Passos explicou-se. Pena ter
demorado tanto
José Manuel Fernandes / 27-9-2014 / OBSERVADOR
Passos deu a resposta que todos lhe pediam: disse "não, não recebi
salários". Disse-o tarde, deixando que se instalasse a desconfiança. Mas
tal não autoriza pedidos de levantamento do sigilo bancário.
Pedro Passos
Coelho foi à Assembleia da República dizer que não recebeu qualquer remuneração
regular enquanto foi presidente de uma organização não-governamental, o CPPC,
ligado à Tecnoforma. Nem remuneração regular, nem irregular. Garantiu que
recebeu apenas o reembolso das despesas que fez ao serviço daquela organização.
Ao contrário do
que sucedeu quando anunciou que iria pedir uma clarificação à
Procuradoria-Geral da República, desta vez pareceu autêntico. Pareceu ele
próprio. De resto, no debate que se seguiu, só um dos líderes da oposição se
colocou no mesmo nível: Jerónimo de Sousa. Separou a questão pessoal das
questões políticas e colocou perguntas que se podem considerar pertinentes. O
oposto do que fez António José Seguro, que teve uma das suas piores prestações
de que tenho memória. Uma intervenção que terminou com o mais populista dos desafios:
o de levantamento do sigilo bancário. Mas já irei a esse tema.
O tema desta
sexta-feira era, ao mesmo tempo, cristalino e nebuloso. Cristalino porque se
impunha que Passos Coelho dissesse se tinha ou não recebido pagamentos
suscetíveis de serem declarados ao fisco ou de violarem a condição de deputado
em regime de exclusividade. Disse, de forma cristalina, que não, não recebeu.
Mas isso não foi
tudo: a acumulação de dúvidas nos últimos dias permitiu que a desconfiança se tivesse
instalado, e a desconfiança, tal como a confiança, não aparece ou desaparece
apenas pela clareza de um discurso. Importa ir às suas raízes, o que neste caso
é especialmente importante.
Boa parte da
desconfiança existente foi criada pelo próprio Passos Coelho, ao ter demorado
demasiado tempo a reagir ao que foi sendo divulgado pelos órgãos de informação.
Se o que tinha a dizer era o que disse aos deputados, porque não começou por
aí? Porque sugeriu que não se lembrava? Porque seguiu pelo caminho menos
ortodoxo de pedir à Assembleia e, depois, à PGR que prestasse esclarecimentos? O
primeiro-ministro pode ter tido boas razões para o fazer, mas desconheço-as. Mais:
não consigo imaginar que boas razões possam ser essas. E estou convencido que
Pedro Passos Coelho vai pagar um preço político por ter deixado que este clima
se instalasse.
O clima de
desconfiança também existiu, existe e existirá porque a história da Tecnoforma
não é uma história bonita nem recomendável (se tiverem dúvidas, vejam este
Explicador). É a história de mais uma empresa que vive pendurada em serviços
que presta ao Estado, na sua habilidade não para gerar valor, mas para
encontrar os subsídios certos. Há milhares de empresas dessas, pois o regime em
que vivemos favorece a sua proliferação, mas isso não torna mais nobre a
passagem de Passos Coelho por este tipo de actividade.
Finalmente há uma
outra questão que está na origem da desconfiança e que funcionou como uma
espécie de vírus. Refiro-me à denuncia anónima. Uma denúncia anónima é sempre
um acto cobarde. Uma coisa é pedir protecção para fazer uma denúncia difícil,
que pode implicar riscos para os próprios – outra é fazê-lo a coberto do
anonimato total. Sem qualquer ónus de prova. Procurando transformar o acusado
em culpado, pois até houve quem, referindo-se de um político, disse ser
aceitável a inversão do ónus da prova.
Se aceitássemos
esse tipo de regras, aceitaríamos as regras da selvajaria. Qualquer ser vivo
poderia acusar quem quer que entendesse e, num clima de forte desconfiança face
a tudo quanto são políticos, isso seria logo uma acusação, porventura uma
condenação antecipada. Caberia ao acusado provar a sua inocência, não à mão que
se esconde por trás da cortina fornecer os elementos necessários a uma
condenação.
Sou dos que acham
que crimes que eventualmente envolvam titulares de cargos públicos podem
prescrever juridicamente, mas não prescrevem politicamente. Mas também sei que
isso é uma faca de dois gumes. As garantias de defesa que qualquer cidadão tem
num processo judicial ou num tribunal não existem para um político nas páginas
de um jornal, e isso não é necessariamente bom, sobretudo se tudo o que
tivermos de evidência for… uma denúncia anónima, inverificável.
Cavalgar esta
onda de desconfiança para pedir o levantamento do sigilo bancário, como fez
António José Seguro, é populista e desvairado. Tornaria ainda mais difícil
encontrar alguém de qualidade que se prestasse a servir a causa pública, pois o
risco de ver toda a vida devassada seria tremendo. E seria ineficaz: os
verdadeiros vigaristas não deixam rasto dos seus movimentos em contas bancárias
vulgares: o seu dinheiro circula por outros lados. A nossa democracia seria uma
democracia pior se a fuga em frente do candidato a candidato a
primeiro-ministro do PS fosse seguida pelos outros partidos – mas nem a
extrema-esquerda parlamentar deu sinais de o querer fazer.
É possível que
exista informação ainda desconhecida que desminta as garantias formais de
Passos. Mas sem essa informação, fazer política com base na suspeição e na
desconfiança é perigoso e condenável. O primeiro-ministro deu as respostas que
lhe pediam – deu-as demasiado tarde, mas deu-as. O ónus de qualquer prova não
está agora do lado dele.
Malabarice
26 de Setembro de
2014, 10:50
Por Francisco
Louçã
Um dia, Passos
Coelho inventou este termo a propósito de qualquer coisa: malabarice. Não
explicou, mas esta filha do malabarismo e da malandrice, que não existe ainda
nos dicionários (pelo menos no Aurélio), foi uma magnífica contribuição para a
literatura nacional, que só posso saudar.
Malabarice é o
que estamos a viver hoje.
Malabarice é o
secretário-geral do Parlamento apresentar informações falsas para proteger o
seu correligionário, quando tem obrigação de prestar informações verdadeiras.
Malabarice é
Passos Coelho fingir que abdicou de 10% a título de exclusividade quando
recebia 15% por ser vice-presidente da bancada, o que o impedia de receber os
malabaristas 10%.
Malabarice é
receber um subsídio de reintegração quando já se tem um trabalho pago e se
continua a ocupar o mesmo posto no mesmo trabalho pago.
Malabarice era
uma empresa que pedia por intermédio de um amigo (Miguel Relvas) um
financiamento de 1,2 milhões para formar 1063 técnicos para 9 aeródromos, dos
quais só 3 estavam abertos e tinham dez trabalhadores.
Malabarice foi
agora a explicação de Passos Coelho para o dinheiro que recebeu da Tecnoforma
enquanto declarava exclusividade no Parlamento.
Malabarice é
dizer que não recebeu qualquer remuneração certa e jogar com palavras, quando
se fazia pagar em despesas de representação, que na época era a forma legal de
não pagar imposto.
Malabarice é não
dizer quanto recebeu nessas despesas de representação.
Malabarice é
viver com subterfúgios para não pagar impostos e depois impor um colossal
aumento de impostos aos trabalhadores e reformados.
Malabarice é
dizer a todos os outros que vivem acima das suas possibilidades e usar todas as
suas próprias possibilidades para não pagar os seus impostos.
Qual é a ligação de Passos Coelho à Tecnoforma?
26 Setembro 2014
– por Liliana Valente, Sónia Simões / OBSERVADOR
A ligação de
Passos Coelho à Tecnoforma começa ainda em 1996, quando funda, por ideia do
presidente da empresa, Fernando Madeira, uma organização não-governamental
(ONG) chamada Centro Português para a Cooperação (CPPC). De acordo com notícias
do jornal “Público”, esta ONG era financiada a 100% pela Tecnoforma e tinha
como principal objetivo captar potenciais negócios para a empresa.
Depois, Passos
Coelho foi contratado como consultor para a Tecnoforma em 2002, pela mão de
João Luís Gonçalves. João Luís Gonçalves, que tinha sido secretário-geral da
JSD quando Passos Coelho era presidente, comprou a empresa para a qual
trabalhava em 2001 (em algumas versões aparece o ano de 2000).
A entrada de
Passos Coelho para consultor não é no entanto certa. Ao Público, o antigo dono
da empresa, Fernando Madeira, garantiu que Passos Coelho só entrou depois dele
sair, ou seja, depois de agosto de 2001. Em algumas declarações, o
primeiro-ministro chegou a falar no ano 2000, mas só lhe é atribuído o cargo a
partir de 2002 até 2004, com um pagamento mensal de 2500 euros/mês a recibos
verdes. Facto que não consta do perfil oficial na Página Oficial do Governo.
Também não consta
no currículo do primeiro-ministro a mudança de cargo dentro da empresa. A
partir de 2005 (em algumas versões é referido 2004), Passos Coelho,
conjuntamente com Francisco Nogueira Leite, tornou-se administrador da
Tecnoforma, cargo que, de facto, ocupou até 2007.
Mas os contornos
como ocupou esse cargo também mostram algumas dúvidas. Tanto Passos Coelho como
Nogueira Leite foram administradores por procuração. Sérgio Porfírio, então
administrador da empresa, disse ao Público que, por não ter tempo, delegou nos
dois a administração da empresa. E os dois assinaram, enquanto administradores
da empresa, apesar de o registo na conservatória não ter sido feito a tempo,
alguns documentos, incluindo relatórios e contas até 2007.
Mas Passos sempre
disse, em declarações públicas que a ligação à Tecnoforma tinha terminado em
2004. Além disso, só em 2012,
a procuração foi revogada.
Foi aliás, sobre
o facto de no currículo não constar a ligação à Tecnoforma enquanto administrador
que levou às primeiras notícias e à primeira “confusão” do primeiro-ministro
sobre o caso.
Em 2012,
respondendo sobre a ligação à Tecnoforma e sobre o facto de ainda ter assinado
documentos até 2007, Passos respondeu ao Público: “Confusão minha! Estava convencido de que tinha saído em 2004″.
Passos Coelho recebeu dinheiro da Tecnoforma ou do CPPC?
26 Setembro 2014
– por Liliana Valente, Sónia Simões / OBSERVADOR
Em debate
quinzenal na Assembleia da República, Passos Coelho afirmou que não recebeu
salário ou avença da Tecnoforma ou do CPPC enquanto foi deputado, ou seja,
entre 1991 e 1999. Diz ter recebido do CPPC dinheiro, a título de reembolso de
despesas de deslocação. Não declarou esses valores ao fisco porque a lei de
então não o obrigava a isso. Não revelou, porém, quanto dinheiro recebeu nessa
qualidade.
Nas declarações
de rendimentos que Passos Coelho entregou em 1997, 1998 e 1999, o então deputado
do PSD não declarou qualquer vencimento proveniente quer da Tecnoforma, quer do
CPPC.
Apesar de a
declaração de rendimentos referente a 1999 estar em falta – o secretário-geral
da Assembleia da República recusou quinta-feira dia 25 de setembro entregar aos
grupos parlamentares essa informação -, num parecer da Assembleia da República,
que atribui a Passos Coelho o subsídio de reintegração, é reconhecido que o
então primeiro-ministro estava de facto em exclusividade de funções. Ou seja, o
parecer, assinado pelo então presidente da Assembleia da República, Almeida
Santos, fazia referência à declaração de rendimentos dizendo que esta mostrava
que Passos Coelho não tinha tido, de 1996 a 1999, outros rendimentos além daqueles
que recebia enquanto deputado (ou os excecionados por lei como a colaboração
com comunicação social).
O que é o caso da Tecnoforma denunciado por Helena Roseta?
26 Setembro 2014
– por Liliana Valente, Sónia Simões / OBSERVADOR
Uma das polémicas
em torno da Tecnoforma – e que deu azo, aliás, às primeiras notícias sobre o
caso – começou com uma denúncia da atual vereadora da Câmara de Lisboa, Helena
Roseta. Em declarações na Sic Notícias, Helena Roseta denunciou ter sido
pressionada por Miguel Relvas para contratar a empresa ao abrigo de um programa
de formação de arquitetos de câmaras municipais, “Autarquia Segura”, que seria
financiado pelo FORAL.
Cerca de um mês
depois de Miguel Relvas ter reunido com Roseta, Passos Coelho, então consultor
da Tecnoforma, pediu uma reunião com a Ordem dos Arquitetos e foi recebido, em
conjunto com o diretor-geral da empresa Luís Brito, de acordo com o Público,
não por Roseta, mas por Leonor Cintra Gomes, dirigente da Ordem.
Nessa reunião, de
acordo com documentos da Ordem, Passos deu a conhecer o programa de formação de
arquitetos, que tinha como objetivo que todas as autarquias tivessem, até 2007,
de “planos de emergência para todos os edifícios públicos, tendo em conta as
normativas europeias”.
A proposta foi
recusada pela Ordem dos Arquitetos, mas o episódio perdurou. Depois das
declarações de Helena Roseta, que acusavam Miguel Relvas, este processou a
vereadora por difamação. O processo acabou também ele arquivado.
Passos Coelho está livre do Caso Tecnoforma?
26 Setembro 2014
– por Liliana Valente, Sónia Simões / OBSERVADOR
Não. Apesar de a
queixa contra o primeiro-ministro ter sido arquivada, Passos Coelho ainda não
está livre do problema Tecnoforma.
Por duas razões:
uma política e outra da justiça.
Em termos
políticos, a oposição e a comunicação social não deixarão cair o caso até que
fique esclarecido quanto dinheiro recebeu Passos Coelho relativo a reembolsos
por despesas de representação em nome do CPPC. O Bloco de Esquerda já admitiu
até levar o caso ao Parlamento em forma de comissão de inquérito. E o PS
garante que vai para já pedir dados à Segurança Social e ao fisco.
Por outro lado,
decorre ainda na justiça um inquérito que não foi arquivado. E se à data esse
inquérito não corre contra ninguém, também é certo que diz respeito à atividade
geral da empresa Tecnoforma, da qual Passos Coelho foi consultor entre 2002 e
2004 e administrador até 2007.
Além deste
processo, há ainda um outro na União Europeia, que ainda não se sabe o desfecho.
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