sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Passos Coelho. Remediado e transparente, por Luís Rosa.


Passos Coelho. Remediado e transparente
O primeiro-ministro deve ter a mesma transparência que teve no caso da licenciatura da Lusíada e mostrar as suas contas bancárias
Por Luís Rosa
publicado em 27 Set 2014 in (jornal) i online

O debate parlamentar de ontem não trouxe as respostas claras que se exigiam a Pedro Passos Coelho. Passamos a saber que o primeiro--ministro recebeu despesas de representação do Centro Português para a Cooperação (CPC), organização não governamental ligada ao grupo Tecnoforma entre 1995 e 1999, mas desconhecemos os montantes, a forma e as datas em que tais despesas foram pagas. A informação é importante na estrita medida que existe uma denúncia anónima que refere um valor de 150 mil euros que terá sido pago entre 97 e 99 – valor que Passos Coelho continua a não desmentir. A situação, portanto, não ficou clarificada.

Todas as dúvidas podiam ter ficado esclarecidas se Passos Coelho tivesse respondido afirmativamente ao desafio de António José Seguro: que mostrasse as suas contas bancárias para se perceber que montantes entraram na sua conta e de que forma. A quebra do sigilo bancário, conjuntamente com a disponibilização das declarações de IRS, poderia permitir o esclarecimento das dúvidas. Seria uma decisão a favor da transparência. Quem não deve, não teme. Não seria nenhum “striptease” porque os valores da transparência e do escrutínio dos titulares dos órgãos de soberania sobrepõem-se ao direito da reserva da vida privada. Ser remediado e transparente é uma conjugação muito feliz num político.

É importante recordar o que Passos Coelho fez em 2012 quando surgiram suspeitas sobre a forma como teria obtido a sua licenciatura em Economia pela Universidade Lusíada, na mesma altura em que surgiu o mesmo problema com Miguel Relvas. Oprimeiro-ministro foi célere e cortou o mal pela raiz: “Podem ver o meu curso à vontade”, foi a resposta que deu, autorizando os jornalistas a consultar o seu processo académico. Não tinha nada a temer e não hesitou em ceder dados privados à comunicação social. Já devia ter feito o mesmo com os dados fiscais e bancários.

Podemos argumentar que quebrar o sigilo bancário ou fiscal será muito mais intrusivo do que ver as notas e os exames académicos. Será, porventura. Mas o princípio é o mesmo: o escrutínio do primeiro-ministro pode obrigar a ter acesso a dados da sua vida privada. E tudo por uma razão: ochefe do governo não é um homem comum. É eleito de forma universal e livre para liderar os destinos do governo de um país e goza de um estatuto e de regalias especiais. Em troca, é escrutinado pelos seus concidadãos de forma proporcional às suas obrigações. Uma delas é cumprir a lei – de forma a ter moral para fazer cumprir a lei. Existindo uma suspeita de fraude fiscal em cima da mesa, Passos Coelho deve clarificá-la de forma total e absoluta.

É um erro refugiar-se em afirmações de que as despesas de representação não são remunerações, logo não passou recibos de rendimentos que não auferiu, ou no arquivamento pelo Ministério Público da denúncia anónima, quando a mesma aconteceu por prescrição. São questões formais que escondem o essencial: esta questão não é judicial. É uma questão política concentrada em suspeitas que ainda não desapareceram.


A oposição está a avaliar uma comissão de inquérito parlamentar que só poderá ser verdadeiramente útil se tiver direito a quebrar o sigilo bancário de Pedro Passos Coelho. Não é claro que o possa fazer, na medida em que o caso já prescreveu. Mas a pressão sobre o primeiro-ministro vai continuar. Este caso vai ter mais episódios.

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