Quase em lágrimas, Cameron pediu
à Escócia para não partir
Não se trata de
dar uma tareia aos “filhos da mãe dos disse o primeiro-ministro britânico, mas
de manter unida uma “família de nações”. Nova sondagem coloca o “não” de novo
em vantagem
Um dos pesospesados da economia escocesa avisou que pode transferir parte
das suas operações para Inglaterra
Ana Fonseca
Pereira / 11-9-2014 / PÚBLICO
Com a meta à
vista e a distância entre os corredores mais curta do que nunca, o debate sobre
o futuro da Escócia — e, por consequência, do Reino Unido — faz-se cada vez
mais no domínio da emoção, com cada um dos lados a tentar encontrar as palavras
mais directas ao coração dos eleitores. Foi esse jogo que os líderes dos três
principais partidos britânicos jogaram ontem, numa visita simultânea ao Norte
para pedir aos escoceses que não rompam a união com Londres. “Ficaria
destroçado se esta família de nações que construímos — e que fez tantas coisas
fantásticas junta — fosse destruída”, disse o primeiro-ministro, David Cameron.
Uma sondagem pode
ajudar a acalmar os ânimos em Londres, ao não confirmar a vantagem do “sim”
anunciada pelo estudo do You Gov divulgado domingo. Segundo o Instituto
Survation, 53% dos eleitores planeiam votar contra a independência no referendo
de dia 18, contra 47% que apoiam o “sim”.
Na embaixada
montada à pressa por Westminster para responder ao impulso conseguido nas
últimas semanas pelos independentistas, era Cameron quem tinha a tarefa mais
arriscada. Ele é o líder dos conservadores, partido que nas últimas
legislativas conseguiu apenas um dos 59 deputados eleitos pela Escócia. É o
primeiro-ministro cujas políticas de austeridade mais têm servido a campanha do
“sim”. É também um político nascido em berço de ouro e educado nas escolas de
elite que qualquer assessor de relações públicas não teria dúvidas em
considerar um activo tóxico junto de um eleitorado de centro-esquerda.
Conscientes dos
riscos em jogo, os spin-doctors de Downing Street optaram por ir directos à
boca do leão. “Às vezes as pessoas podem sentir que isto é mais ou menos como
nas legislativas. Toma-se uma decisão e, cinco anos depois, pode mudar-se de
opinião — se estás cansado dos filhos da mãe dos tories dás-lhes um pontapé e
talvez eles aprendam a lição”, disse o primeiro-ministro perante uma plateia
seleccionada em Edimburgo. Mas o que está em jogo, acrescentou, é “totalmente
diferente”. “Esta não é uma decisão para os próximos cinco anos, é uma decisão
para o próximo século.”
Este tem sido um
dos motes da campanha pelo “não”, na esperança de um recuo dos eleitores,
perante a hipótese, agora realista, do fim da união que dura desde 1707.
Várias vezes
acusado pelo primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, de usar o medo como
táctica, Cameron fez um discurso emotivo — o jornal The Telegraph escreveu que
esteve “à beira das lágrimas” —, falando do Reino Unido como “um país
extraordinário” que escoceses, ingleses, galeses e irlandeses construíram em
conjunto. Lembrou ainda os que dizem que os conservadores teriam mais
facilidade em continuar no poder se a Escócia (um bastião dos trabalhistas)
optasse pela independência, para deixar outro dos soundbytes do dia: “A minha
resposta é que me preocupo mais com o país do que com o meu partido”.
O mesmo mote
serviu ao líder dos trabalhistas, Ed Miliband, que foi a Glasgow defender o
Reino Unido com “a cabeça, o coração e a alma”. “Fiquem connosco porque somos
mais fortes juntos. Fiquem connosco porque juntos podemos tornar o Reino Unido
melhor”. O vice-primeiro-ministro, Nick Clegg, foi o único a arriscar um curto
passeio pelas ruas, num dos bastiões dos liberais-democratas no Sul da Escócia,
mas não se desviou da mensagem, avisando que as futuras gerações “ficarão mais
pobres e menos seguras se as diferentes partes do Reino Unido virarem as costas
umas às outras”.
Numa lotada acção
de rua, a curta distância do local onde Cameron discursou, Salmond sublinhou o
contraste entre a campanha que lidera e a visita de Cameron, Miliband e Clegg. “O
dia de hoje é um bom exemplo do que é a equipa da Escócia contra a equipa de
Westminster”, afirmou. Enquanto uma fala “directamente para a sociedade
escocesa”, indo para as ruas, a outra “dá mostras de pânico e desespero”;
enquanto uma “se preocupa em criar um país capaz de gerar empregos, a outra
está preocupada com o seu emprego”.
É consensual a ideia
de que foi o pânico gerado pela sondagem do YouGov a determinar a mudança de
estratégia. Também ninguém duvida que a ida dos líderes partidários à Escócia
pode ser contraproducente — os três são ingleses e dirigem o sistema político
que tantos escoceses rejeitam. “De cada vez que os de Westminster intervêm na
campanha, os votos pendem mais a nosso favor”, disse à AFP Michael Granados, um
apoiante de Salmond.
Mas Cameron, que
ontem voltou a insistir que recusará partilhar a libra com a Escócia, recebeu vários
apoios de peso à sua causa. O presidente da petrolífera BP, um dos maiores
investidores na Escócia, disse que o futuro do sector “será melhor servido” se
a integridade do Reino Unido for mantida. Também a gestora de fundos de pensões
Standart Life, um dos pesospesados da economia escocesa, avisou que poderá
transferir parte das suas operações para Inglaterra.
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