quarta-feira, 17 de setembro de 2014

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À espera do dia da independência, com inveja do referendo escocês
JOÃO RUELA RIBEIRO 18/09/2014 - PÚBLICO
No seio da União Europeia convivem movimentos separatistas que ganham alento com o voto dos escoceses e esperam iniciar uma tendência.



Enquanto a Escócia vai a votos para decidir a sua permanência no Reino Unido, os vários movimentos separatistas europeus aproveitam para reforçar as suas pretensões. O referendo escocês pode não ser suficiente para dar início ao chamado “efeito dominó” sobre outras regiões que lutam pela independência, mas o debate, que em alguns países até tinha adormecido, será certamente reacendido.

Os movimentos independentistas são tão diferentes entre si como os países que pretendem abandonar. Na sua base pode estar a identificação histórica com outras sociedades, as diferenças linguísticas, as questões económicas ou, simplesmente, o oportunismo de um líder político. Para uns, nada menos do que a autodeterminação é aceitável, enquanto outros ficariam contentes com mais alguns poderes. Vem aí uma nova Europa?


Irlanda do Norte
Os boletins ainda não estavam a ser depositados nas urnas de voto escocesas e já se falava da “crise do unionismo” na Irlanda do Norte, onde a pertença ao Reino Unido é ainda a principal clivagem política. Desde a assinatura em 1998 dos Acordos de Sexta-Feira Santa – a solução política que pôs fim às décadas de violência conhecidas como Troubles entre os unionistas e os republicanos –, que os governos locais têm sido apoiados pelas duas facções. No entanto, o Sinn Féin (nacionalista pró-irlandês) não esconde o desejo de que a Irlanda do Norte siga o caminho da Escócia e convoque uma consulta. No horizonte está uma posterior unificação com a República da Irlanda.

O líder do partido nacionalista, Martin McGuinness, apontou 2016 como uma data possível para que seja iniciado esse processo, aproveitando o centenário de um levantamento dos republicanos irlandeses contra o domínio da Coroa britânica.

Mas não é apenas do lado pró-irlandês que há o desejo de um referendo sobre a independência da Irlanda do Norte. Partindo da convicção de que há uma maioria de apoiantes da continuação no Reino Unido, os partidos unionistas podem até sair favorecidos de um referendo nos próximos anos. A ideia foi lançada recentemente pelo antigo primeiro-ministro David Trimble (unionista), que também alertou para um possível “congelamento” da política norte-irlandesa em torno do tema: “Isto vai polarizar e dividir como nunca e não iremos ver mudanças progressivas na política pelo menos durante uma década.”


País de Gales
Com pouco mais de três milhões de habitantes, a reduzida dimensão do País de Gales é a principal preocupação na eventualidade de uma desagregação da União. “Um voto ‘sim’ na Escócia iria elevar a maioria inglesa em Westminster de 85%, que já é enorme, para cerca de 92%. Isso deixa Gales e a Irlanda do Norte como ratos a dormir ao pé de um elefante”, observa a directora do Centro Galês de Governação, Rebecca Rumbul, citada pela BBC.

Ao contrário da profunda divisão entre a sociedade norte-irlandesa, em Gales a questão da independência em relação ao Reino Unido é encarada com bastante ponderação e até algum cepticismo. Uma sondagem da BBC publicada em Junho concluiu que cerca de dois terços dos galeses não acham que o referendo escocês deva influenciar o sistema de governo do seu país. Apenas 14% afirmaram que em caso de vitória do “sim” o referendo deveria ser replicado em Gales.

Mesmo o partido nacionalista Plaid Cymru tem assumido uma posição moderada em relação à independência de Gales, encarando-a como uma meta a atingir no longo prazo. Ainda assim, a onda do referendo escocês veio dar alguma força a esta ideia, pelo menos a nível discursivo. “Por demasiado tempo, a independência no contexto galês foi tratada como uma quimera, uma aspiração tão distante que foi considerada irrealista e impraticável”, disse este Verão a líder do Plaid, Leanne Wood, acrescentando que o partido “irá revelar projectos para iniciar o debate sobre o futuro de Gales”. Com eleições marcadas para o próximo ano, o tema pode funcionar como arma eleitoral.


Catalunha
Há uma semana, durante a celebração anual da Diada, a 11 de Setembro, que tem funcionado nos últimos anos como demonstração da força independentista na Catalunha, junto das bandeiras catalãs com a estelada viram-se bandeiras escocesas. A estratégia dos nacionalistas catalães tem sido a de colar o máximo possível os dois processos secessionistas.

Artur Mas, o presidente da Generalitat, chegou mesmo a falar em “inveja” da experiência escocesa, onde o governo de Alex Salmond conseguiu negociar com Londres o reconhecimento do resultado do referendo. Em Espanha, o Governo central, liderado pelo conservador Mariano Rajoy, defende que o referendo – marcado unilateralmente para 9 de Novembro – será considerado ilegal e inconstitucional.

Efectivamente, há diferenças entre os dois processos, desde logo pela posição das forças políticas que os promovem. Para o Partido Nacional da Escócia, a independência sempre foi um ponto nuclear no seu programa, enquanto a coligação de Artur Mas, a Convergência e União, só recentemente passou a defender de forma mais forte esta posição, alimentada pelo dealbar da crise financeira. A Catalunha, como região mais rica e desenvolvida de Espanha, é também uma das maiores contribuintes para o orçamento nacional – uma situação que favorece um discurso independentista.

Neste momento, a Catalunha divide-se sobre a questão da independência, mas a grande maioria, de acordo com as últimas sondagens oficiais, quer que lhe seja garantido o direito a escolher, ou seja, à escocesa.

País Basco
A luta pela independência do País Basco está indelevelmente marcada pelo levantamento armado da ETA, que em 40 anos fez quase 900 mortos. Actualmente, o cessar-fogo decretado em 2011 mantém-se em vigor e o grupo terrorista anunciou que está em curso o desmantelamento da sua estrutura armada. A prioridade agora é a de desenvolver o diálogo político, nomeadamente através da Esquerda Abertzale.

A política basca gira em torno do Partido Nacionalista (PNV), com um posicionamento mais conservador, e do Bildu, pertencente ao movimento Abertzale, mais à esquerda. Esta semana, o lehendakari, Iñigo Urkullu do PNV, reuniu-se com Rajoy, mas não houve qualquer avanço significativo nas conversações sobre a auto-governação do País Basco.

Os ventos escoceses chegaram ao País Basco através do Bildu, que recentemente abordou a necessidade de “aprofundar a soberania” do território e disse que “o ideal seria um acordo como na Escócia”. Representantes dos dois partidos bascos vão estar presentes esta quinta-feira na Escócia, numa demonstração de apoio à independência. Cerca de 59% dos bascos querem um referendo, segundo uma sondagem do Euskobarómetro, que reflecte uma subida em relação ao ano passado.


Flandres
É no coração da União Europeia, onde estão sedeadas as principais instituições do projecto europeu, que se encontra uma das maiores ameaças à estabilidade das fronteiras nacionais. Sobre a Bélgica pende hoje a incerteza quanto à sua continuidade como um único país, perante o avanço das forças nacionalistas flamengas.

Desde os anos 1970 que a política belga é marcada pela duplicidade. A Norte, na Flandres, a escolha é determinada entre os partidos flamengos e ao Sul, na Valónia, as eleições cingem-se aos partidos francófonos. Este panorama torna-se evidente nos episódios anedóticos que são as formações de governos na Bélgica, que em 2011 bateu o recorde do maior período sem governo, após 589 dias de negociações.

A narrativa do separatismo flamengo é alimentada pela crise económica, com os nacionalistas a criticarem os mecanismos de transferência fiscal entre a próspera Flandres e a Valónia. A refundada Nova Aliança Flamenga tem sido o principal partido nacionalista a ancorar este sentimento, apesar do seu cariz mais moderado, defendendo não uma secessão imediata, mas sim maior autonomia. Nas últimas eleições, este partido foi o mais votado, mas uma coligação abrangente (franco-flamenga) conseguiu mantê-lo fora do Executivo.


Tirol do Sul
Há menos de 100 anos, o Tirol do Sul (conhecido em italiano como Alto Adige) fazia parte do extenso Império Austro-Húngaro. A incorporação na Itália foi feita após a I Guerra Mundial, um período reduzido de tempo para se criarem raízes nacionais, ainda para mais quando cerca de 75% dos 510 mil habitantes falam alemão.

Apesar de o território ter um estatuto especial de autonomia dentro do Estado italiano, há quem não esteja satisfeito e queira ir mais longe. É o caso do movimento Süd-Tiroler Freiheit (Liberdade), que fala em “ocupação” da região pelo “Governo central italiano”. É sobretudo a maior identificação com a cultura germânica, em contraponto com a italiana, que está na raiz deste separatismo.

Foi este movimento que promoveu no início do ano um inquérito em que questionava os eleitores da região acerca da independência do Tirol do Sul. Apenas 15% da população acedeu a responder, dando um apoio avassalador (92%) à separação. “Era algo do tipo ‘inquérito de opinião auto-regulado’ sem qualquer base ou implementação legal”, diz ao PÚBLICO Lisa Maria Gasser, uma jovem local que trabalha num portal de informação em Bolzano. “Para mais, a participação [no inquérito] estava relacionada com uma espécie de concurso”, acrescentou.

Segundo Lisa, o perfil tradicional dos apoiantes do separatismo é o do “falante de alemão, conservador, com mais de 40 anos, de direita e a viver em cidades pequenas”. No entanto, há também pessoas “bastante jovens, com menos de 16 anos a participar activamente em partidos, associações e movimentos que promovem a independência”, diz-nos.

Veneto
Os tempos da Sereníssima República de Veneza terminaram há mais de 200 anos, mas a esperança de um regresso à independência ainda é alimentada. Um “referendo” online no início do ano deu uma maioria a favor da separação do Veneto – a região a que pertence Veneza e uma das mais prósperas de Itália – e o referendo escocês é visto como a oportunidade para exercer pressão sobre o governo central de Roma.

A clivagem entre o Norte e o Sul de Itália alimenta os clamores pela separação das regiões mais ricas do resto do país, considerado um sorvedouro de dinheiro público, minado pela corrupção e mal administrado. E os líderes independentistas, como Gianluca Busato, não poupam nas palavras na sua guerra contra Roma: “O direito à autodeterminação que está a triunfar em Veneza é a única forma de nos libertarmos do pior monstro burocrático do mundo ocidental: a besta sedenta de sangue que é o Estado italiano.”

Mas se o Veneto tem uma história e uma cultura de quase mil anos como território soberano, o mesmo não se poderá dizer da Padânia, uma entidade territorial que abarca as regiões prósperas do Norte. Por trás da sua criação está Umberto Bossi, o líder histórico da Liga Norte, que chegou a coligar-se com o Força Itália de Berlusconi no governo.

Caído em desgraça depois de um escândalo financeiro em 2012, Bossi abandonou o partido e a Liga obteve um péssimo resultado nas eleições de 2013. O referendo escocês veio dar um novo vigor à Liga Norte, com o seu novo líder Matteo Salvini a proclamar “um período histórico de mudança que irá assistir à reescrita das fronteiras económicas e geográficas da Europa”.

A Liga tem sido pródiga em ziguezagues, como nota ao PÚBLICO o professor da Griffith University de Brisbane, Duncan McDonnell. “Há um certo tipo de oportunismo político”, observa.

Bretanha e Córsega
No final do ano passado, a França assistiu a enormes manifestações no Norte do país contra as ecotaxas, um imposto a aplicar aos veículos pesadas. Dezenas de radares instalados nas auto-estradas da Bretanha para o efeito foram destruídos pela população em fúria, envergando gorros vermelhos e bandeiras da região.

Entre eles estavam membros de um grupo que utilizava a sigla ARB, de Armada Revolucionária Bretã, um movimento paramilitar fundado nos anos 1970 que defendia a independência da Bretanha e esteve por trás de alguns atentados bombistas. A nova organização utiliza a mesma sigla, embora com um significado diferente (Argad Résistance Bretonne – argad significa “ao ataque” no dialecto bretão) e pretende “demonstrar que o povo bretão não está totalmente submetido à França”. Apesar de ter participado nos protestos de Novembro, o grupo afasta a acção violenta, limitando-se a colocar alguns cartazes e bandeiras pelas estradas.



Em pleno Mediterrâneo, a Córsega foi também palco de um movimento separatista, que tem, contudo, vindo a perder importância. A Frente de Libertação Nacional da Córsega declarou em Junho o abandono da luta armada e o início de um cessar-fogo incondicional. Desde a sua formação em 1975, o grupo é suspeito de ter estado por trás de dez mil ataques violentos, entre os quais 40 homicídios.



Baviera
Da Baviera veio mais um apoio às autoridades escocesas pela celebração do referendo. O Partido Bávaro sublinhou que “o ‘Sim’ teria um efeito positivo noutras regiões da Europa” e que, “mesmo na Baviera, traria mais apoio real” à causa independentista daquela que é a região mais próspera da Alemanha.

O Partido Bávaro existe desde o pós-II Guerra, mas a sua expressão eleitoral tem sido quase inexistente. Contudo, nas últimas eleições locais, em 2013, o partido conseguiu eleger deputados para quatro regiões administrativas, alcançando o melhor resultado desde 1966.

O separatismo bávaro tem ganho adeptos nos últimos anos, sobretudo à custa de um discurso alimentado pela crise financeira. Os lander alemães mais ricos têm criticado o sistema de redistribuição fiscal do país, que transfere fundos para os estados mais pobres. A Baviera, onde se estabeleceram empresas de bandeira como a BMW, a Audi ou a Siemens, não é excepção e são cada vez mais as vozes que pedem uma mudança.


Um deles é o jornalista conservador Wilfried Schnargl, que em 2012 publicou o livro A Baviera também pode seguir sozinha, onde defendeu as vantagens da independência. “Os mapas não são eternos”, justificou Schnargl ao New York Times.

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