Começou a campanha catalã para um
referendo que Madrid diz ser ilegal
SOFIA LORENA
27/09/2014 - PÚBLICO
Braço-de-ferro vai prolongar-se nas próximas semanas, com o Governo a
responder no Tribunal Constitucional. Em Barcelona, fazem-se apelos à
mobilização cidadã.
Já era esperado e
assim aconteceu: o presidente do governo autonómico da Catalunha, Artur Mas,
assinou este sábado o decreto a convocar o referendo sobre o futuro político
desta região espanhola. 9 de Novembro, uma data que o parlamento catalão já
aprovara e na qual uma esmagadora maioria de catalães deseja ir às urnas, para
dizer “sim” ou “não” à permanência em Espanha.
Num processo que
se arrasta há dois anos, há pouco espaço para surpresas e a reacção do Governo de
Madrid foi a que se adivinhava, com a vice-presidente, Soraya Sáenz de
Santamaría, a repetir que a consulta é inconstitucional e que, como tal, não
vai realizar-se. “Neste país, todos estamos sujeitos à lei”, afirmou, no
Palácio de Moncloa de Madrid. De visita à China, o primeiro-ministro do Partido
Popular, Mariano Rajoy, lamentou mais este avanço: “Foi Mas que se meteu nesta
confusão”, disse.
O braço-de-ferro
tem sido permanente e já se conhecem os argumentos de ambas as partes. O guião
está escrito e as cenas vão-se sucedendo à espera de um desenlace. A
Generalitat (governo regional) nunca escondeu o jogo e tem atrás de si a
esmagadora maioria do actual parlamento assim como repetidas sondagens que,
mais do que indicarem a intenção de os catalães se quererem separar de Espanha,
confirmam a vontade de grande parte da população acreditar que tem o direito a
decidir.
Madrid sempre
recusou negociar qualquer tipo de consulta. A Constituição, como é normal,
prevê a indivisibilidade do Estado espanhol, e, à partida, só o Governo central
teria mandato para realizar um referendo desta natureza. Esgotadas várias
tentativas para que isso acontecesse, o parlamento catalão aprovou há dias uma
lei de consultas que dá a Artur Mas o direito de assinar este decreto. O
resultado não será vinculativo, mas servirá para mostrar a vontade dos
catalães, insistem os partidos no poder, a Convergência e União, de Artur Mas,
mas também a Esquerda Republicana, de Oriol Junqueras, que obteve um resultado
histórico nas eleições autonómicas de Novembro de 2012.
Já com o decreto
assinado, Junqueras defendeu que a obrigação dos cidadãos é votarem, mesmo que
a esse acto se chame desobediência. Se Madrid tentar impedir a consulta,
afirmou, estará “a ir contra todo o quadro legal e a legitimidade democrática”.
Quim Arrufat, deputado das CUP (Candidatura de Unidade Popular, um partido de
esquerda que nunca tinha concorrido às autonómicas e elegeu três membros no
actual parlamento catalão), antecipou um “Outono histórico” e pediu a todos os
catalães para continuarem a mobilizar-se e assim poderem votar.
Aliás, todos os
partidos que defendem o referendo lamentaram que nos últimos dias já o
Executivo do PP tenha anunciado o que vai fazer, antes do decreto ser
conhecido. Na verdade, é o tal guião de que ninguém se tem desviado muito;
sempre se soube que o passo seguinte é pedir que a lei das consultas aprovada
pelo parlamento catalão seja considerada inconstitucional, ilegalizando assim o
decreto assinado com base nesta lei.
Oficialmente, o
Governo vai reunir-se domingo para preparar a resposta ao decreto, mas Sáenz de
Santamaría já disse que tudo está em marcha. “Iniciámos esta manhã os passos
para promover os recursos de inconstitucionalidade com a petição que informa o
Conselho de Estado; quando estiver emitida vamos reunir o conselho de ministros
e apresentar o recurso no Constitucional”, explicou a vice-presidente.
Um governo
"neutro"
“Claro que o
decreto é legal, nós somos um governo legal, democrático e não emitimos
decretos ilegais”, antecipava quinta-feira numa entrevista a quatro jornalistas
europeus Roger Albinyana, secretário dos Assuntos Externos e Europeus da
Generalitat. Albinyana garantia ainda que tudo estava já pronto “do ponto de
vista técnico para garantir um voto democrático e livre” a 9 de Novembro.
“Assim que o decreto for assinado é lei, ou seja, a campanha começa. Nós,
enquanto governo, vamos manter-nos neutrais. Mas os partidos estão preparados e
a sociedade civil também. Do que eu oiço, a campanha vai começar.”
Logo depois da
assinatura, surgia no site da Generalitat uma página dedicada à consulta com o
título “Tu decides”.
Recordando que
este processo foi lançado pelas pessoas, Albinyana admitiu que o seu governo
está “sob enorme pressão” popular. “As pessoas estão a exigir votar e também
têm pedido unidade, é importante que os partidos se mantenham unidos.”
Afinal, o actual
pico do nacionalismo catalão explica-se de várias maneiras, incluindo a
declaração de inconstitucionalidade de vários artigos de um novo estatuto de
autonomia que chegou a ser aprovado pelo Parlamento de Madrid (quando no
Governo estava o PSOE, de Rodríguez Zapatero, e o PP, na oposição, levou o
documento a tribunal e mobilizou a recolha de assinaturas para um referendo
contra o estatuto). Mas há um dia que mudou tudo: a Diada, o dia nacional
catalão de 2012, quando, a 11 de Setembro, um milhão de pessoas participou em
Barcelona numa manifestação convocada pela Associação Nacional Catalã sob o
slogan “Catalunha, um novo estado da Europa”.
Indesmentível é
também que Artur Mas não era um independentista, antes alguém que defendia mais
autonomia para os catalães dentro de Espanha. Mudou de ideias, afirmou
entretanto. Desistiu de esperar o impossível, defende. Pois se de Madrid, diz
Albinyana, “nos últimos cinco anos, tudo o que tem acontecido é no sentido da
recentralização”.
Garantias
democráticas
Uma semana depois
do “não” escocês à independência, a Catalunha dá mais um passo num caminho que
os seus líderes garantem não poder ser parado. O que Albinyana assegura é que
“o voto só vai acontecer se for legal e contar com garantias democráticas”,
contrariando assim algumas teorias. Òscar Palau, editor do jornal El Punt Avui,
nacionalista, admitia em Fevereiro ao PÚBLICO um cenário em que a generalitat
avançasse com a consulta nem que fosse “para que a guarda civil viesse buscar
as urnas”.
Depois de assinar
o decreto, com uma caneta catalã, no Palácio da Generalitat, Artur Mas fez uma
curta declaração para afirmar – em catalão, castelhano e inglês – que “a
Catalunha quer falar, ser ouvida e votar”. Do texto do decreto faz parte a
pergunta dupla que o parlamento já aprovou: “Quer que a Catalunha seja um
Estado?” e, em caso afirmativo, “Quer que esse estado seja independente?”. No
decreto também se lê que o objectivo da consulta é “conhecer a opinião sobre o
futuro político da Catalunha”.
Se não houver
consulta, já se sabe, haverá eleições antecipadas com a independência como
único ponto do programa dos partidos que a defendem. Pelo menos aí, o futuro,
da Catalunha, e dos líderes envolvidos neste processo, vai mesmo começar a
conhecer-se.
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