Passos pede à PGR que investigue
factos de que não se recorda
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO , PAULO PENA , SOFIA RODRIGUES e PEDRO SALES DIAS 23/09/2014 - PÚBLICO
O primeiro-ministro continua sem dizer se recebeu pagamentos do
CPPC/Tecnoforma. Às 21 horas de terça-feira, ainda não dera entrada na PGR
“qualquer pedido formal do primeiro-ministro”.
A pergunta, de resposta
simples – sim ou não – está feita: recebeu Pedro Passos Coelho algum vencimento
pelo seu cargo de Presidente do Centro Português Para a Cooperação (CPPC),
ligada à empresa Tecnoforma, entre 1997 e 1999? Por várias vezes, nos últimos
dois anos, o primeiro-ministro recusou responder a esta pergunta.
Fê-lo, uma vez
mais, esta terça-feira, quando anunciou que iria pedir à Procuradoria-Geral da
República (PGR) “que faça as averiguações especificamente sobre esta matéria
que devam ser realizadas de modo a esclarecer se há ou não algum ilícito,
independentemente de entretanto ter prescrito”.
O ilícito que
Passos Coelho refere é a fuga ao fisco, em que teria incorrido se tivesse
recebido qualquer remuneração do CPPC/Tecnoforma, designadamente os cinco mil euros por mês, ao longo de cerca de
três anos, que são referidos numa denúncia em investigação pelo DCIAP
noticiada, na semana passada, pela revista Sábado. Mas há várias informações
novas que, nesta terça-feira, obrigaram o primeiro-ministro a voltar ao assunto
sob a pressão dos jornalistas.
Desde logo, a
revelação de que, durante esse período – os anos de 1997, 1998 e 1999 –, Passos
exercia o seu mandato de deputado em exclusividade, o que o impedia de acumular
vencimentos fixos alheios ao Parlamento e, por maioria de razão, um salário que
era quase o dobro daquele que auferia como parlamentar.
Sabe-se, também,
que Passos, nesses anos, só por duas vezes declarou rendimentos que não eram
provenientes das suas funções palamentares. Nas declarações de IRS que entregou
no Parlamento, em 2000, para justificar o seu pedido de um subsídio de
reintegração, o primeiro-ministro apenas declarou cerca de 12 mil euros em 1997
e pouco mais de três mil euros em 1999. No ano de 1998 só declarou às Finanças
rendimentos como deputado.
Perante esta
informação, prestada pelo próprio ao Parlamento e às Finanças, seria simples
negar qualquer recebimento além dos declarados. Mas Passos não o fez, nem
ontem, nem há dois anos quando o PÚBLICO lhe perguntou pela primeira vez se
tinha sido pago pelas suas funções no CPPC. “Estou convencido de que ele
[Passos Coelho] recebia qualquer coisa, mas não posso falar em valores porque
não posso provar nada”, admitiu ao PÚBLICO o ex-presidente da Tecnoforma,
Fernando Madeira, na passada quinta-feira.
Outros dois
ex-administradores da Tecnoforma, Manuel Castro e Sérgio Porfírio, afirmaram ao
Expresso em 2011 que Passos foi “consultor” da empresa desde 1996. Passos
Coelho nunca referiu nem a Tecnoforma nem o CPPC na sua (única) declaração de
interesses entregue no Parlamento, em 1996. Nem entregou ao Tribunal
Constitucional, em 1999, quando abandonou São Bento, a declaração de
rendimentos exigida por lei aos titulares de cargos públicos que terminam os
seus mandatos. Aparentemente, nem a sua “declaração de exclusividade” como
deputado foi entregue.
O actual
secretário-geral da Assembleia da República Albino Azevedo Soares voltou
terça-feira a afirmar, em comunicado, que “não existe uma declaração de
exclusividade relativa ao período que medeia entre Novembro de 1995 e 1999” em nome do actual
primeiro-ministro. Sabe-se, hoje, que isso não impediu Passos Coelho de o
invocar, por duas vezes. Em 17 de Fevereiro de 2000, Passos informou, “a
instâncias dos serviços da AR”, que “desempenhou funções de deputado durante as
VI e VII legislaturas, em regime de exclusividade”, na sequência de um requerimento
por si apresentado ao Presidente do Parlamento. Estava em causa o subsídio de
reintegração a que só poderia aceder
caso se comprovasse, como estipulava a lei, que estava “em regime de
exclusividade” (art 31º, lei 26/95).
Na altura, Passos
Coelho não informou apenas Almeida Santos de que estava em regime de
exclusividade. Informou também a Comissão de Ética do Parlamento. Perante um
pedido de clarificação do deputado agora primeiro-ministro, essa comissão
declarou que a actividade profissional esporádica declarada por Passos ao
Parlamento e ao fisco – colaborações com órgãos de comunicação social – “não
contendia com o regime de exclusividade”.
Os argumentos e
documentos por ele apresentados – nomeadamente as declarações de IRS que
confirmam só ter ganho cerca de 24.100 euros para lá dos vencimentos de
deputado – foram aceites pelo então auditor jurídico da Assembleia da
República, o procurador-geral-adjunto Henrique Pereira Teotónio, tendo o então
presidente do Parlamento, Almeida Santos, deferido o pagamento dos cerca de 60
mil euros correspondentes ao subsídio de reintegração devido pelos dois
mandatos (um mês de salário por cada semestre de serviço).
Onze anos mais
tarde, na campanha para as últimas eleições legislativas, Passos Coelho e os seus
apoiantes, em livros e entrevistas, fizeram passar repetidamente a mensagem de
que o candidato a primeiro-ministro era alguém tão desprendido das questões
monetárias, que nem sequer tinha requerido a subvenção mensal vitalícia a que
os deputados tinham direito.
Na verdade, ele
não tinha direito a essa subvenção, pela simples razão de que tinha exercido o
mandato durante oito anos e não durante os 12 que eram necessários para a
receber.
Verifica-se,
portanto, que embora não tenha recebido, segundo afirma agora o
secretário-geral da Assembleia da República, as despesas de representação
equivalentes a 10% do vencimento que correspondiam a um dos benefícios dos
deputados em exclusividade, Passos Coelho recebeu o subsídio de reintegração,
que era a outra vantagem que caracterizava o exercício do mandato em regime de
exclusividade ente 1995 e 1999.
A razão pela qual
Passos Coelho, que se declarou formalmente em exclusividade para efeitos do
subsídio de reintegração, não recebeu as despesas de representação é, por
enquanto, uma incógnita.
Investigação
quase impossível
Certo é que o
facto de o ex-deputado ter estado em exclusividade é particularmente incómodo,
face às suspeitas existentes de que recebeu 150 mil euros entre 1997 e 1999,
pagos pela Tecnoforma para presidir ao Centro Português para a Cooperação, uma
ONG criada para servir aquela empresa .
Todavia, poderá não ser fácil provar o fundamento
daquelas suspeitas, seja no quadro de um inquérito já em curso, seja numa outra
investigação eventualmente aberta a pedido de Passos. Desde logo porque o
pedido que o primeiro-ministro anunciou que ia endereçar à PGR esta
terça-feira, para que investigasse os factos ocorridos até 1999, pode não ser
sequer atendido por Joana Marques Vidal. Vários procuradores garantem que é
“juridicamente absurdo” iniciar uma investigação “a pedido” sobre factos que
estarão prescritos.
Mas mesmo que se
admita a hipótese de esta investigação, motivada por uma denúncia à PGR, ser
feita no âmbito do inquérito alargado que, desde o início do ano passado,
decorre no DCIAP com o apoio do OLAF (gabinete de luta anti-fraude da Comissão
Europeia), na sequência das notícias do PÚBLICO de 2012, há uma enorme
probabilidade de vir a ser inconclusiva.
Para apurar se
Passos Coelho recebeu pagamentos do CPPC/Tecnoforma que não declarou ao fisco,
um dos principais protagonistas desta história, o contabilista que tratava da
tesouraria da Tecnoforma, já morreu. O próprio banco – na hipótese de ter
havido transferências bancárias – não é garantido que guarde os registos desse
período. E o primeiro-ministro não respondeu às perguntas colocadas pelo
PÚBLICO: no pedido que prometeu enviar à PGR avançou alguma possibilidade, em
concreto, de levantamento voluntário dos seus sigilos fiscal e bancário?
À hora de fecho
desta edição, a PGR respondeu a um e-mail do PÚBLICO com uma informação
adicional: “Até ao momento, não chegou à Procuradoria-Geral da República
qualquer pedido formal do primeiro-ministro. Logo que
recebido será objecto de apreciação.”
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