Algo está a mudar na justiça
Por Luís Rosa
publicado em 17
Set 2014 in
(jornal) i online
A condenação de Lurdes Rodrigues é mais um exemplo de como os tribunais
olham para os poderosos de forma diferente
Um ex-autarca e
ex-ministro a cumprir pena de prisão de um ano por fuga ao fisco, um
ex-banqueiro condenado por manipulação de mercado, outro ex-banqueiro (e
ex-ministro) condenado a pena de prisão efectiva por tráfico de influência e um
terceiro homem da banca, ex-dono disto tudo, detido para ser constituído
arguido por suspeitas de branqueamento de capitais. Tudo isto aconteceu em
Portugal – e não na Suécia. Tudo isto aconteceu a Isaltino Morais, Jardim
Gonçalves, Armando Vara e Ricardo Salgado – cidadãos que os portugueses comuns
julgam poderosos e inatingíveis. E tudo isto revela que algo na justiça está a
mudar.
A condenação de
Maria de Lurdes Rodrigues a três anos e meio com pena suspensa pelo crime de
prevaricação está dentro do mesmo padrão. Com uma nuance: mais importante que a
pena suspensa a que foi condenada na 6.a Vara Criminal de Lisboa, foi a multa
de 30 mil euros pelo prejuízo causado ao Estado – cujo pagamento ditará de facto
a suspensão da pena. Essa pena acessória prova que a justiça quer dar maior
relevo aos danos patrimoniais provocados por decisões dos titulares de cargos
políticos. Este facto não é de somenos quando a crise económica que o país vive
ininterruptamente há mais de 14 anos não se deve apenas ao esgotamento do
modelo que promoveu o progresso económico, mas também a muitas decisões
erradas, infundadas e reveladoras de má gestão que foram tomadas pela nossa
classe política. Igualmente revelador desta nova fase é o facto de o último
membro do governo condenado por prevaricação ter sido Costa Freire, secretário
de Estado da Saúde do PSD nos anos 90 do século passado.
A mão mais pesada
da Justiça tem assustado os advogados. Certamente os leitores terão ouvido ou
lido declarações de vários criminalistas conhecidos sobre a desigualdade com
que os políticos ou banqueiros entram numa sala de audiências. Não é
intelectualmente honesto defender tal desigualdade ignorando o profundo
desequilíbrio que ainda existe no acesso à justiça. Quem pode pagar a um bom
advogado continua a ter uma justiça muito diferente daqueles que não têm poder
financeiro. Basta ver a forma como Isaltino Morais conseguiu escapar à prisão
durante dois anos através de recursos ou incidentes processuais, ou o simples
facto de raramente os poderosos cumprirem pena de prisão efectiva (fazer da
excepção de Isaltino a regra será a próxima fase) para percebemos melhor que
ainda falta percorrer algum caminho porque tais hipóteses estão vedadas ao
cidadão comum.
Este argumento de
alegada desigualdade levanta, contudo, outra questão. Estarão os juízes mais
duros com os rostos mais visíveis (políticos e banqueiros) das causas da
política de austeridade seguida nos últimos anos? Provavelmente sim. Mas esse
maior escrutínio é uma prova de justiça – e não de desigualdade. Os tribunais
têm de estar sintonizados com a comunidade que os rodeia – e não totalmente
desfasados da realidade. Os juízes, como os cidadãos, estão hoje mais
sensibilizados para as consequências negativas dos decisores políticos e para
os problemas do sistema financeiro. Isso é uma clara evolução do nosso
escrutínio democrático e um sinal de esperança. Mas acima de tudo é um sinal de
que o país está a avançar – e não a definhar.
Sem comentários:
Enviar um comentário