sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Dois compadres, por Vasco Pulido Valente


Dois compadres
Vasco Pulido Valente / 5-9-2014 / PÚBLICO

Em última análise, o que está no fundo das “primárias” do PS é muito simples: António Costa “sai” bem na televisão e António José Seguro não “sai”. Isto já se sabia antes da presente balbúrdia. Na Quadratura do Círculo, e fora dela, Costa adoptou uma pose de “homem de Estado”: sereno, informado, cuidadoso. Nos soundbytes que distribuía pacientemente pelo país, Seguro falava sempre como um seminarista em férias, com medo de se esquecer da lição: despachava à pressa o recado, com a hesitação e as repetições do aprendiz e, quando fazia um esforço para se dar uma sombra de autoridade, tudo soava falso e frequentemente ridículo. Seguro de cara séria e em tom de ameaça parecia um adjunto de gabinete a representar um papel que não era o seu. Ninguém desde o princípio acreditou nele.
De qualquer maneira, Portugal continua na suave ignorância do que estas duas personagens pensam ou querem. Costa tem um plano perfeito para conservar o seu halo de génio e mistério. Agora, não dirá coisa nenhuma, porque o seu papel é angariar votos. No congresso, perante os “camaradas” apresentará um “documento” com as tarefas da Pátria para a próxima “década”. E, no fim, quando for primeiroministro anunciará o programa do Governo. Até lá quer sossego e principalmente não se misturar com a gentinha que o rodeia e rodeia Seguro. O chefe precisa de uma certa gravidade, que a berraria impede. Será levado de andor para S. Bento ou voltará à câmara, abençoado pela “inteligência” e pela ralé. O “culto” de Costa, se não servir para o dia 28, como é de esperar, servirá para dividir o PS e para Belém.


Seguro não pode nada contra isto. Não calou a boca, mesmo quando vinha a propósito, durante três anos de secretário-geral e hoje é tarde para se desdizer ou para tapar o chorrilho de asneiras que serviu aos portugueses. As suas credenciais no partido não são particularmente distintas e parecem menores comparadas ao beatífico currículo de Costa, nascido para a fé (como ele não se cansa de lembrar) na tenra idade dos 14 anos, e esta semana abençoado pelas mais veneráveis “figuras” do PS num pequenoalmoço “histórico” no venerável e também “histórico” Hotel Altis. Pena que a natureza anticlerical da seita não permita o Te Deum que o episódio pedia. Falta uma pergunta: Costa e Seguro, ou Seguro e Costa, acreditam sinceramente que, a seguir a esta fantochada, os portugueses ainda votarão neles?

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