. Pelo que há outra questão sobre a mesa — o que consideram ser a atitude pouco democrática do Governo de Madrid, chefiado pelo conservador Mariano Rajoy.

Nos testemunhos que a agência Reuters e o jornal britânico The Guardian recolheram em Barcelona, há um tema unânime: nem todos os catalães desejam a independência, mas a opção de Madrid pô-los quase todos de acordo na exigência do direito a escolher.

O presidente da Generalitat, Artur Mas, centrou-se nesse direito nas declarações que fez neste dia da Catalunha (a Diada, que assinala precisamente o fim da independência da Catalunha, derrotada a 11 de Setembro de 1714). A primeira Diada foi em 1886, depois o ditador Franco proibiu-a e a festa nacional só voltou a ser celebrada em 1980.

Artur Mas disse que está tudo preparado para o referendo. “Neste momento não falarei de outro cenário que não seja o 9N”, disse, pedindo unidade às famílias políticas da Catalunha. Não quis falar da possibilidade de haver antecipação das eleições, caso Madrid proibe a consulta, como se espera, ou das próximas etapas do movimento independentista. O desafio mais aberto a Madrid veio da parte do líder da Esquerda Republicana (ERC), Oriol Junqueras, que exortou os catalães à “desobediência civil”. “Os catalães têm o direito e o dever de desobedecer porque o direito de voto é fundamental”, disse Junqueras. “Se a 9 de Novembro estiverem nove mil pessoas na rua e estiverem oito mil mesas de voto abertas será muito difícil que não possam votar”.

Na manifestação (em que participaram membros do governo autonómico mas não Mas), a presidente da Assembleia Nacional catalã, Carme Forcadell, gritou: "Presidente da Catalunha, prepare as urnas".

O chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy, comentou a Diada. No parlamento para falar sobre doação de órgãos, disse que a “unidade” é um activo que ajuda a melhorar a vida de todos porque, dessa forma, as comunidades autonómicas “cooperam”. “Gostava que este procedimento se aplicasse a todas as facetas que afectam a vida dos espanhóis”, disse Rajoy.


Artur Mas respondeu-lhe: Peço às instituições espanholas, e especificamente ao Governo para dar atenção ao estado de espírito nas ruas da Catalunha. O que está a acontecer hoje não é um desafio ao Estado, é o desejo de uma grande parcela da sociedade da Catalunha”.

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