OPINIÃO
Ricardo Salgado é um doce
JOÃO MIGUEL
TAVARES 16/09/2014 - PÚBLICO
A reportagem da RTP foi uma inacreditável lavagem de Salgado. Entrou na
máquina um banqueiro com fama pública de trafulha e de burlão e, após 30
minutos de ensaboadela, saiu um banqueiro azarado, tramado pela família e pelo
Banco de Portugal.
No sábado a RTP
emitiu uma reportagem de Jorge Almeida intitulada Ricardo Salgado, o ex-Dono
Disto Tudo. Eu não conheço o jornalista Jorge Almeida nem quem lhe propôs o
trabalho ou arranjou os entrevistados. Não sei se ele é bom, se ele é mau ou se
é assim-assim. Mas isto eu sei: a sua reportagem foi uma inacreditável lavagem
de Salgado. Entrou na máquina um banqueiro com fama pública de trafulha e de
burlão e, após 30 minutos de ensaboadela, saiu um banqueiro azarado, tramado
pela família e pelo Banco de Portugal.
A questão não
está no anódino texto em off – está nos frisantes depoimentos. Valia a pena
alguém fazer uma reportagem sobre a reportagem, para percebermos como é que os
convidados foram ali parar e as ligações que cada um tem a Salgado e ao BES. A
primeira frase sai da boca de Mário Soares: “Muitas pessoas em Portugal já
perceberam que foi uma grande asneira ter arranjado este sarilho todo.” Reparem
na expressão “arranjado este sarilho”: não foi Salgado que desvairou, foi o Governo
que o ensarilhou. Mais à frente, Soares esclarece: “Eu estou convencido que ele
não disse a última palavra. E quando o disser, as coisas vão ficar de outra
maneira.”
O jornalista
Jorge Almeida também deve acreditar nisso, já que a reportagem termina assim:
“Ricardo Salgado tem pela frente a maior batalha da sua vida: limpar o nome da
sua família e provar, no banco dos réus, a sua inocência.” E para isso, nada
como uma reportagem composta pelo depoimento de 12 personalidades, que até dá
para exibir como prova de defesa. Com excepção das jornalistas Maria João Babo
e Maria João Gago, autoras do livro O Último Banqueiro, que mantêm uma certa
distância em relação a Salgado, todos os outros entrevistados ou o defendem ou
estão incrédulos. Jorge Almeida não conseguiu encontrar uma alminha – uma só –
que se sinta enganada, roubada, injustiçada e que resolva dizer cobras e
lagartos de Ricardo Salgado. O jornalista só encontrou amigos.
E que amigos:
Mário Soares, Miguel Veiga (que define Salgado como “um homem com mão de ferro
em luva de veludo” e classifica a acusação de ilegalidades de Carlos Costa como
“tendenciosa, prematura e injustificada”), Murteira Nabo, Carlos Monjardino, os
“incrédulos” funcionários José António Antunes e Carlos Silva (“as pessoas ficaram
com um género de orfandade”, diz o secretário-geral da UGT), Michael de Mello
(que chama “pessoa muito impulsiva” a José Maria Ricciardi, acusando-o de levar
a discussão da sucessão da família para a rua), Eduardo Catroga (“acho
exagerada a imputação de responsabilidades a nível de grupo apenas ao doutor
Ricardo Salgado”), e ainda dois veteranos da banca espanhola, Jaime Carvalhal e
Emilio Ybarra, a declararem em uníssono a sua “grande surpresa” e a lamentarem
a “tragédia”, “não só para família e accionistas, mas também para Portugal e
para a economia portuguesa”. Nem sequer falta uma cotovelada ao Crédit
Agricole, através de uma publicidade do próprio banco francês: “A crise actual
não vem dos bancos, vem dos Estados.”
O programa da RTP
onde a reportagem passou chama-se Linha da Frente, mas a mim pareceu-me mais a
linha de retaguarda de Salgado a funcionar a todo o vapor. Preparemo-nos, que o
spin já aí está: o governo e a guerra familiar foram os responsáveis pela queda
do BES, tivesse o mundo mantido a confiança em Salgado e o banco estaria rijo
que nem um pêro, e blá, blá, blá. Lógica, a coisa tem pouca. Só que a falta de
vergonha distribui lucros muito elevados.
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