Passos Coelho
deverá falar sobre o caso nesta sexta-feira, no Parlamento
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OPINIÃO
Os privilegiados que vivem entre
a política e os negócios
PEDRO SOUSA
CARVALHO 26/09/2014 – PÚBLICO
Este mês de
Setembro tem sido uma fartura de notícias de titulares ou ex-titulares de
cargos políticos que foram condenados, acusados ou são suspeitos de negócios ou
comportamentos menos claros envolvendo a política e negócios.
O primeiro caso
foi o de Armando Vara. Condenado a cinco anos de prisão por três crimes de
tráfico de influência. Os juízes deram como provado que o ex-ministro adjunto
recebeu 25 mil euros de um sucateiro como compensação pelas diligências por si
empreendidas a favor das suas empresas.
O segundo caso
foi o de Maria de Lurdes Rodrigues. Condenada a uma pena suspensa de prisão de
três anos e meio e ainda a pagar ao Estado 30 mil euros por ter violado a lei,
ao contratar por ajuste directo, quando era ministra da Educação, o irmão do
dirigente socialista Paulo Pedroso. Os juízes consideraram provado que a não
existência de concurso público foi motivada por afinidades pessoais e
político-partidárias.
O terceiro caso
foi o de Luís Filipe Menezes. Não foi condenado e nem é acusado. Mas a Visão
diz que a Justiça está a investigar várias alegadas irregularidades nas
estruturas locais e nacionais do PSD, nomeadamente em Gaia, no tempo em que
Menezes era o presidente da câmara. Um caso onde alegadamente há de tudo: ajustes
directos e concursos para campanhas do PSD, contas e facturas que não batem
certo, contratações de agências de comunicação e empresas, e transferências
bancárias pouco transparentes.
O quarto caso é o
de Passos Coelho. Também não foi acusado e muito menos condenado. Mas ao longo
da semana avolumaram-se suspeitas, já que o primeiro-ministro continua sem
esclarecer se recebeu ou não dinheiro da Tecnoforma numa altura em que era
deputado, aparentemente em regime de exclusividade. E a existir esses pagamentos
se foram ou não declarados ao Fisco, partindo do princípio que deveriam ter
sido.
Confrontado pelos
jornalistas, Passos limitou-se a dizer que não se recordava. Disse aquilo que
os advogados aconselham os seus clientes a dizer para não se comprometerem, nem
com a verdade, nem com a mentira. E não vale a pena argumentar, como fazia
ontem Teresa Leal Coelho na TSF, que o primeiro-ministro não tem de dar
explicações porque isso seria inverter o ónus da prova. Em política, quando os
eleitos estabelecem um contrato de confiança com os eleitores, os crimes não
prescrevem e a inversão do ónus da prova é uma obrigação moral.
Este caso até é
relativamente simples de resolver. Se o primeiro-ministro cometeu alguma
ilegalidade no passado, demite-se. Aliás, como o próprio sugeriu que faria caso
se viesse a detectar alguma ilegalidade. Muitos no passado nem sequer tiveram
coragem de dizer isso. E depois desencadeia-se o processo político normal para
empossar um novo primeiro-ministro. Se o país sobreviveu a três anos de troika,
à queda de um grande banco e à demissão irrevogável de Paulo Portas também
sobreviverá à queda de Passos Coelho. Caso haja uma explicação lógica, legal e
convincente para as suspeitas, dada pelo próprio, pela Tecnoforma, pelo Fisco
ou pelo Parlamento, o primeiro-ministro cumprirá o mandato para o qual foi
eleito. E quem se precipitou em acusá-lo de alguma coisa deverá retractar-se.
Quer Armando
Vara, quer Maria de Lurdes Rodrigues têm direito a recorrer das decisões dos
tribunais. E quer Luís Filipe Menezes, quer Passos Coelho têm direito a
defender o seu bom-nome. Mas entre todas estas condenações, investigações e
suspeitas há um denominador comum; uma aparente promiscuidade entre negócios e
política. Como dizia há dias o próprio Passos Coelho na Festa do Pontal, na
altura a propósito do caso BES, "vamo-nos apercebendo bem dos privilégios
– para não dizer da falta de ética – de muita gente que vivia entre a política
e os negócios e os negócios e a política”.
Hoje em dia todos
nós estamos bastante menos tolerantes para situações de promiscuidades, de
cunhas, de favores, de esquemas, de privilégios, de chico-espertismo. E ainda
bem que estamos. Mas não chega. É preciso apertar a malha legal. Um bom ponto
de partida seria olhar para o projecto de lei que foi apresentado na semana
passada por António José Seguro para alterar o Regime Jurídico de
Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos. Pode
gostar-se mais ou menos de Seguro, e até se pode questionar o timing da
proposta; mas é incontestável o valor de algumas delas.
Se proibirmos os
deputados de exercer funções de peritos, consultores ou árbitros em qualquer
processo em que o Estado seja parte; se obrigarmos os titulares de cargos
políticos a revelar a origem dos seus rendimentos, com a indicação das
entidades pagadoras; ou se garantirmos que através de um cruzamento de dados se
pode fiscalizar a veracidade das declarações de património e rendimentos; então
muito provavelmente o caso Tecnoforma – ou aquilo que alguns pensam ser o caso
Tecnoforma – não existiria. Aliás, a questão da fiscalização é vital. Como
dizia este fim-de-semana Luís de Sousa, presidente da Transparência e
Integridade, “há várias entidades que fiscalizam em teoria estas questões, o
Tribunal Constitucional, a PGR, a Comissão de Ética do Parlamento, mas a
verdade é que não fiscalizam na prática”. Enquanto não dermos este passo vamos
continuar a suspeitar, a acusar, a condenar e a lamentar aqueles que vivem
entre a política e os negócios.
Decisão de arquivar denúncia
contra Passos Coelho já está a suscitar dúvidas
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO e PAULO PENA 26/09/2014 - PÚBLICO
O inquérito aberto na sequência da denúncia de que Passos Coelho recebeu
dinheiro ilegalmente foi arquivado. A decisão poderá ter ignorado a hipótese de
haver crimes que ainda não prescreveram.
A
Procuradoria-Geral da República anunciou nesta quinta-feira à noite, em
comunicado, que a denúncia anónima que visava Pedro Passos Coelho e a sua
“eventual ligação à Tecnoforma”, recebida em Junho deste ano, deu origem a um
inquérito que foi de imediato arquivado pelo Departamento de Investigação e
Acção Penal (DCIAP).
A justificação do
arquivamento, diz a PGR, prende-se com o facto de os crimes eventualmente
praticados já estarem prescritos, verificando-se por isso a “inadmissibilidade
legal do procedimento.”
A denúncia em
causa referia que Passos Coelho teria recebido cerca de cinco mil euros por
mês, num total próximo de 150 mil euros, entre 1997 e 1999, pelas funções que
exerceu como presidente do Conselho de Fundadores do Conselho Português para a
Cooperação (CPPC), uma organização não governamental criada pela empresa
Tecnoforma para angariar financiamentos públicos para a sua actividade. Parte
desses pagamentos terá sido feita através da agência do Banco Santander do
Laranjeiro.
Passos Coelho não
poderia ter recebido qualquer verba da Tecnoforma, visto que na altura
desempenhava as funções de deputado em regime de exclusividade e, a tê-las
recebido, não as incluiu nas suas declarações de IRS.
De acordo com a
nota da PGR, a denúncia foi, numa primeira fase, “junta ao inquérito que tem
por objecto a investigação da actividade da Tecnoforma” e que está em curso no
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) desde o início de
2013, em colaboração com o gabinete de luta anti-fraude da União Europeia
(OLAF).
Num segundo
momento, “após análise da denúncia”, foi decidido instaurar um inquérito
autónomo relativo à mesma. “Este inquérito foi arquivado nos termos do artº
277, n.º 1 do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade de procedimento
legal”, diz a PGR.
A procuradoria
acrescenta que, “verificando-se a extinção da hipotética responsabilidade
criminal por via da prescrição, está legalmente vedado ao Ministério Público
proceder a investigação com a finalidade de tomar conhecimento sobre a
veracidade ou não dos factos constantes da denúncia”.
O comunicado não
refere qual o tipo de crime que já teria prescrito, sendo certo que há crimes
que poderiam estar associados a este caso cuja prescrição ainda não ocorreu,
garantiram ao PÚBLICO fontes judiciais.
Segundo as mesmas
fontes, a decisão de retirar a denúncia do inquérito para o qual ela começou
por ser encaminhada pelo director do DCIAP, Amadeu Guerra, e no âmbito do qual
já tinham sido iniciadas algumas diligências que não terão sido concluídas, foi
tomada muito recentemente, já depois de o caso ter saltado para as primeiras
páginas dos jornais.
Esta terá sido
também a forma encontrada pela PGR para arrumar, sem qualquer diligência, o assunto
do pedido de Passos Coelho para que seja esclarecida a sua ligação à
Tecnoforma.
Independentemente
da decisão de arquivamento deste inquérito e dos contornos que a rodeiam, as
relações do primeiro-ministro com o CPPC estão longe de estar esclarecidas,
sobretudo porque o próprio ainda não pronunciou as palavras-chave: Sim ou não,
para confirmar ou desmentir que recebeu quaisquer remunerações que não tenha
declarado ao fisco e à Assembleia da República.
Em todo o caso, o
então deputado sabia, desde o início do mandato, que não podia ter outra “fonte
de rendimento” e assegurou ao Parlamento, em 2000, que exercera as suas funções
“em exclusividade”.
A consulta dos
documentos que Albino Azevedo Soares, secretário-geral do Parlamento,
disponibilizou nesta quinta-feira aos grupos parlamentares, a pedido do PCP, e
entregou ao PÚBLICO em cumprimento da Lei de Acesso aos Documentos
Administrativos, revela um facto importante: Passos Coelho estava ciente, desde
o início do mandato, em 1996, que não podia – sob pena de tal ser incompatível
“com o regime de dedicação exclusiva” – ter qualquer “actividade/fonte de
rendimento/principal ocupação” que não a de deputado.
É isso que se
pode ler no parecer da Comissão de Ética da Assembleia da República, assinado
pelo seu presidente à época, o socialista Videira Lopes, que analisou o caso
das colaborações de quatro deputados, entre os quais Passos Coelho, com a RDP.
Na altura, Alberto Martins (PS), Jorge Ferreira (CDS), Luís Sá (PCP) e Passos
Coelho (PSD) perguntaram àquela comissão se podiam receber uma remuneração pela
sua participação num programa de debate naquela rádio, tendo em conta que a RDP
é uma empresa pública.
A conclusão foi
“sim”. Podiam, visto que essa colaboração com a rádio “não é um ‘modo de
vida’”. Mas o parecer de Videira Lopes estreita as balizas do que era, ou não,
permitido a um deputado. Entende que podiam receber por colaborações pontuais
desde que tal não constituísse uma “prestação de serviço profissional”.
Quando, a 11 de
Outubro de 1996, escassos cinco meses depois do parecer da Comissão de Ética,
Passos fundou o CPPC, com sede nas instalações da Tecnoforma, em Almada, sabia
que a sua actividade nessa organização não poderia ser remunerada, sob pena de
colidir com o regime de exclusividade que veio a invocar junto do Parlamento
para receber o subsídio de reintegração relativo a toda a legislatura.
É certo que o
actual primeiro-ministro nunca deu conhecimento oficial desta sua actividade,
no registo de interesses, obrigatório, no Parlamento. Ainda que tenha vindo a
assumir um papel primordial na actividade do CPPC. Passos foi presidente do
Conselho de fundadores e é referido nas actas da organização como “dep. Pedro
Passos Coelho”.
Foi ele, como
demonstra a “acta número um” daquele conselho, quem dirigiu a primeira reunião.
Foi ele quem acrescentou aos fundadores os nomes de Ângelo Correia e do Grupo
Visabeira, que já negou peremptoriamente ter alguma vez participado ou
financiado o CPPC.
Foi também Passos
Coelho quem propôs os nomes dos três membros da direcção, eleitos em Outubro de
1996: Manuel Castro, Fernando Madeira e João Luís Gonçalves. Os dois primeiros
eram sócios da Tecnoforma, a sociedade que financiava a organização.
O terceiro, que
foi secretário-geral da JSD quando Passos era seu presidente, veio a tornar-se
um dos donos da empresa em 2002, através da offshore Itaki, com sede em
Gibraltar, quando Madeira vendeu a sua participação no capital.
A confusão entre
o CPPC e a Tecnoforma – empresa a que Passos viria a ligar-se contratualmente
apenas em 2002 e da qual veio a ser administrador juntamente com Francisco
Nogueira Leite, um seu amigo que agora é administrador da Paravalorem por nomeação
governamental – talvez justifique o que dois ex-administradores daquela
empresa, Manuel Castro e Sérgio Porfírio, disseram ao Expresso em 2011: que o
então deputado fora “consultor” da Tecnoforma desde 1996.
João Luis
Gonçalves e o antigo deputado socialista Fernando Sousa, que partilharam com
Passos Coelho responsabilidades nos órgãos sociais do CPPC, confirmaram ao
PÚBLICO há dois anos que receberam automóveis da Tecnoforma quando eram
dirigentes do CPPC.
Fernando Madeira,
que detinha então 80% da empresa, garantiu ao PÚBLICO, em 2012, que Passos
nunca foi “consultor” da empresa até 2002. E na semana passada adiantou: “O
senhor não foi para ali [para o CPPC] pelos meus lindos olhos. Estou convencido
de que ele [Passos Coelho] recebia qualquer coisa, mas não posso falar em
valores, porque não posso provar nada”.
Passos nunca
negou que tivesse sido remunerado pela sua presidência do CPPC. “Não tenho
presente todas as responsabilidades que desempenhei há 15 anos, 17 e 18. É-me
difícil estar a detalhar circunstâncias que não me estão, nesta altura,
claras”, referiu no sábado.
Já a 28 de
Novembro de 2012, questionado pelo PÚBLICO, o primeiro-ministro aceitou
responder, por escrito, a dez perguntas. Porém, só deu nove respostas. A
pergunta que ficou por responder foi, justamente, essa: “A Tecnoforma (ou os
seus proprietários) alguma vez remunerou os serviços prestados pelo dr. Passos
Coelho ao CPPC?”
Passos disse que
as despesas do CPPC “constam dos relatórios” mas que não guardou “pessoalmente”
esses registos. Mas admite que dedicou “algum trabalho” à organização.
Fernando Madeira,
numa entrevista à Sábado, procurou qualificar os serviços prestados pelo então
deputado: “O Pedro é que abria as portas todas.” Até em São Bento terão
decorrido algumas destas reuniões de trabalho, entre o dono da Tecnoforma e o
deputado que presidia ao CPPC.
O facto de o
ex-deputado ter estado em exclusividade entre 1995 e 1999, como declarou por
escrito ao Parlamento, é particularmente incómodo, face às suspeitas existentes
de que recebeu 150 mil euros entre 1997 e 1999, pagos pela Tecnoforma para
presidir ao CPPC, o que, a ser verdade, poderia envolver a prática de diversos
crimes.
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