PRIMÁRIAS NO PS
Três notas a contracorrente
José Manuel
Fernandes
28/9/2014, OBSERVADOR
Não estou certo que as primárias tenham vindo para ficar. Não acho a
participação eleitoral assim tão extraordinária. E duvido que seja fácil voltar
a unir o PS. Sem certezas, mas a contracorrente
1. Parece haver
um consenso entre os comentadores e, também, entre os políticos do PS que se
pronunciaram na noite das primárias: a de que este método de escolher o
candidato a primeiro-ministro veio para ficar. É uma unanimidade quase igual à
que existiu quando António José Seguro decidiu convocar estas primárias: a
única diferença é que antes todos as criticaram e agora todos as aplaudem. A
mim, que nunca me pareceu um mau método, também não me surge como mezinha para
todos os males do nosso sistema partidário.
As razões porque
não tenho a certeza que este método se generalize é que as condições destas
primárias não são repetíveis. Far-se-ão primárias para “candidato a
primeiro-ministro” no início de um ciclo eleitoral, isto é, quando um partido
perde as eleições e escolhe um novo líder para quatro anos? Ou deixa-se isso
para um ano antes das eleições? E quanto a candidatos presidenciais? E
candidatos a presidentes de câmara? Desaparecem as directas? Sujeitar-se-á um
primeiro-ministro em funções a “primárias”, como se sujeita o Presidente dos
Estados Unidos?
Como veem, o
caminho é tudo menos claro. Para além que não convém embandeirar em arco e
esquecer, por artes mágicas, o tom lamentável desta campanha, um tom que
facilmente se poderia repetir em exercícios semelhantes. Quantos partidos
estarão dispostos a passar por este tipo de experiência?
2. Terão votado
ontem 170 a
180 mil militantes e simpatizantes do PS. Esse número provocou enorme
entusiasmo. É prudente colocar alguma água na fervura. Se compararmos estas
eleições primárias com as que tiveram lugar em França e Itália na mesma área
política, a participação em Portugal foi uma desilusão. Para,
proporcionalmente, a participação ser semelhante deveriam ter votado cerca de 600
mil portugueses – votaram bem menos de 200 mil.
Esta questão não
é menor. Porque é que os socialistas portugueses, principal partido da oposição
no tempo de um Governo que foi obrigado a aplicar medidas duríssimas, não
conseguiram mobilizar tanto a cidadania como os seus correligionários franceses
ou italianos? Será a nossa crise de participação política ainda maior do que
nesses dois países – dois países onde há movimentos anti-sistema muito fortes,
a Frente Nacional em França e o movimento Beppe Grillo em Itália?
E, já agora, mais
uma pergunta incómoda: porque é que cerca de 30% dos que podiam votar não o
fizeram, sendo que muitos se tinham inscrito apenas algumas semanas antes? Há
quem tenha dito que foi uma abstenção baixa – a mim pareceu-me algo elevada se
pensarmos no carácter voluntário e muito próximo do acto de inscrição como
simpatizante do PS.
3. Toda a gente
jurou nesta curta noite eleitoral que o PS se vai voltar a unir rapidamente. De
novo, tenho dúvidas. E as minhas dúvidas foram reforçadas pelo discurso de
vitória de António Costa. Se era necessária uma prova de que a campanha deixou
feridas duradouras, tivemo-las nesse discurso, pois o vencedor da noite não foi
capaz de citar o nome do seu adversário e tratou de contornar o incómodo dizendo
que quem tinha vencido era todo o PS, que não havia derrotados. Não foi
elegante nem teve grandeza.
Numa das suas
últimas entrevistas antes das primárias, ao DN, este sábado, Costa antecipou
que só um pequeno número de irredutíveis de Seguro manterão a acrimónia. Um
Seguro que ele trata nessa mesma entrevista com desprezo e altivez, ao afirmar
que não lhe devia ter dado oportunidade de se afirmar. Mais uma vez julgo que
aquilo que estas palavras revelam não se resolve apenas porque um lado
conseguiu mais de dois terços dos votos.
Para que o PS se
unisse rapidamente teria sido necessário que António Costa tivesse ontem
mostrado, no seu discurso, uma grandeza para com os vencidos que não foi capaz
de mostrar. Essa é que é essa.
Numa noite de
tantas certezas, deixo aqui estas dúvidas. A
contracorrente.
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