“Essa tarefa de apresentarem a sua missão perante
o país saiu gorada e quer Seguro, quer Costa, desperdiçaram a oportunidade que
lhes foi proporcionada nestas primárias. Limitaram-se a comportar-se como dois
políticos inexperientes e irresponsáveis.
E se Seguro se portou mal pela forma como
deliberadamente lançou provocações a Costa, a verdade é que Costa se mostrou de
uma ingenuidade e imaturidade políticas surpreendentes em si, já que se deixou
conduzir para o terreno de discussão para o qual Seguro o quis levar,
tornando-se assim co-responsável pela oportunidade perdida.”
SÃO JOSÉ ALMEIDA
Eu, tu… tu, eu
SÃO JOSÉ ALMEIDA
23/09/2014 / PÚBLICO
Os debates
televisivos são momentos altos da discussão política hoje em dia e são uma
forma privilegiada de fazer chegar ideias aos cidadãos, mas nas primárias do
PS, o conjunto dos três debates televisivos que se realização, o balanço
analítico que se pode fazer é o de concluir que os cidadãos em geral, a
política portuguesa e o PS saíram a perder de um espectáculo de agressividade e
acusações que ontem atingiu um clímax na RTP com uma cacofonia de dislates, que
por vezes raiaram o insulto.
No primeiro debate,
a 9 de Setembro na TVI, a oportunidade de apresentar e dialogar propostas para
o futuro foi gorada pelo deslizar da discussão para o domínio pessoal, com
António José Seguro a insistir na acusação de que António Costa tinha sido
desleal e o tinha traído ao lançar o desafio de liderança. Ontem, o nível de
acusação pessoal a Costa atingiu níveis desproporcionados.
De tal forma que
Seguro fez mesmo algo que é inédito num líder político: para acusar Costa de
estar cercado de apoiantes que podem alegadamente ter tido comportamentos
promíscuos em relação a actos de corrupção, citou como exemplo um fundador do
PS que é apoiante do autarca, o advogado Nuno Godinho de Matos.
Se Costa no
primeiro debate ficou surpreendido com a estratégia do seu adversário, ontem
vinha preparado para responder na mesma moeda. E os trinta minutos televisivos
passaram com uma sucessão de acusações, de frases ditas por cima do adversário,
numa ensurdecedora cascata de eu, tu … tu, eu, em crescendo, que apenas criaram
ruído e se aproximaram do que vulgarmente se nomeia de “peixeirada”.
Para além do que
foi uma sucessão de acusações e de afirmações de carácter, num tipo de atitude
política absolutamente desajustado a um momento como é a realização de eleições
primárias, pouco restou para que o país ficasse esclarecido sobre o que ambos
os candidatos se propõem fazer.
Ontem, para além
de uma abordagem à proposta de Seguro de alteração do sistema eleitoral, cuja
discussão e troca de argumentos foi feita já em clima de absoluta crispação,
apenas nos primeiros minutos do debate foi possível ouvir trocar argumentos,
com os dois candidatos a apresentarem as suas prioridades para o país.
A saber, ambos a
defender o desenvolvimento económico e o combate ao desemprego, a reposição dos
cortes a pensionistas, a reformados e a funcionários públicos, ainda que nestes
âmbito de reposição salarial com um António Costa mais defensivo em relação a
assumir um compromisso.
No sentido de se
poder perceber o que cada candidato propõe salva-se, nestes debates televisivos
das primárias, o segundo debate realizado a 10 de Setembro na SIC. Com Costa a
salientar a importância que dá à forma como os fundos estruturais devem ser
aplicados no apoio ao desenvolvimento da economia, bem como a sublinhar a
necessidade de voltar a apostar nas energias renováveis como forma de facilitar
o crescimento.
Costa pode mesmo
repetir a sua posição de não aceitar discutir soluções para a dívida pública
antes de apresentar o seu programa eleitoral. E insistir na ideia de que quer
ter uma maioria absoluta e só então decidirá sobre coligações, que acredita
poderem ser protagonizadas por qualquer partido com assento parlamentar.
Também Seguro
esteve melhor no segundo debate, travando mesmo então a sua agressividade e
quase não dirigindo acusações a Costa. Conseguiu apresentar as suas ideias
sobre a aposta na reindustrialização do país, repetir as suas posições sobre a
restruturação e mutualização da dívida pública, apresentar as suas posições
sobre o futuro da União Europeia.
Seguro conseguiu
até ser mais explícito no que foi a definição de uma política de alianças pós
eleitorais, excluindo não só os partidos que apoiam o Governo e querem
desmantelar “o Estado Social” ou privatizar a TAP e a Caixa Geral de Depósitos,
mas também excluindo partidos que querem sair do euro, referindo-se
implicitamente ao PCP.
A qualidade
atingida no segundo debate pelos dois candidatos, ao nível do que foi a
capacidade de apresentação e de explicação de ideias, apenas serviu para tornar
explicito como ambos desperdiçaram as outras duas oportunidades que lhes foi
dadas pelas televisões de, no espaço mediático, se poderem apresentar ao país
como verdadeiros candidatos a primeiro-ministro.
Essa tarefa de
apresentarem a sua missão perante o país saiu gorada e quer Seguro, quer Costa,
desperdiçaram a oportunidade que lhes foi proporcionada nestas primárias.
Limitaram-se a comportar-se como dois políticos inexperientes e irresponsáveis.
E se Seguro se
portou mal pela forma como deliberadamente lançou provocações a Costa, a
verdade é que Costa se mostrou de uma ingenuidade e imaturidade políticas
surpreendentes em si, já que se deixou conduzir para o terreno de discussão
para o qual Seguro o quis levar, tornando-se assim co-responsável pela
oportunidade perdida.
Em que os
cidadãos, os telespectadores, os eleitores saíram defraudados da promessa de
que as primárias inovariam na aproximação com os políticos e os partidos. No
fim desta experiência, a medir pelos debates televisivos, as primárias
afastam-nos ainda mais.
O Seguro mais agressivo, o Costa
de sempre
José Manuel
Fernandes
23/9/2014 /
OBSERVADOR
Já se desconfiava, veio a confirmação: os Antónios detestam-se. Os Antónios
magoam-se. Os Antónios não divergem nas ideias, divergem no carácter e no ego. Perdeu
a política, perdeu sobretudo o PS.
Num ponto António
Costa tem razão: António José Seguro está nesta campanha com uma energia e uma
determinação que antes não se lhe conhecia. Mas esse é também o drama de Costa
– o seu lado quase blasé lida mal com adversários mais agressivos, e Seguro terá
sido apenas o primeiro deles.
Este último
debate teve momentos penosos de ver – momentos penosos sobretudo para o PS.
Foi penoso ver
dois candidatos à liderança do Partido Socialista reconhecerem que, afinal,
nada os divide no campo das ideias, mas que tudo os separa porque se odeiam ao
ponto de se ter ficado sem perceber se são sequer capazes de se olhar olhos nos
olhos a não ser para atirar acusações um ao outro. Acusações que são sempre
facadas venenosas.
Foi também penoso
perceber, ao fim de três debates, o pouco que dois líderes que pretendem ser o
próximo primeiro-ministro têm para dizer quando toca a concretrizar políticas,
foi penoso ver como continuam a esquivar-se a tudo o que é compromissos, como
continuam a atirar muito lá para diante dizerem como, com realismo, fariam
diferente.
Durante muitos
anos olhámos para o PS como um partido de ideias que, quando discutia
lideranças, discutia alinhamentos mais ou menos à esquerda ou à direita. O PSD
é que era o partido das lutas de galos, o partido que só se preocupava em
escolher o melhor cavalo para ganhar a próxima corrida eleitoral. Este debate,
estes debates, mostraram até que ponto esse PS é passado, até que ponto se quis
reduzir a discussão a um “eu sou melhor do que tu”, ou a um “tu é que traíste,
tu é que tiveste medo dos anos difíceis da oposição”. Pior: fica-se com a ideia
de que, para além da forma como pessoalmente se detestam, Costa e Seguro também
se afastam de forma dramática pelos apoios que trazem, pelo que representam do
PS. E isso assusta um bocadinho, porque é nebuloso e escorregadio.
Não sei se este
debate mudou alguma coisa no sentimento de quem vai votar no próximo domingo. Não
sei se a agressividade de Seguro não irritou demasiado o PS que ainda acredita
que é PS. Não sei se as fragilidades mostradas por Costa, que voltou a parecer
intimidado e pouco preparado, não contrinuiram para desiludir alguns dos seus
apoiantes.
O pior para Costa
de toda esta campanha eleitoral, e destes debates, é que ficámos a conhecê-lo
melhor, e isso não foi bom para ele. Paradoxalmente, o Seguro desta campanha e
destes debates revelou-se melhor, mesmo nos seus excessos, do que o Seguro dos
moles debates parlamentares, e isso foi bom para ele.
Quanto ao Partido
Socialista, foi quem mais saiu a perder do último debate dos Antónios.
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