Depois da Escócia, a Catalunha,
mas em pior
Haverá mais algum país europeu que ponha à votação a unidade nacional?
Análise Jorge Almeida Fernandes / 21-9-2014 / PÚBLICO
Após o referendo
escocês, “o reino mantém-se unido” e abrir-se-á um processo de redistribuição
de poderes na Grã-Bretanha. O epicentro dos nacionalismos abandona a Escócia e
volta a instalar-se na Catalunha. A derrota do “sim” priva os independentistas
catalães de um exemplo galvanizador, mas não altera a sua dinâmica política.
O referendo na
Escócia tinha, aparentemente, implicações geopolíticas mais largas. O Reino
Unido é uma união de nações. Também o nacionalismo escocês pouco tem a ver com
o radicalismo da Catalunha de hoje. Mas, para lá das diferenças, o referendo
escocês foi interpretado como um precedente, o que suscita uma inquietante
interrogação: haverá algum país, do lado de cá da Mancha, que admita pôr à
votação a unidade nacional? Nenhuma outra democracia europeia aceita o direito
à secessão.
Semanas decisivas
Na Catalunha
começou a contagem decrescente para a consulta de 9 de Novembro (9-N) sobre a
independência. Consulta é um eufemismo para evitar o termo referendo. Na
sexta-feira, o parlamento de Barcelona aprovou uma “lei das consultas populares
não referendárias”. Visa garantir uma cobertura legal ao 9-N. Na consulta,
seriam feitas duas perguntas: “Quer que a Catalunha se torne num Estado? E, se
sim: “Quer que este Estado seja independente?” A consulta não teria efeito
vinculativo, mas para os nacionalistas seria um “acto transcendente”.
Estava previsto
que o presidente catalão, Artur Mas, imediatamente assinasse um decreto
convocando a consulta. Adiou a assinatura. Logo que o decreto seja publicado, o
Governo de Madrid reunir-se-á de emergência e pedirá ao Tribunal Constitucional
(TC) a sua anulação. Mal o TC admita o recurso do Governo, a consulta fica
suspensa.
Como responderão
os nacionalistas? É aqui que as águas se separam. Artur Mas declarou que a
consulta respeitará a legalidade. Os radicais exigem que o referendo se faça
dentro ou fora da legalidade. Argumentam que se trata da vontade democrática
dos catalães. Há uma segunda saída, a convocação de eleições legislativas
antecipadas. Ambas suscitam problemas e dividem o campo nacionalista. A
Convergência e União (CiU), de Artur Mas, e a Esquerda Republicana da Catalunha
(ERC), de Oriol Junqueras, discordam sobre os passos a dar.
Fuga para a
frente?
Um referendo
ilegal teria uma baixa participação e daria uma “vitória de 90%” à
independência. Fracturaria, social e politicamente, a Catalunha e partiria o
campo nacionalista. Note-se que 45% dos catalães são a favor do respeito da
legalidade na consulta e apenas 23% concordam com a violação da lei (inquérito
de Metroscopia, realizado entre 2 e 4 deste mês). Quanto às opções, o bloco
nacionalista mantém-se na casa dos 27%, os defensores do statu quo somam 19% e
os defensores de uma negociação para alargamento da autonomia — a “terceira
via” — são os mais numerosos: 42%.
A outra opção,
que reúne largo apoio nos sectores radicais, seria a de eleições antecipadas. Todos
as correntes nacionalistas se uniriam numa “candidatura de unidade
soberanista”, sob o signo da declaração da independência. Com uma maioria de
dois terços dos deputados, declarariam a secessão.
Trava-se neste
momento uma luta surda pela hegemonia entre a CiU e a ERC. E também dentro da
CiU, em que a União (democrata-cristã), de Durán Lleida, se opõe frontalmente à
derrapagem independentista. De resto, a Convergência, de Mas, está debilitada
pelo escândalo Pujol. Eleições antecipadas redundariam quase seguramente numa
derrocada da CiU e na liquidação de Mas.
A cena é mais
complexa porque não se esgota nos partidos. Com o êxito das mobilizações da
Diada desde 2012, emergiram outros actores e outras sedes de iniciativa
política, designadamente a Assembleia Nacional Catalã (ANC), uma força unitária
basista que reúne quase todas as correntes nacionalistas e que excede os
partidos. Assume-se como força tutelar da independência.
Artur Mas sabe
que não será o “pai da independência”, mas gostaria de ficar na História como o
primeiro presidente da Generalitat (governo autónomo) a convocar um acto de
autodeterminação catalã. A ANC tem outra ideia. Parece apostar numa espiral de
radicalização, ultrapassando Mas e a CiU. A mobilização na rua ditaria as
opções. A ANC fomenta uma espécie de “império dos sentimentos” e o “desejo de
secessão”, visando tornar irreversível a ruptura com Madrid e reduzir os
críticos ao estatuto de “maioria silenciosa”.
A “terceira via”
exigiria um novo “pacto nacional”, uma reorganização negociada do modelo das
autonomias. Mas não terá qualquer viabilidade antes das eleições locais e
legislativas espanholas de 2015. Mariano Rajoy e o Partido Popular beneficiam
eleitoralmente com a intransigência perante Barcelona. Pedro Sánchez e o PSOE
em crise aceitam um modelo federal, mas não podem reconhecer a elevação do
estatuto da Catalunha, reconhecendo-a como nação, sob risco de porem em causa o
seu eleitorado em regiões como Valência ou a Andaluzia.
“Rajoy sabe o que
fazer”, avisa Enric Juliana, director adjunto do
La Vanguardia, de
Barcelona. “O 9-N catalão converteu-se na data da sua grande prova de força.” Nesse
dia, enviará uma mensagem a toda a sociedade espanhola: “A recuperação
económica, mesmo que lenta, está em marcha. O Governo garante a estabilidade. O
Governo é forte e não consente actos ilegais.”
O 9-N
transformou-se numa ratoeira para a Catalunha. “A pulsão secessionista
converteu-se num factor crónico de tensão e num grave elemento de
desestabilização, mas sem possibilidade de dar o xeque-mate à ordem
constitucional”, anota o historiador Joaquin Coll.
Das nações
Voltando ao
problema inicial. Outro catalão, Lluis Bassets, director adjunto do El País,
comentou o referendo escocês numa perspectiva histórica: a Europa redescobriu,
no fim da I Guerra Mundial, que as nações e as civilizações são mortais. Há
duas décadas, mudaram fronteiras com a desagregação do império soviético e da
Federação Jugoslava.
“Agora,
experimentamos uma nova vaga, que chega ao coração europeu e toca as grandes
nações históricas nascidas da Europa medieval. Não são estruturas artificiais
nem impérios em desagregação, mas nações feitas e estruturadas, que
atravessaram séculos de guerras e de turbulência sem modificar as suas
fronteiras.”
O direito à
secessão ou à autodeterminação já não é uma questão limitada a territórios
coloniais: “Pode acontecer em pleno Ocidente democrático e civilizado.” Conclui:
“Uma vez demonstrada a sua possibilidade, ideias como esta expandem-se a uma
velocidade viral.”
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