sexta-feira, 10 de maio de 2013

Sim, senhor ministro.


Sim, senhor ministro


Por Ana Sá Lopes

publicado em 10 Maio 2013 in (jornal) i online

Depois da transmutação de Gaspar esta semana em Bruxelas (onde invocou os direitos sociais quando o governo se prepara para rebentar com o que resta deles), o novo ministro Miguel Maduro fez ontem um discurso em Florença em ruptura total com o servilismo até aqui revelado pelos primeiros-ministros Passos e Gaspar no que à relação com a Europa diz respeito.
Maduro coloca as questões onde elas deveriam ter sido colocadas há muito – a incapacidade de autogoverno dos países europeus sujeitos a uma tutela não legitimada democraticamente; o falhanço da ideia de “contrato social” em que se fundou a Europa e até a defesa dos eurobonds, embora não pronuncie a palavra banida pelo governo para satisfação da senhora Merkel & amigos. A frase é comprida, mas deve ser citada na íntegra: “A União Europeia tem de proporcionar algum grau de seguro partilhado relativamente aos riscos sistémicos decorrentes de uma união monetária e económica e garantir uma distribuição justa dos custos e benefícios que naturalmente emergem num tal contexto.” E também “num contexto de crise como o actual, o processo de ajustamento económico e financeiro, que é necessário, deve envolver toda a Europa e os seus custos não podem concentrar-se em excesso em certos estados, sob pena de se tornar social e politicamente insustentável”. Parece que foi preciso muito penar para que alguma clarividência sobre política europeia tenha chegado ao governo. A defesa da democratização da união – com os povos europeus a eleger o presidente da Comissão Europeia, por exemplo – é outra proposta de Maduro. Parece consensual: não vivemos numa democracia, somos governados, na prática, por pessoas que não elegemos. Maduro acha essencial “legitimar os poderes mais fortes que a União Europeia tem adquirido” e “um contrato social mais alargado que garanta uma distribuição mais justa dos custos e benefícios da integração”.
A questão é que o governo acordou para a crise europeia quando a situação já está “social e politicamente insustentável”. Já não há muito tempo para uma evolução dentro da continuidade. Maduro acaba o discurso invocando a “Divina Comédia”: “Toda a forma política democrática tem de saber conjugar elementos de razão e de paixão. A união tem de encontrar esse equilíbrio sob pena de a sua razão entrar num conflito irresolúvel com as paixões nacionais.” Infelizmente, esse conflito é o que temos e as perspectivas
de inversão são nulas.

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