À espera do dia da independência,
com inveja do referendo escocês
JOÃO RUELA
RIBEIRO 18/09/2014 - PÚBLICO
No seio da União Europeia convivem movimentos separatistas que ganham
alento com o voto dos escoceses e esperam iniciar uma tendência.
Enquanto a
Escócia vai a votos para decidir a sua permanência no Reino Unido, os vários
movimentos separatistas europeus aproveitam para reforçar as suas pretensões. O
referendo escocês pode não ser suficiente para dar início ao chamado “efeito
dominó” sobre outras regiões que lutam pela independência, mas o debate, que em
alguns países até tinha adormecido, será certamente reacendido.
Os movimentos
independentistas são tão diferentes entre si como os países que pretendem
abandonar. Na sua base pode estar a identificação histórica com outras
sociedades, as diferenças linguísticas, as questões económicas ou,
simplesmente, o oportunismo de um líder político. Para uns, nada menos do que a
autodeterminação é aceitável, enquanto outros ficariam contentes com mais
alguns poderes. Vem aí uma nova Europa?
Irlanda do Norte
Os boletins ainda
não estavam a ser depositados nas urnas de voto escocesas e já se falava da
“crise do unionismo” na Irlanda do Norte, onde a pertença ao Reino Unido é
ainda a principal clivagem política. Desde a assinatura em 1998 dos Acordos de
Sexta-Feira Santa – a solução política que pôs fim às décadas de violência
conhecidas como Troubles entre os unionistas e os republicanos –, que os
governos locais têm sido apoiados pelas duas facções. No entanto, o Sinn Féin
(nacionalista pró-irlandês) não esconde o desejo de que a Irlanda do Norte siga
o caminho da Escócia e convoque uma consulta. No horizonte está uma posterior
unificação com a República da Irlanda.
O líder do
partido nacionalista, Martin McGuinness, apontou 2016 como uma data possível
para que seja iniciado esse processo, aproveitando o centenário de um
levantamento dos republicanos irlandeses contra o domínio da Coroa britânica.
Mas não é apenas
do lado pró-irlandês que há o desejo de um referendo sobre a independência da
Irlanda do Norte. Partindo da convicção de que há uma maioria de apoiantes da
continuação no Reino Unido, os partidos unionistas podem até sair favorecidos
de um referendo nos próximos anos. A ideia foi lançada recentemente pelo antigo
primeiro-ministro David Trimble (unionista), que também alertou para um
possível “congelamento” da política norte-irlandesa em torno do tema: “Isto vai
polarizar e dividir como nunca e não iremos ver mudanças progressivas na
política pelo menos durante uma década.”
País de Gales
Com pouco mais de
três milhões de habitantes, a reduzida dimensão do País de Gales é a principal
preocupação na eventualidade de uma desagregação da União. “Um voto ‘sim’ na
Escócia iria elevar a maioria inglesa em Westminster de 85%, que já é enorme,
para cerca de 92%. Isso deixa Gales e a Irlanda do Norte como ratos a dormir ao
pé de um elefante”, observa a directora do Centro Galês de Governação, Rebecca
Rumbul, citada pela BBC.
Ao contrário da
profunda divisão entre a sociedade norte-irlandesa, em Gales a questão da
independência em relação ao Reino Unido é encarada com bastante ponderação e
até algum cepticismo. Uma sondagem da BBC publicada em Junho concluiu que cerca
de dois terços dos galeses não acham que o referendo escocês deva influenciar o
sistema de governo do seu país. Apenas 14% afirmaram que em caso de vitória do
“sim” o referendo deveria ser replicado em Gales.
Mesmo o partido nacionalista
Plaid Cymru tem assumido uma posição moderada em relação à independência de
Gales, encarando-a como uma meta a atingir no longo prazo. Ainda assim, a onda
do referendo escocês veio dar alguma força a esta ideia, pelo menos a nível
discursivo. “Por demasiado tempo, a independência no contexto galês foi tratada
como uma quimera, uma aspiração tão distante que foi considerada irrealista e
impraticável”, disse este Verão a líder do Plaid, Leanne Wood, acrescentando
que o partido “irá revelar projectos para iniciar o debate sobre o futuro de
Gales”. Com eleições marcadas para o próximo ano, o tema pode funcionar como
arma eleitoral.
Catalunha
Há uma semana,
durante a celebração anual da Diada, a 11 de Setembro, que tem funcionado nos
últimos anos como demonstração da força independentista na Catalunha, junto das
bandeiras catalãs com a estelada viram-se bandeiras escocesas. A estratégia dos
nacionalistas catalães tem sido a de colar o máximo possível os dois processos
secessionistas.
Artur Mas, o presidente
da Generalitat, chegou mesmo a falar em “inveja” da experiência escocesa, onde
o governo de Alex Salmond conseguiu negociar com Londres o reconhecimento do
resultado do referendo. Em Espanha, o Governo central, liderado pelo
conservador Mariano Rajoy, defende que o referendo – marcado unilateralmente
para 9 de Novembro – será considerado ilegal e inconstitucional.
Efectivamente, há
diferenças entre os dois processos, desde logo pela posição das forças
políticas que os promovem. Para o Partido Nacional da Escócia, a independência
sempre foi um ponto nuclear no seu programa, enquanto a coligação de Artur Mas,
a Convergência e União, só recentemente passou a defender de forma mais forte
esta posição, alimentada pelo dealbar da crise financeira. A Catalunha, como
região mais rica e desenvolvida de Espanha, é também uma das maiores
contribuintes para o orçamento nacional – uma situação que favorece um discurso
independentista.
Neste momento, a
Catalunha divide-se sobre a questão da independência, mas a grande maioria, de
acordo com as últimas sondagens oficiais, quer que lhe seja garantido o direito
a escolher, ou seja, à escocesa.
País Basco
A luta pela
independência do País Basco está indelevelmente marcada pelo levantamento
armado da ETA, que em 40 anos fez quase 900 mortos. Actualmente, o cessar-fogo
decretado em 2011 mantém-se em vigor e o grupo terrorista anunciou que está em
curso o desmantelamento da sua estrutura armada. A prioridade agora é a de
desenvolver o diálogo político, nomeadamente através da Esquerda Abertzale.
A política basca
gira em torno do Partido Nacionalista (PNV), com um posicionamento mais conservador,
e do Bildu, pertencente ao movimento Abertzale, mais à esquerda. Esta semana, o
lehendakari, Iñigo Urkullu do PNV, reuniu-se com Rajoy, mas não houve qualquer
avanço significativo nas conversações sobre a auto-governação do País Basco.
Os ventos escoceses
chegaram ao País Basco através do Bildu, que recentemente abordou a necessidade
de “aprofundar a soberania” do território e disse que “o ideal seria um acordo
como na Escócia”. Representantes dos dois partidos bascos vão estar presentes
esta quinta-feira na Escócia, numa demonstração de apoio à independência. Cerca
de 59% dos bascos querem um referendo, segundo uma sondagem do Euskobarómetro,
que reflecte uma subida em relação ao ano passado.
Flandres
É no coração da
União Europeia, onde estão sedeadas as principais instituições do projecto
europeu, que se encontra uma das maiores ameaças à estabilidade das fronteiras
nacionais. Sobre a Bélgica pende hoje a incerteza quanto à sua continuidade
como um único país, perante o avanço das forças nacionalistas flamengas.
Desde os anos
1970 que a política belga é marcada pela duplicidade. A Norte, na Flandres, a
escolha é determinada entre os partidos flamengos e ao Sul, na Valónia, as
eleições cingem-se aos partidos francófonos. Este panorama torna-se evidente
nos episódios anedóticos que são as formações de governos na Bélgica, que em
2011 bateu o recorde do maior período sem governo, após 589 dias de
negociações.
A narrativa do
separatismo flamengo é alimentada pela crise económica, com os nacionalistas a
criticarem os mecanismos de transferência fiscal entre a próspera Flandres e a
Valónia. A refundada Nova Aliança Flamenga tem sido o principal partido
nacionalista a ancorar este sentimento, apesar do seu cariz mais moderado,
defendendo não uma secessão imediata, mas sim maior autonomia. Nas últimas
eleições, este partido foi o mais votado, mas uma coligação abrangente
(franco-flamenga) conseguiu mantê-lo fora do Executivo.
Tirol do Sul
Há menos de 100
anos, o Tirol do Sul (conhecido em italiano como Alto Adige) fazia parte do
extenso Império Austro-Húngaro. A incorporação na Itália foi feita após a I
Guerra Mundial, um período reduzido de tempo para se criarem raízes nacionais,
ainda para mais quando cerca de 75% dos 510 mil habitantes falam alemão.
Apesar de o
território ter um estatuto especial de autonomia dentro do Estado italiano, há
quem não esteja satisfeito e queira ir mais longe. É o caso do movimento
Süd-Tiroler Freiheit (Liberdade), que fala em “ocupação” da região pelo
“Governo central italiano”. É sobretudo a maior identificação com a cultura
germânica, em contraponto com a italiana, que está na raiz deste separatismo.
Foi este
movimento que promoveu no início do ano um inquérito em que questionava os
eleitores da região acerca da independência do Tirol do Sul. Apenas 15% da
população acedeu a responder, dando um apoio avassalador (92%) à separação.
“Era algo do tipo ‘inquérito de opinião auto-regulado’ sem qualquer base ou
implementação legal”, diz ao PÚBLICO Lisa Maria Gasser, uma jovem local que
trabalha num portal de informação em Bolzano. “Para mais, a participação [no
inquérito] estava relacionada com uma espécie de concurso”, acrescentou.
Segundo Lisa, o
perfil tradicional dos apoiantes do separatismo é o do “falante de alemão,
conservador, com mais de 40 anos, de direita e a viver em cidades pequenas”. No
entanto, há também pessoas “bastante jovens, com menos de 16 anos a participar
activamente em partidos, associações e movimentos que promovem a
independência”, diz-nos.
Veneto
Os tempos da
Sereníssima República de Veneza terminaram há mais de 200 anos, mas a esperança
de um regresso à independência ainda é alimentada. Um “referendo” online no
início do ano deu uma maioria a favor da separação do Veneto – a região a que
pertence Veneza e uma das mais prósperas de Itália – e o referendo escocês é
visto como a oportunidade para exercer pressão sobre o governo central de Roma.
A clivagem entre
o Norte e o Sul de Itália alimenta os clamores pela separação das regiões mais
ricas do resto do país, considerado um sorvedouro de dinheiro público, minado
pela corrupção e mal administrado. E os líderes independentistas, como Gianluca
Busato, não poupam nas palavras na sua guerra contra Roma: “O direito à
autodeterminação que está a triunfar em Veneza é a única forma de nos
libertarmos do pior monstro burocrático do mundo ocidental: a besta sedenta de
sangue que é o Estado italiano.”
Mas se o Veneto
tem uma história e uma cultura de quase mil anos como território soberano, o
mesmo não se poderá dizer da Padânia, uma entidade territorial que abarca as
regiões prósperas do Norte. Por trás da sua criação está Umberto Bossi, o líder
histórico da Liga Norte, que chegou a coligar-se com o Força Itália de
Berlusconi no governo.
Caído em desgraça
depois de um escândalo financeiro em 2012, Bossi abandonou o partido e a Liga
obteve um péssimo resultado nas eleições de 2013. O referendo escocês veio dar
um novo vigor à Liga Norte, com o seu novo líder Matteo Salvini a proclamar “um
período histórico de mudança que irá assistir à reescrita das fronteiras
económicas e geográficas da Europa”.
A Liga tem sido
pródiga em ziguezagues, como nota ao PÚBLICO o professor da Griffith University
de Brisbane, Duncan McDonnell. “Há um certo tipo de oportunismo político”,
observa.
Bretanha e
Córsega
No final do ano
passado, a França assistiu a enormes manifestações no Norte do país contra as
ecotaxas, um imposto a aplicar aos veículos pesadas. Dezenas de radares
instalados nas auto-estradas da Bretanha para o efeito foram destruídos pela
população em fúria, envergando gorros vermelhos e bandeiras da região.
Entre eles
estavam membros de um grupo que utilizava a sigla ARB, de Armada Revolucionária
Bretã, um movimento paramilitar fundado nos anos 1970 que defendia a
independência da Bretanha e esteve por trás de alguns atentados bombistas. A
nova organização utiliza a mesma sigla, embora com um significado diferente (Argad
Résistance Bretonne – argad significa “ao ataque” no dialecto bretão) e
pretende “demonstrar que o povo bretão não está totalmente submetido à França”.
Apesar de ter participado nos protestos de Novembro, o grupo afasta a acção
violenta, limitando-se a colocar alguns cartazes e bandeiras pelas estradas.
Em pleno
Mediterrâneo, a Córsega foi também palco de um movimento separatista, que tem,
contudo, vindo a perder importância. A Frente de Libertação Nacional da Córsega
declarou em Junho o abandono da luta armada e o início de um cessar-fogo
incondicional. Desde a sua formação em 1975, o grupo é suspeito de ter estado
por trás de dez mil ataques violentos, entre os quais 40 homicídios.
Baviera
Da Baviera veio
mais um apoio às autoridades escocesas pela celebração do referendo. O Partido
Bávaro sublinhou que “o ‘Sim’ teria um efeito positivo noutras regiões da
Europa” e que, “mesmo na Baviera, traria mais apoio real” à causa
independentista daquela que é a região mais próspera da Alemanha.
O Partido Bávaro
existe desde o pós-II Guerra, mas a sua expressão eleitoral tem sido quase
inexistente. Contudo, nas últimas eleições locais, em 2013, o partido conseguiu
eleger deputados para quatro regiões administrativas, alcançando o melhor
resultado desde 1966.
O separatismo
bávaro tem ganho adeptos nos últimos anos, sobretudo à custa de um discurso
alimentado pela crise financeira. Os lander alemães mais ricos têm criticado o
sistema de redistribuição fiscal do país, que transfere fundos para os estados
mais pobres. A Baviera, onde se estabeleceram empresas de bandeira como a BMW,
a Audi ou a Siemens, não é excepção e são cada vez mais as vozes que pedem uma
mudança.
Um deles é o
jornalista conservador Wilfried Schnargl, que em 2012 publicou o livro A
Baviera também pode seguir sozinha, onde defendeu as vantagens da
independência. “Os mapas não são eternos”, justificou Schnargl ao New York
Times.
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