HELENA PEREIRA / 25/9/2014
/ OBSERVADOR
Quando o BdP colocava o GES na mira, no fim de 2013, o Governo decretou a
saída do Estado da Fundação Espírito Santo, já em crise e com resultados
negativos. Hoje, há reunião decisiva na Fundação.
O Executivo de
Pedro Passos Coelho decidiu, em outubro de 2013, sair da presidência da
Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva (FRESS), cargo que desde a morte do
fundador desta instituição (em 1955) sempre fora ocupado por uma personalidade
designada pelos sucessivos Governos. E prescindir da nomeação de vogais, um em
representação dos ministérios das Finanças e da Cultura.
A FRESS,
museu-escola de artes decorativas e a segunda maior coleção coletiva do país,
depois do Museu Nacional de Arte Antiga, ficou assim inteiramente entregue à
família, numa altura em que o Banco de Portugal já detetava problemas no Grupo
Espírito Santo, o mecenas quase exclusivo, e em que a própria Fundação já se
queixava de problemas financeiros. Em 2012, o relatório de contas assinado a 17
de setembro de 2013 (relativo a 2012) dava como resultado líquido apurado
negativo de 954 mil euros e concluía que era necessário “proceder a uma
reflexão sobre o prosseguimento e sustentabilidade do projeto” idealizado pelo
fundador nos anos 50. Mais: tinha à data uma dívida ao BES de 800 mil euros.
Para esta
quinta-feira está marcada uma reunião decisiva entre o Conselho de Curadores e
o Conselho de Administração da FRESS para decidir o futuro da Fundação. Ao
Expresso de sábado, Maria João Bustorff, membro do Conselho de Curadores, neta
do fundador e ex-ministra da Cultura, que não esteve disponível para prestar
declarações ao Observador, disse estar preocupada. “Só tenho perguntas, não
tenho respostas. Quem irá garantir o financiamento?”.
O relatório de
contas de 2012 revelava o prejuízo nas contas e também que a direção estava
preocupada com o futuro devido à crise económica, à lei-quadro das fundações
entretanto aprovada e à dificuldade de arranjar mais mecenas. O problema não
era tanto o Governo, já que os grandes mecenas da FRESS eram o BES e a
Tranquilidade.
Segundo dados da
Fundação fornecidos ao Governo em 2012, durante o Censos das fundações, o valor
do património em 2010 era de 5,8 milhões e tinha 174 colaboradores. A FRESS tem
um Museu de Artes Decorativas, 18 oficinas de artes e ofícios tradicionais
portugueses e duas escolas para ensino das Artes: a Escola Superior de Artes
Decorativas e o Instituto de Artes e Ofícios.
A alteração de
Passos Coelho na direção da FRESS, que foi feita através de decreto-lei (pois
foi também por decreto-lei que a Fundação foi criada em 1953) e que deu mais
poderes à família Espírito Santo, ocorreu na sequência da aprovação da
lei-quadro das fundações, através do qual o Governo tentou conter os gastos com
subsídios estatais. Com esta Fundação, o Estado gastava 200 mil euros por ano.
Direção do Estado
foi um pedido do fundador
No decreto-lei
aprovado a 3 de outubro de 2013 e publicado em Diário da República a 19 de
novembro, o Governo lembra que desde a morte do fundador, Ricardo Espírito
Santo, e por expressa indicação deste, “os sucessivos Governos têm vindo a
designar o presidente da Fundação Ricardo Espírito Santo” e que “à data da
instituição da referida Fundação, o Estado em nada contribuiu para a dotação
patrimonial inicial”.
O diploma de
1953, assinado pelo então ministro das Finanças, Artur Águeda de Oliveira,
determinava que este ministério ficava obrigado a inscrever anualmente no
orçamento uma verba para a FRESS. Seria uma fundação de caráter perpétuo e, no
caso de morte do fundador, “se este não houver designado sucessor ou
sucessores, competirá ao Governo proceder à nomeação do presidente”. No
preâmbulo do decreto-lei, o Governo comprometia-se “a auxiliar o dr. Ricardo
Espírito Santo a continuar a sua obra”, o museu-escola de artes decorativas que
já funcionava no Palácio Condes de Azurara, junto às Portas do Sol, em Lisboa.
“Fica-se a dever à sua generosidade e desinteresse a criação de uma obra que
excede no momento as possibilidades do próprio Governo”, lê-se.
Este diploma,
mantendo o fim da Fundação, permitiu então a adequação dos estatutos da
instituição à nova lei-quadro das fundações, de 2012, salvaguardando ainda “o
reconhecimento da Fundação e a concessão do estatuto de utilidade pública”. “O
presente decreto-lei permite, assim, que, no futuro, qualquer alteração ou
decisão sobre a Fundação possa ser livremente suscitada pelos respetivos
órgãos”, que já não inclui qualquer representante do Governo. De acordo com o
relatório de contas de 2012, o representante do Ministério das Finanças era
Elsa Rocon Santos, diretora-geral do Tesouro.
Os novos
estatutos da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva são criados, por
escritura, no dia 12 de dezembro. Os órgãos sociais passam a ser o Conselho de
Curadores (“constituído maioritariamente por representantes da família do
fundador”), o Conselho de Administração, o administrador executivo e o fiscal
único. O primeiro órgão, composto por um número ímpar de elementos, no máximo
de 11, elege por voto secreto o presidente e a este órgão compete ainda “nomear
e destituir os membros do Conselho de Administração bem como o seu presidente,
o administrador executivo e o fiscal único”, lê-se na escritura a que o
Observador teve acesso.
O presidente do
Conselho de Curadores é José Manuel Espírito Santo Silva, tendo assento neste
conselho pessoas como José Maria Ricciardi, Murteira Nabo, Maria João Bustorff,
Catarina Vaz Pinto ou Luís Patrício – o mandato termina quando completarem 80
anos. De acordo com a mesma escritura, o Conselho de Administração, presidido
por Luís Calado, incluia Ricardo Salgado, filho, entre outros.
De acordo com
dados do Ministério das Finanças, o Governo deu em 2010 e 2011 200 mil euros em
cada ano através do Fundo para o Fomento Cultural. Em 2012, não deu nada. Em
2013, passou para 140 mil euros o subsídio, aplicando um corte de cerca de 30%.
Este ano, ainda não canalizou qualquer verba. Este Fundo de Fomento Cultural,
criado em 1973, recebe parte das verbas dos jogos sociais e “é um fundo
autónomo que presta apoio financeiro a atividades de promoção e difusão das
diversas áreas da cultura, realizadas por diversas entidades”.
Uma lei-quadro
que mudou a estratégia
O corte aplicado
em 2013 decorreu da avaliação feita pelo Governo em 2012 a todas as fundações (o
polémico Censos que foi contestado por algumas fundações) e que deu pontos a
cada uma das instituições com base nas atividades de 2008 a 2010. Foi em função
do ranking criado que o Governo fez cortes que, em alguns casos, foi de 100%.
Contactada pelo
Observador, fonte oficial da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) explica
que o facto de o Governo ter aceite deixar de nomear o presidente da FRESS tem
a ver “com o espírito” da lei-quadro das Fundações, que separou o que são
fundações privadas, fundações públicas de direito público e fundações públicas
de direito privado. Isto significa que o Governo de Passos Coelho entendeu que,
sendo a FRESS uma fundação privada, não fazia sentido indicar o presidente.
Seria “uma
violação do princípio da autonomia privada que o Estado tenha influência
dominante sobre uma fundação privada e a adequação à lei obrigava à correção
desse aspeto. Assim, o Estado não abdicou de nenhuma prerrogativa, mas o
legislador limitou-se a reconduzir o enquadramento normativo aplicável à
Fundação ao quadro legal vigente”, explica a PCM por email.
Na ficha de
avaliação do Censos, a FRESS era considerada uma fundação pública de direito
privado (em função do decreto-lei de 1953 que já foi revogado) e tem como fim
“a defesa das artes decorativas portuguesas pela manutenção e aperfeiçoamento
das suas características educação do gosto do público e pelo desenvolvimento da
sensibilidade artística e cultura dos artífices”. O valor do património em 2010
era de 5,8 milhões. Em três anos (2008 a 2010) recebeu como apoios públicos 673
mil euros, o que correspondia a 6,9% dos proveitos totais.
Tanto o
decreto-lei de 1953, como os estatutos de 2013 da FRESS determinam que “no caso
da Fundação se extinguir ou se desviar dos seus fins, por motivos estranhos à
vontade do fundador, os bens por ele doados reverterão a favor dos herdeiros do
mesmo”
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