OPINIÃO
Um produto do cérebro de Seguro
VASCO PULIDO
VALENTE 19/09/2014 - PÚBLICO
O sufrágio uninominal seria o fim da democracia, até da escassa democracia
que os portugueses por enquanto gozam.
Segundo parece, a
Assembleia irá ser reduzida a 181 deputados, o que beneficia a direita e
prejudica a esquerda radical, sobretudo o BE e o PS. Mas, tirando esse terrível
problema de saber quem ganha o quê, António Seguro tem razão: a esmagadora
maioria dos nossos representantes é paga para não fazer rigorosamente nada,
excepto votar quando e como a direcção do partido lhe manda.
O exemplar típico
assina o ponto e, a seguir, vai trabalhar numa empresa ou num escritório de
advogados. Uma dezena deles passeia pelos corredores, lê os jornais, bebe um
café e, às cinco, volta para casa. As gritarias, de resto raras, cá em baixo no
anfiteatro não comovem ninguém, nem o público que ninguém sabe o nome dos
figurões, nem o país que os despreza do fundo do coração.
Têm sido feitas
propostas para acabar com esta vergonha, que os partidos rejeitam sempre. Porquê?
Porque os chefes precisam de sinecuras para premiar os seus fiéis,
principalmente quando eles vêm da província; e porque os batalhões que chegam,
bem disciplinados por uma vida de subserviência, nunca lhes desobedecem. De
resto, não se compreende por que razão os “reformadores” do Parlamento e da lei
de eleições preferem invariavelmente o círculo uninominal e variantes. Seguro
fala, se não me engano, em “visibilidade”, em “transparência” e nos chavões do
costume; e também no facto miraculoso de cada português ficar, depois de 2015,
com o seu próprio deputado. Claro que esta “ideia” é uma salada de ideias
trazidas do estrangeiro, que não nos servem e já se demonstrou que não nos
servem.
O círculo uninominal
não impede que a intriga fervilhe, como fervilha agora, embora com novos
beneficiários. O voto do patrão da pequena ou da grande empresa (rural,
industrial ou de serviços) e dos grandes funcionários do Estado passará a valer
mais do que um voto e daí se escorregará depressa para um comércio de voto
generalizado. Votar no A ou votar no B exige um minucioso tráfego de influência
e uma larga troca de favores. Em vez das clientelas dos partidos, mesmo assim
relativamente poucos e com um chefe conhecido à frente, virão os “donos disto
tudo”, sem nome e sem cara, que puxam pelos cordões na sombra. O sufrágio
uninominal seria o fim da democracia, até da escassa democracia que os
portugueses por enquanto gozam. Só Seguro não percebe.
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