Artigo do Telegraph : http://www.telegraph.co.uk/education/universityeducation/11095057/PICS-PLEASE-Top-Portuguese-academic-decries-filthy-English.html
publicado em baixo.
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O português que está a incomodar os jornais ingleses
Ana Cristina Marques / 14-9-2014 / OBSERVADOR
João Magueijo é o autor de um livro onde maus hábitos
ingleses são retratados com humor. Este domingo, ele é notícia em dois jornais
daquele país: as reações dos leitores não se fizeram esperar.
É tudo uma questão de humor… britânico. João Magueijo, 47
anos, foi notícia em julho no Observador, por altura do lançamento do primeiro
livro escrito em português — já é um bestseller em solo nacional, com cerca de
20 mil cópias vendidas. “Bifes mal passados” (Undercooked Beef), da editora
Gradiva, é um “anti-livro de viagens” composto por uma série de crónicas sobre
as peripécias de Magueijo em terras de Sua Majestade. Agora, o professor
académico é referido em dois jornais britânicos a propósito do que escreveu
sobre a cultura daquele país.
No livro, diz este domingo o Sunday Times, os ingleses são
retratados enquanto “animais violentos” e acusados de serem bêbedos, sujos e
sexualmente promíscuos. O professor de física no Imperial College, em Londres,
diz que a Inglaterra é “uma das sociedades mais podres da Europa, possivelmente
do mundo”. Também o jornal Telegraph pega no tema e recupera as palavras de
Magueijo que estão espalhadas por um total de 188 páginas: “Quando se visita
casas inglesas, ou as casas de banho nas escolas ou nos alojamentos estudantis,
são todos tão nojentos que até a gaiola de aves da minha avó é mais limpa”.
Desde que o artigo foi publicado no Telegraph, que segue as
pisadas do Sunday Times, a caixa de comentários tem crescido a olhos vistos —
até ao início da noite contavam-se mais de 1000 opiniões publicadas diretamente
na página do artigo. Há quem concorde com o registo feito pelo académico
português — “Ele está absolutamente correto, é uma cultura de ódio brutal, é
preciso alguém de fora para o ver” — e há quem aproveite a oportunidade para
falar mal de Portugal, ali apelidado de país de terceiro mundo. Na rede social
Facebook do respetivo meio estão publicados mais de 300 comentários, além de a
notícia ter sido partilhada centenas de vezes.
João Magueijo viveu os últimos 25 anos no Reino Unido, o
qual, garante, de unido não tem nada. Ao Observador falou das bebedeiras dos
ingleses e da agressividade resultante, dos dias de chuva e de nevoeiro, mas
também da péssima comida. Ainda assim, o físico admite que não consegue
abandonar o país: “A Inglaterra com todos os seus problemas, defeitos e
maleitas sociais acaba por ser um país interessante.”
livro
Para João Magueijo a Inglaterra é horrorosa, por isso
é que gosta tanto dela
10/7/2014, OBSERVADOR
“Podia dar em ensaísta
profissional contra-bifes”, vaticinaram os amigos mais de vinte anos antes. A
profecia concretizou-se num livro lançado esta quinta-feira.
“Todas as minhas experiências de férias britânicas foram
invariavelmente pavorosas, vomitáveis, aberrantes. Más, mas tão más, que às
tantas uma pessoa desata a rir daquilo tudo.” Com este mote se desenha o livro
de viagens – ou melhor dizendo, “anti-livro de viagens” – de João Magueijo,
“Bifes mal passados” da editora Gradiva.
Escrever uma série de crónicas sobre as peripécias em terras
de Sua Majestade era uma ideia que tinha há muito, mas sem tempo para o fazer
deixou-a de lado. Retomou-a na Grécia, numa das suas estadias fora de
Inglaterra para não ficar “perdido da cabeça” (como diria a avó de João
Magueijo tantas vezes citada neste livro). Em três semanas escreveu o esboço,
conta ao Observador.
Desmontou e voltou a montar histórias reais que viveu ao
longo dos últimos 25 anos, desde que foi viver para o Reino Unido – que de
unido, como mostra, não tem nada. As bebedeiras e a agressividade resultante,
os dias de chuva ou nevoeiro e a péssima comida não serão surpresa para muitas
pessoas, mas a questão das classes não é assim tão conhecida. “Que eu saiba não
existe em mais nenhuma parte do mundo uma estratificação tão estanque”, refere
João Magueijo, professor de Física no Imperial College, em Londres.
“Os sotaques demarcam as divisões sociais”, continua. É
possível perceber não só a proveniência geográfica, como em Portugal, mas
também o estrato social a que pertencem. “Mesmo dentro da classe média há
divisões e subdivisões.” Por isso decidiu desde o início manter o sotaque portugês.
“Enquanto estrangeiro tenho acesso às classes todas.”
Sejam da classe alta ou operários, os britânicos mantêm
sempre um certo ar de superioridade em relação a todos quantos não tenham
verdadeira origem e educação nas ilhas britânicas. Mesmo os portugueses são
considerados “não-completamente-brancos”, refere João Magueijo. O autor atribui
esta atitude a uma herança dos tempos do colonialismo. Com este livro pretende
descontruir a ideia de superioridade britânica e inferioridade lusa – os
ingleses têm muitos defeitos.
Apesar das críticas mordazes, o físico admite que não
consegue abandonar a Inglaterra totalmente. Mas também não consegue viver lá o
ano inteiro – invoca “razões de saúde mental”. Mantém com o país que o acolhe
uma relação de amor-ódio. “A Inglaterra com todos os seus problemas, defeitos e
maleitas sociais acaba por ser um país interessante.”
Interessante, mas horroroso. Contudo, é da fealdade deste
país que nasce a criatividade. Por isso tem tanto potencial cultural. “Do atroz
que é nasce o sublime que passa a ser, como do vil estrume podem nascer as mais
finas rosas”, escreve no capítulo “Ode ao Reino Unido”. “Eu gosto desse
ambiente [feio], não consigo é estar lá muito tempo. Às tantas uma pessoa dá
completamente em doida – é o clima, a comida, as pessoas, as atitudes.”
Uma teoria pouco convencional
“Bifes mal passados” é o primeiro livro que Magueijo escreve
em português e também o primeiro que nada tem a ver com ciência, pelo menos não
com a sua ciência – a Física. Vai ser lançado esta quinta-feira, pelas 19h00,
na livraria Ler Devagar, em Lisboa.
O primeiro livro “Mais rápido do que a luz – A biografia de
uma especulação científica” foi editado originalmente em inglês em 2003. Além
de propôr que a velocidade da luz não foi sempre constante desde o início do
Universo, contrariando a teoria da relatividade de Einstein — só por si
suficiente polémico — ainda expôs o lado mais obscuro da comunidade científica.
“Estou ali a lavar a roupa suja em frente dos jornalistas e das pessoas em
geral.”
Expôr no livro as dificuldades que teve em publicar o artigo
científico que descrevia a teoria da velocidade variável da luz foi uma
afronta, porque são aspetos que a comunidade científica tenta esconder. É,
portanto, evidente que a oposição foi grande.
Agora, mais de dez anos passados, os cientistas estão mais
abertos a estas teorias e há mais gente a trabalhar nesta área. Lançar esta
“bujarda” para deixar uma semente afinal surtiu efeito. O físico só lamenta que
o tempo passado desde que formulou a teoria ainda não tenha sido suficiente
para a demonstrar na prática. Porque este é o objetivo dos físicos: criar
teorias que façam previsões e depois confirmá-las ou refutá-las com
observações.
O mistério do físico desaparecido
Um físico teórico com uma grande admiração por outro. Quase
uma obsessão. Foi isso que levou João Magueijo a escrever um livro biográfio
sobre Ettore Majorana – físico italiano que se interessava por neutrinos e que
desapareceu misteriosamente. “É uma personagem muito estranha porque rejeita a
ciência, rejeita a família, rejeita o mundo e desaparece.”
Todos os verões, durante o doutoramento, o físico português
trabalhava como secretário científico no Centro de Cultura Científica e
Fundação Ettore Majorana, em Erice, na Sicília. E a admiração pelo físico
italiano crescia. “Escrever o livro foi um tipo de exorcismo, para me tentar
livrar da obsessão que tinha por ele.” Mas o exorcismo não resultou.
Muito menos agora que passa cerca de um terço do ano na Universidade
La Sapienza, em Roma, e tem de se cruzar com a estátua de Majorana sempre que
entra no departamento de Física. Embora não se identifique com a personalidade
depressiva de Majorana, João Magueijo aprecia a forma como o físico italiano
encarava a ciência – não vivia exclusivamente para ela como a equipa com quem
convivia, Enrico Fermi e os Rapazes da Via Panisperma.
“Detesto a ideia do cientista que não tem interesse em mais
nada fora da ciência”, afirma o físico. “Fermi e os Rapazes da Via Panisperma
faziam ciências e não faziam mais nada. E isso teve implicações dramáticas –
contribuíram para construir a bomba atómica sem pensar muito bem no que estavam
a fazer.”
Não quer ser burocrata da ciência
“Mas não são só os cientistas que precisam de conhecimentos
fora da ciência, as pessoas fora da ciência também precisam de cultura
científica”, diz João Magueijo, porque no futuro terão de ser tomadas decisões
em relação ao clima ou à genética, e para que as pessoas o possam fazer
democraticamente precisam de estar informadas. “Acho que é fundamental todos
nós [cientistas] fazermos divulgação científica.”
Os dois primeiros livros que escreveu já cumprem essa
função. Outros poderão vir, não sabe. Talvez seja o caminho quando deixar de
ser cientista. Porque no dia em que não poder fazer ciência e tiver de fazer
“burocracia da ciência” muda de vida. E gosta de escrever. Especialmente para a
Gradiva, editora dos livros que o motivaram para a ciência. “Estar a escrever
livros para a gradiva ao fim destes anos todos é uma coisa que fecha o ciclo.”
Mas enquanto a criatividade o acompanhar não deixará a
ciência. Continuará a estudar a teoria da velocidade variável da luz e a
gravidade quântica – que pretende unificar a teoria clássica da relatividade
geral com a teoria quântica. “A maior parte dos cientistas deixa de fazer
coisas criativas depois dos 30 anos, e eu já tenho 46.” Mas estar em Roma é
como ser pos-doc, sem a precaridade. “Passar o dia aos gritos com duas ou três
pessoas no gabinete a fazer brainstorming [discussões criativas].”
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